Brasil e Alemanha: a secreta luta de titãs

(Foto: World Economic Forum/Flickr/Divulgação) Se eu disser aqui na Alemanha ou no Brasil que esses dois países estão duelando, vão dizer que eu comecei a inventar histórias da carochinha. Mas […]

(Foto: World Economic Forum/Flickr/Divulgação)

Se eu disser aqui na Alemanha ou no Brasil que esses dois países estão duelando, vão dizer que eu comecei a inventar histórias da carochinha.

Mas é o que está acontecendo. Só que em segredo. Nem os duelantes percebem. Mas estão duelando.

É melhor eu começar a me explicar.

Quando veio à tona a crise financeira em 2008 (ela já trovejava há muito e começar a chover fogo do céu em 2007), Brasil e Alemanha, nas suas proporções, dois titãs continentais, começaram a tomar rumos divergentes para enfrentar o temporal.

O Brasil se safou logo do redemoinho. A Alemanha, pelo menos nos números, está se safando também. Porém…

O Brasil apostou nos seus bancos estatais e no aumento dos investimentos e do consumo interno, entre outras medidas.

A Alemanha, sobretudo depois que a crise financeira desaguou na crise das dívidas públicas dos países da zona do euro, liderou um processo continental de adesão à receita fundamentalista do FMI: arrocho fiscal, corte nos investimentos públicos, sobretudo nos sociais, congelamento de salários, aposentadorias e o etcétera recessivo que a gente conhece.

São dois mundos muito diversos um do outro. E ambos, por seus porta-vozes, estão cantando vitória.

Pode haver até um certo otimismo excessivo nisso, de parte a parte. O Brasil canta sua vitória (ainda relativa, é claro) sobre a miséria e a pobreza, com a consolidação de uma nova classe média. A Alemanha (pelo menos os empresários e mais cautelosamente o governo de Ângela Merkel) fala numa retomada do crescimento econômico, do aumento das exportações e do consumo interno tanto no atacado como no varejo.

O Brasil (pelo menos uma parte dele, a mais moderna e menos anacrônica) se orgulha do aumento do salário mínimo e do poder aquisitivo das famílias. Na Alemanha o contentamento empresarial e do governo fica com o fato de que o consumo interno está se recuperando sem que tenha havido aumento nos salários, o que mantém a competitividade das exportações alemãs para a Europa e para fora do continente, sobretudo para a China e adjacências asiáticas. O que aumentou na Alemanha foi o percentual de empregos sobre o percentual de desemprego em relação à população economicamente ativa. Esta última taxa caiu abaixo de 7 %, um marco histórico. Fala-se até que em alguns anos a Alemanha poderia chegar a uma taxa de desemprego de 5 % ou menos o que, segundo economistas, caracteriza uma situação de “pleno emprego”, coisa que a Alemanha (pelo menos a ocidental) não via desde os tempos do nazismo (sem querer comparar situações e regimes, é claro). Quanto a salário mínimo, ele não existe na Alemanha, embora seja uma reivindicação dos sindicatos e do partido Linke.

Diga-se de passagem que não vi ainda estatísticas sobre os efeitos da crise junto às micro, pequenas e médias empresas. Fala-se que a sua situação também está melhorando, puxadas pelas exportações das grandes cadeias empresariais. A ver.

Problemas: os nossos são por demais conhecidos. Os tempos vão piorar no curto prazo, com a guerra cambial (eu quase escrevi canibal) entre grandes e pequenos, e certamente com a política recessiva em aplicação pela Europa. Os EUA vão entrar em período de recessão também, se a nova direita conseguir impor suas políticas mais ortodoxas ainda (mais ortodoxa do que rótulo de Maizena, dizia o Analista de Bagé).

Mas por aqui os problemas também rondam a nova e renascente felicidade alemã. O euro está a perigo, embora ainda nenhuma força política organizada tenha proposto sua dissolução. O retrocesso econômico a que sucessivamente estão sendo condenados países como Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e outros pode solapar a base da prosperidade alemã. Uma dissolução do euro, além de caríssima, e um retorno ao marco, valorizaria a moeda alemã pela corrida de capitais em busca desse novo mercado a tal ponto que arriscaria fazer cair as exportações.

Ainda assim… há uma “nostalgia do marco” no ar. Pesquisa recente divulgada pela revista Der Spiegel diz que 57 % dos alemães se identificam com uma frase como “a Alemanha vivia melhor com o marco do que com o euro”. Estimativa do Banco Central Alemão (Bundesbank), de 2008, dizia que ainda restavam 14 bilhões de marcos “em algum lugar da Alemanha”. É claro que uma parte disso está nas mãos de colecionadores. Eu mesmo não dispenso minha lata com marquinhos, além de outros dinheiros do mundo, cruzeiros antigos e novos, milréis, patacões do Império, etc. Mas isso não explica tudo. Muito desses marcos deve estar embaixo de colchões, esperando o que vai acontecer.

Também deve-se assinalar que esse sentimento nostálgico é movido por sentimentos ou ressentimentos de direita, que põem sob suspeita tudo o que cheire a “solidariedade européia”, sobretudo o fundo internacional de amparo ao euro construído sob instigação da França e aceitação por parte da Alemanha. O fundo, constituído depois da quebra da Grécia, já socorreu a Irlanda, e espera-se a vez de Portugal, talvez da Espanha. Mas se diz também que se a Itália entrar na dança não vai haver dinheiro que chegue e quem vai dançar é o euro.

De qualquer modo, Brasil e Alemanha, com seus objetivos comuns e suas inegavelmente boas relações (que, espero, continuem) estão no epicentro de uma queda de braço entre a ortodoxia econômica e as alternativas em construção. Tudo passa meio desapercebido, mas isso não quer dizer que não esteja acontecendo.