Não é solução

Mais prisões, maior a insegurança: advogada cobra políticas sociais em vez de só o castigo

Com a terceira maior população carcerária do mundo, Brasil aprofunda desigualdades ao usar quase que só os presídios para fazer Justiça. Advogada do ITTC propõe perspectiva para o desencarceramento

Wilson Dias/EBC
Wilson Dias/EBC
Há unidades com menos de 10 funcionários para mais de 2 mil detentos: risco de colapso na segurança do sistema prisional do estado de São Paulo

São Paulo – O massacre no presídio de Altamira, no Pará, que deixou 58 presos mortos, no final de julho, só reforça a importância do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura, como destaca a advogada e integrante do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) Viviane Balbuglio aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual, sobre o órgão responsável por vistoriar as condições de presídios e outros espaços de privação de liberdade. Isso porque, como veio a público após a repercussão das 41 mortes por asfixia, 16 decapitações e um corpo encontrado sobre escombros, as condições do Centro de Recuperação Regional de Altamira eram consideras péssimas, prisões superlotadas numa cidade contextualizada pelo aumento da violência.

O mecanismo, que tem como papel denunciar esse tipo de situação, por pouco ficou inviabilizado após o presidente Jair Bolsonaro exonerar os 11 peritos do órgão e tornar o trabalho voluntário, decisão derrubada pela Justiça nesta semana. “Não adianta manter a existência dele (órgão) sem que as pessoas possam se dedicar, isso também seria uma violação de direitos”, destaca Viviane. A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, rebateu a liminar e afirmou que o governo deve recorrer da decisão. Segundo ela, os estados que deveriam ficar a cargo da fiscalização.

A advogada Viviane não discorda, mas ressalta que o sistema carcerário demanda a atuação do mecanismo na esfera federal e estadual. Ainda assim, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), por exemplo, em janeiro, decidiu vetar a criação do Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Tortura e o Mecanismo de Prevenção e Enfrentamento à Tortura do Estado, que já havia sido aprovado pela Assembleia Legislativa.”Por outro lado a gente está caminhando com projetos pilotos de privação de presídios, o que é uma situação muito complicada, tanto que a gente já viu, em outros estados que têm presídios privados, cenários de massacre e de situações de extrema violência”, contesta Viviane.

Para a advogada, a despeito do Brasil ter a terceira maior população carcerária, com 812 mil pessoas presas, a formulação de segurança pública ainda se apoia na promoção de mais prisões, ainda que hoje se prenda muito e a insegurança só cresça, uma espécie de punitivismo, onde justiça é vista como prisão. Quando, ao contrário, a aposta do Brasil deveria ser pelo desencarceramento, como ressalta Viviane. “Romper essa ideia da punição por si só, entender esse contexto social que as pessoas presas estão inseridas”, avalia.

Mulheres imigrantes egressas

Há dois anos integrando o projeto Migrantes Egressas do ITTC, Viviane diz que esse anseio da população pelo encarceramento desconsidera, no entanto, todo um contexto histórico e social do Brasil, que encarcera a população negra e pobre, ou ainda as populações mais vulneráveis, como mulheres imigrantes com dificuldades na comunicação, distante das famílias, e sem qualquer vínculo com o país para serem atendidas pelos serviços públicos.

Foi pensando nessas dificuldades que há 17 anos o ITTC tenta acompanhar essas mulheres que agora voltam à sociedade e precisam se ligar às instituições do estado. Mas, como para a população brasileira egressa, as imigrantes ficam também em uma situação ainda mais complicada por terem como marcador social o antecedente criminal. “Por um lado a gente tenta construir instrumentos para atender elas individualmente para os problemas, mas, os mesmo tempo, elas construírem uma autonomia, de conhecer os serviços públicos, e comprar pelos direitos que elas têm, porque essa é a ideia, pensar em igualdade”, justifica Viviane sobre o projeto.

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