RESULTADOS

Estudo mostra pouca eficácia de prisões provisórias no combate ao crime

Pesquisa sobre sistema prisional aponta que precariedade das condições das detenções provisórias resultam em pouca eficiência da medida e pode levar à reincidência no crime

Thathiana Gurgel/DPRJ/Arquivo EBC
Thathiana Gurgel/DPRJ/Arquivo EBC
Há sérias dúvidas se as prisões provisórias de fato contribuem para a redução de crimes. Há alguns estudos apontando que elas podem, inclusive, aumentar esse número

Brasília – Existe uma dúvida sobre a eficiência das prisões provisórias no sistema criminal do país. Várias entidades têm estudado impactos negativos destas prisões, nas gestões públicas e na vida dos presos e suas famílias. Os levantamentos  mostram que essas medidas não contribuem, de fato, para a redução de crimes.

Com base em dados do Distrito Federal, o Instituto Veredas divulgou ontem (13) o resultado de uma pesquisa que mostra que, apesar das audiências de custódia, entre 47% e 60% do total de presos provisórios continuam detidos e aguardam mais de 90 dias para o seu julgamento. Além disso, boa parte deles volta a praticar crimes. Suas prisões são cumpridas em condições precárias e nocivas à saúde, em sua maior parte sem realizarem atividade laboral e com pouca interação com familiares.

As audiências de custódia foram criadas em 2015 por meio de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A regra estabelece que, assim que for apresentada à autoridade policial, a pessoa presa em flagrante seja levada a fazer exame de corpo de delito e encaminhada à carceragem. Dentro de um prazo de 24 horas, a pessoa precisa, obrigatoriamente ser apresentada a um juiz, onde será averiguado se sofreu algum tipo de tortura ou se foi tratada corretamente. Caberá ao magistrado avaliar se o caso é passível ou não de prisão provisória.

A regra inicialmente foi vista como uma inovação e como forma de dar alguma dignidade à situação dos presos e reduzir o número de prisões provisórias decretadas no país. Mas, quatro anos depois, os especialistas mostram que tais audiências ainda são insuficientes.

Conforme o Instituto Veredas, tais prisões seguem um padrão. Os pesquisadores observaram que a maioria destes presos têm cor negra e os principais crimes de que são acusados são tráfico, roubo, violência doméstica e furto.

A entidade analisou informações das 24.765 audiências de custódia realizadas entre outubro de 2015 e dezembro de 2017 no Distrito Federal. Constatou que cerca de metade delas resultou em liberdade provisória e o restante, em prisões preventivas.

Segundo o diretor executivo adjunto do Instituto Veredas, Davi Romão, os dados apontam a existência de excesso de prisões provisórias, gargalos no sistema de Justiça e a demora dos julgamentos. “Tudo isso infla nosso sistema penitenciário e provoca uma série de problemas”, afirmou.

De acordo com o diretor, o sistema carcerário no Brasil acaba sendo ineficiente em vários aspectos, uma vez que a prisão “não contribui com o desenvolvimento social”. “Ser isolado dessa forma aumenta as chances da pessoa de voltar para o crime, caso tenha cometido algum. Esse tipo de pena tem efeito ambíguo. E prejudica a ressocialização. É um tiro no pé”, destacou.

Ações estratégicas

O Instituto Veredas – que trabalha com produção de conteúdo em gestão de políticas públicas para o sistema criminal que possa ser utilizado como uso, replicação e atuação em rede – elencou cinco ações que podem ser utilizadas como possíveis alternativas a estas prisões.

A primeira corresponde a estratégias de desvio do sistema criminal, que podem envolver abordagem seguida de explicação sobre as leis, advertências com adoção de medidas restaurativas e repreensão. Sendo que cada uma pode ser combinada com algum elemento adicional, como o encaminhamento para um serviço psicossocial.

Outra ação é a intensificação dos programas de justiça restaurativa, como forma de proporcionar oportunidades para que o infrator compense o que fez. Neste item podem ser destacadas práticas como a mediação de conflitos e sistemas de justiça não-estatal, voltado, por exemplo, para ações comunitárias.

Os pesquisadores também citam como outra alternativa à prisão provisória o sistema de monitoramento eletrônico, que permite que a pessoa pega em flagrante use uma tornozeleira, em vez de ser presa provisoriamente. Apontam que a medida teria impacto financeiro, por ser considerada mais barata do que a prisão. E citam que este procedimento tem sido aplicado com êxito em países como Suécia, Suíça, Estados Unidos, Canadá e no Reino Unido.

Por fim, são sugeridos programas de acompanhamento da liberdade provisória envolvendo mentores para jovens, acompanhamento social, retorno à comunidade e intervenções voltadas para a paternidade/maternidade dessas pessoas. Bem como programas voltados para pessoas que cometeram crimes sexuais e violência doméstica, como terapias de casal, tratamento para essas pessoas e até intervenções motivacionais.

Segundo o professor de antropologia do direito e pesquisador do Grupo Candango de Criminologia da Universidade de Brasília (UnB) Welliton Caixeta Maciel, há um uso indiscriminado e ilegal de prisões provisórias no Brasil. “Essas pessoas que estão aguardando julgamento deveriam cumprir medidas cautelares”.

Opinião semelhante tem a diretora executiva do Instituto Veredas, Laura Boeira. “Há uma grande incerteza se as prisões provisórias de fato contribuem para a redução de crimes. Há alguns estudos apontando que elas podem, inclusive, aumentar esse número”, afirmou.

O estudo foi financiado pelo Fundo Brasil Direitos Humanos (FBDH), pela OAK Fundation e pelo Instituto Betty e Jacob Laffer. Foi feito com base em informações sobe audiências de custódia realizadas no DF entre 2016 e 2017 com o objetivo de identificar problemas relacionados a este tipo de prisão e apresentar estratégias para enfrentamento no âmbito do sistema de justiça criminal.

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