A era dos falcões

A pomba da paz, de Picasso, frágil e delicada, está cada vez mais ameaçada no Oriente Médio (reprodução) As recentes ameaças contra Israel proferidas (reiteradas) pelo patriarca dos aiatolás iranianos, […]

A pomba da paz, de Picasso, frágil e delicada, está cada vez mais ameaçada no Oriente Médio (reprodução)

As recentes ameaças contra Israel proferidas (reiteradas) pelo patriarca dos aiatolás iranianos, Ali Khamenei, chamando aquele país de “câncer” no Oriente Médio, só jogaram água (sangue?) no moinho dos falcões internacionais.

É verdade que o governo israelense, que também parece cada vez mais sedento de guerra, não facilita nada. Até Ehud Barak, que antes quase fizera a paz com Yasser Arafat, aderiu à retórica belicista de Benjamin Netanyahu. E apesar da crosta de silêncio que o governo de Tel Aviv deita sobre suas ações, são cada vez mais eloqüentes as denúncias sobre a participação do Mossad nos assassinatos de cientistas iranianos ligados ao program nuclear e nos ataques de vírus contra os computadores do mesmo programa.

Acontece que as declarações de Khomeini, feitas durante a prece (?!) de sexta-feira em Teerã, vieram à luz quase simultâneamente com a visita ao Irã da Agência Internacional de Energia Atômica da ONU, visita que deve prosseguir nas próximas semanas. Se alguma esperança de paz na região existe, ela também depende do relatório dessa Agência. E as palavras do aiatolá-chefe ajudaram a desacreditar mais o papel dessa agência – já sistematicamente bombardeado pela falcoaria universal.

Quase ao lado, a situação da Síria também está entregue à falcoaria nacional e internacional. Que o regime de Bashar al-Assad não é um modelo de democracia, não há quem duvide. Por outro lado, os países da Liga Árabe que estão a pedir ou a sugerir uma intervenção até militar na Síria, também não são modelares quanto à democracia. Acontece apenas que estão do lado de cá da Cortina do Ocidente e, portanto, têm uma quatidade menor de críticas não só oficiais, mas também na mídia. Setores da oposição síria, sobre cuja identidade ainda pouco se sabe, estão cada vez mais apostando na guerra civil, o que só reforça a posição dos blindados de Assad no campo cada vez mais de batalha e dos falcões nas gaiolas de Damasco.

O Conselho de Segurança da ONU, onde o governo norte-americano tentou aprovar uma resolução contra al-Assad no fim de semana, também está desacreditado. A aprovação que deu para o estabelecimento de uma blindagem do espaço áereo na Líbia se transformou, nas mãos da falcoaria britânica e francesa, com apoio dos Estados Unidos e da OTAN, numa batalha até em terra e depois numa caçada humana contra Muammar Gadhaffi, que teve fim com o horrendo linchamento do ex-presidente líbio. Rússia e China, escaldadas (e a China o fez explicitamente) por essa experiência anterior, vetaram a resolução (que teve apoio do Brasil), o que, na prática, só reforçou a posição de Bashar al-Assad.

Tanto a posição de Khamenei quanto a da Rússia e da China na questão vêm em apoio das pré-candidaturas republicanas nos Estados Unidos, por repisarem a retórica da Guerra Fria que eles, explicita ou implicitamente, se baseiam. Por sua vez, as candidaturas republicanas são a grande preferência e esperança do governo israelense e de Netanyahu em particular, que têm até uma espécie de rixa pessoal com Barack Obama, este, com suas hesitações e seu desafio eleitoral pela frente, cada vez mais acuado pela falcoaria de seu país.

E assim as gaiolas de ferro vão se fechando. Decididamente, o ar não está para pombo correio, quanto mais para a pomba da paz, com seu tímido ramo de oliveira no bico.

Tem gente brincando com uma das guerras mais feias que já trovejou no horizonte. É a era dos falcões.