Reitor escolhido por Serra chega ao cargo com histórico de repressão policial

João Rodas terá de buscar conciliação com professor mais votado e convencer oposição de que quer democratização, além de responder a investigação do MPF

Durante protesto de estudantes, funcionários e professores de universidades estaduais paulistas, Rodas ordenou o fechamento do prédio da Faculdade de Direito, medida criticada pelo professor Fábio Konder Comparato (Foto: RedeBrasilAtual)

O diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, João Grandino Rodas, assumirá a Reitoria da Universidade de São Paulo (USP) com um histórico que pode ser bom ou ruim, a depender de quem observa.

Rodas, sempre chegado aos grupos tucanos, ganhou muitos pontos com o governador José Serra depois de reprimir a ocupação da faculdade em 2007. Para o grupo ligado ao governador, a “solução” da questão em um dia foi fundamental, em contraposição à decisão da reitora Suely Vilela de, na época, não adotar a repressão contra os estudantes que ocuparam a reitoria.

Na ocasião, Rodas justificou em artigo para a Folha de S. Paulo sua decisão: “Ante o esbulho possessório e o risco que corriam pessoas e o imóvel tombado, o pedido para que a Polícia Militar retirasse, com as cautelas devidas, os invasores foi não somente legal como também legítimo. Se, de um lado, não é usual nem desejável a entrada de polícia nas dependências da faculdade, de outro, não se tem notícia de uma invasão concertada de movimentos sociais nas centenárias arcadas”.

O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da USP prevê mais alguns anos conturbados pela frente. Defensora da democratização das estruturas da universidade, incluindo eleições diretas para reitor, a instituição considera que Rodas tem de fazer algo mais que promessas vagas. Durante a campanha, ainda influenciados pela repressão policial promovida no fim de junho na Cidade Universitária, todos os candidatos falaram que eram a favor de mudanças no Estatuto da USP de modo a garantir mais participação.

Agora, resta saber o que será levado adiante. O “Compromisso USP”, espécie de resumo de programa de gestão disponibilizado pelo diretor da Faculdade de Direito em seu site, não usa nenhuma vez a palavra democracia. Derivados e sinônimos, como democratização e voto, tampouco.

Débora Manzano, diretora do Diretório Central dos Estudantes, entende que o histórico de enfrentamento e o pouco diálogo aberto por Rodas à frente da São Francisco contam contra. Para a aluna do curso de Fonoaudiologia, as mudanças que podem ser promovidas pela nova administração não serão mais que cosméticas.

Rodas chega à USP com a quebra de uma convenção que, se não está no papel, está nos costumes. Desde 1981 o governador de turno vinha respeitando o mais votado pelo restrito conselho de 320 integrantes que elegem uma lista tríplice. Paulo Maluf, sob ditadura, havia sido o último a desrespeitar a autonomia universitária. Agora, José Serra preteriu o mais votado, Glaucius Oliva, diretor do Instituto de Física de São Carlos, e nomeou Rodas, mais próximo dos tucanos.

“A gente acha que a escolha é uma opção política clara do governo Serra de ter um instrumento dentro da USP para ajudar a implementar política dele. É uma política para enfrentar aquilo que é feito na universidade”, afirma Débora Manzano.

A Associação dos Docentes da USP pretende chamar o novo reitor para uma conversa em que serão colocados os pontos considerados prioritários para a próxima gestão. A Adusp iniciou a coleta das promessas feitas por Rodas ao longo dos debates e entrevistas, e pretende cobrar o cumprimento das mesmas.

“Ele pelo menos disse que promoveria a democratização. Agora, é possível que exista uma distância entre o que ele entende por democracia e o que nós entendemos por democracia”, afirma João Zanetic, presidente da Adusp.

Mayra Laudanna, professora do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), aponta que a democratização será colocada na pauta se render aos interesses políticos do PSDB. “Põem cortinas de fumaça na qual falam que vão fazer novo estatuto. Mas vão conduzir sempre com pessoas negociadas. Não vão permitir que nós, do baixo clero, participemos, ou apenas participaremos como palhaços”, destaca.

Participação privada

O apoio dado por João Grandino Rodas ao setor privado não é visto com bons olhos por alguns setores da universidade. A atual gestão da Reitoria ampliou as relações com o Banco Santander, o que gerou estranheza por parte da comunidade, e nada fez em relação às fundações de apoio, que usam o nome da USP e muito raramente repassam os lucros à instituição, entre outros problemas.

O diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco sempre teve, entre seus planos, garantir que a Microsoft realize a digitalização do acervo da biblioteca local, a mais antiga do estado, fundada em 1825.

As alterações programadas por Rodas no prédio e na biblioteca da faculdade, tombados como patrimônio histórico, são investigadas pelo Ministério Público Federal. Em maio, os procuradores abriram inquérito para apurar as modificações, que incluem a placa de uma livraria no lado externo do prédio, algo vetado para edifícios tombados, e a transformação do fichário da biblioteca em um auditório. Além disso, é investigada a abertura de uma instituição privada que ficaria responsável por administrar a faculdade.

Nesta sexta-feira, o Ministério Público Federal enviou ofício cobrando informações sobre o andamento das obras e recomendou que nada seja feito sem a devida autorização. A placa comercial com o nome da livraria deve ser retirada do local.

Maria Victoria Benevides, professora da Faculdade de Educação da USP, critica o apoio dado pelo novo reitor às relações entre a universidade e o meio privado. “O que me incomoda profundamente é a promiscuidade da universidade com o sistema bancário. A Faculdade de Direito tem ligações fortes com apoio agências bancárias e a USP virou um centro bancário por excelência”, ressalta.

Desafios

João Grandino Rodas terá pela frente a inédita situação de chegar à Reitoria da USP em tempos democráticos – no país – sem ter sido o mais votado. Por isso, precisará vencer a resistência de grupos do interior do estado, que garantiram as duas últimas administrações (Suely Vilela e Adolpho Melfi) e que esperavam a nomeação de Glaucius Oliva.

Nesta sexta-feira (13), Rodas deu o primeiro passo para a aproximação. Em entrevista publicada pela página do Estado na internet, o novo reitor afirmou que Oliva será convidado a integrar a gestão e só não participará se não quiser.

Sérgio Oliva, professor do Instituto de Matemática e Estatística, entende que outro fator é superar a resistência da esquerda uspiana, que considera Rodas muito conservador. Para ele, depois de tudo isso, a preocupação é dar foco à qualidade do ensino e da pesquisa, e não à quantidade. A atual reitora, Suely Vilela, é acusada de ter aprofundado demais as metas de produtividade dentro da faculdade.

Ela mesma, recentemente, foi vítima do produtivismo que incentivou. Como cada professor deve ter um grande número de artigos assinados por ano, Suely Vilela colocou o nome em um trabalho que está sendo investigado sob acusação de plágio.

Dentro da resistência a ser vencida, Rodas precisa convencer a comunidade a aceitar a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). O plano de educação a distância é tido como fundamental pelo governador para ampliar o número de formados. Dentro dos corredores da USP, a falta de debate sobre o tema e o modo como está sendo implementada a Univesp, vista como clara precarização do ensino, geram forte oposição.