RIO DE JANEIRO

Após 100 dias de gestão, azeda relação de Eduardo Paes com ambientalistas

Ambientalistas criticam a mudança da divisão de licenciamento para Secretaria de Desenvolvimento e o esvaziamento do Programa Mutirão Reflorestamento

Fernando Frazão/Agência Brasil
Fernando Frazão/Agência Brasil
Paes foi criticado por mexer no licenciamento ambiental e esvaziar Mutirão Reflorestamento

Rio de Janeiro – Após um início de gestão em clima de lua de mel, bastaram 100 dias para que Eduardo Paes (DEM) azedasse completamente sua relação com os movimentos e entidades socioambientalistas do Rio de Janeiro. Bem recebidos pelo setor, alguns gestos iniciais do novo prefeito – como colocar o PV no comando da Fundação Parques e Jardins ou suspender o projeto de construção de um novo autódromo que implicaria na derrubada do último remanescente de Mata Atlântica plana da cidade – foram anulados por decisões que vieram na sequência. As mais criticadas são o remanejamento da divisão de licenciamento ambiental da Secretaria de Meio Ambiente para a recém-criada Secretaria de Desenvolvimento Econômico e o esvaziamento do premiado Programa Mutirão Reflorestamento.

O fim da trégua com os ambientalistas aconteceu quando um decreto assinado pelo prefeito transferiu a responsabilidade pelos licenciamentos ambientais para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Inovação e Simplificação. Os críticos enxergam na decisão uma ameaça de afrouxamento das regras, embora as tarefas de fiscalização e aplicação de multas permaneçam sob a responsabilidade da Secretaria de Meio Ambiente. A medida já é contestada na Justiça por ferir a Constituição. Segundo os ambientalistas, a lei máxima do país determina que os órgãos licenciadores sejam sempre os órgãos ambientais.

“Essa questão é muito grave. O Rio é o único município que tirou o licenciamento ambiental da pasta de Meio Ambiente e isso, na prática, significa acabar com a necessidade do licenciamento ambiental. Aí, veremos acontecer as piores coisas possíveis”, diz o analista climático Pedro Graça Aranha. Ele também cobra de Paes maior engajamento na luta contra o aquecimento global. “O mais grave nessa história é o Paes assumir compromissos com a questão das emergências climáticas e tudo continuar na base do mais do mesmo”, diz.

Em artigo conjunto publicado no site Consultor Jurídico, o procurador federal aposentado Paulo de Bessa Antunes e o professor de Direito Ambiental e advogado Talden Farias afirmam que a decisão de mudar o licenciamento ambiental de mãos também fere a lei por não ter sido tomada de forma democrática: “A alteração não foi objeto de uma discussão prévia com a sociedade, tendo sido apenas o resultado de um compromisso eleitoral do prefeito com o Novo, um dos partidos da base aliada, de maneira que os aspectos jurídicos dessa decisão parecem não ter sido considerados. Essa falta de discussão demonstra que o princípio da participação, pedra angular do Direito Ambiental, não foi devidamente observado”.

Fim do mutirão?

Criado há 34 anos pelo então prefeito Roberto Saturnino Braga, em uma época na qual o Rio sofria com inúmeros deslizamentos, o Mutirão Reflorestamento utiliza a mão-de-obra dos moradores das áreas de risco e já possibilitou o replantio de 10 milhões de árvores em diversos pontos da cidade. A inciativa já foi até premiada pelo programa ONU Habitat, mas nada disso impediu que Paes, sem anúncio prévio, começasse a esvaziar as equipes de reflorestamento. Segundo o Movimento Baía Viva, que provocou o Ministério Público a investigar o prefeito pelos supostos crimes de “ameaça à Mata Atlântica” e “abandono de política pública preventiva”, as demissões atingem a metade dos trabalhadores envolvidos no programa.

“Um dos principais impactos desta medida absurda e ilegal é promover a demissão em massa de trabalhadores capacitados que há anos – alguns há décadas – atuavam no Mutirão Reflorestamento”, diz o ambientalista Sérgio Ricardo Verde, coordenador do Baía Viva. Segundo a denúncia apresentada pela entidade, o salário de fevereiro dos plantadores ainda não foi pago. Além disso, houve o anúncio da redução do valor a ser pago em março e do início das demissões em abril.

Em nota, o secretário municipal de Meio Ambiente, Eduardo Cavaliere, negou o esvaziamento do programa: “A informação não procede. O Mutirão Reflorestamento é uma política de Estado que existe há mais de 30 anos e será mantida”. Na realidade, de acordo com a denúncia dos ambientalistas, Cavaliere teria comunicado diretamente aos plantadores que, devido às restrições fiscais enfrentadas pela Prefeitura neste início de gestão, seria obrigado a cortar metade das vagas de plantadores.

Esvaziamento progressivo

No seu auge, o Mutirão chegou a ter mil plantadores divididos em equipes de 15 pessoas. “Esse número vem caindo a cada gestão. Porém, chegou a um nível crítico. Já eram limitados 453 homens na virada do ano, e agora serão reduzidos a míseros 279 homens com essa decisão. No meio de uma pandemia, as pessoas demitidas são as mais vulneráveis por viverem nas favelas. Elas trabalham em um programa que beneficia a todos nós cariocas”, diz Sérgio Ricardo.

Segundo o ambientalista, as equipes, reduzidas a dois, três ou até mesmo um único homem para realizar a manutenção de superfícies de 15 a 20 hectares, não dão conta da tarefa. “Caso seja mantida esta decisão equivocada, chegamos ao número mínimo de reflorestadores das últimas décadas. A cidade terá perda de vegetação, dinheiro público e qualidade ambiental em decorrência de incêndios anuais ou invasão de pessoas, animais ou capim nas áreas mais frágeis.”

Do ponto de vista ambiental, diz a denúncia do Baía Viva, o Mutirão Reflorestamento “tem uma importante contribuição para o enfrentamento das ilhas de calor nos bairros da cidade, fenômeno que tem se intensificado com os efeitos das mudanças climáticas”. O esvaziamento do programa, afirma a entidade, “também terá como consequência o aumento do número de incêndios na vegetação, o que aumentará o grau de ameaças sobre a Floresta da Tijuca, o Parque da Pedra Branca e o Parque do Mendanha, entre outras vulneráveis Unidades de Conservação presentes no território carioca”.

“Nada sai do papel”

Para Pedro Aranha, o prefeito do Rio assumiu compromissos, mas tem feito muito pouco. “Até agora, não saiu do papel o Fórum Carioca de Mudanças Climáticas, que está previsto desde 2011 na Lei de Mudanças Climáticas”, afirma. “O plano de contenção das emissões de gases de efeito-estufa também até agora não saiu do papel. Um plano real de mitigação que já pense as grandes enchentes e grandes chuvas, adventos do aquecimento global, nada sai do papel. Quer dizer, mais uma vez o Paes começa a assumir compromissos ambientais planetários, mas, na prática, não faz nada na cidade. É triste, a gente continua a ver uma parte da cidade degradada, sem perspectiva para a luta das emergências climáticas e sem participação popular.”

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