Para urbanista, política de Kassab é ‘sórdida’ e Maluf ‘é bonzinho’ perto dele

Diretora do Movimento Defenda São Paulo vê cidade 'inviável' por política urbana da prefeitura

Gestão Kassab apoia “especulação imobiliária mais sórdida”, diz urbanista. (Foto: Fábio Capote/Folha Press)

São Paulo – A iniciativa da Prefeitura de São Paulo de colocar à venda 20 terrenos municipais, entre eles o Quarteirão da Cultura no Itaim Bibi, sede de oito equipamentos públicos na zona oeste da cidade, reflete o apoio do gestor público da cidade “à especulação imobiliária mais sórdida”, avalia a arquiteta e urbanista Lucila Lacreta, diretora do Movimento Defenda São Paulo. A medida foi aprovada na semana passada pela Câmara de Vereadores. “Ao invés de combater, o governo faz a especulação imobiliária. Há cidades do mundo que são boas porque combatem o esgotamento da terra, pela excessiva construção”, ensina.

Lucila analisa que a política de desenvolvimento urbano em andamento em São Paulo torna a cidade inviável, ao autorizar a desobediência da lei de zoneamento. “O resultado é a inviabilidade urbanística na cidade de São Paulo.” Quatro operações urbanas estão em andamento na capital e outras três estão em processo de consulta para contratação de projeto.

Segundo a urbanista, as operações autorizam construções além da capacidade das áreas, por meio da venda de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepac) pela própria Prefeitura. “O que nós estamos vendo é a perda total da perspectiva da coisa pública e do gerenciamento da coisa pública pela administração”, detecta. “O (ex-prefeito Paulo) Maluf ficou bonzinho perto do (atual prefeito, Gilberto) Kassa”, compara.

“A prefeitura está fomentando uma disputa  pela terra e agraciando o setor imobiliário com esse patrimônio “

Acompanhe a entrevista da urbanista à Rede Brasil Atual:

RBA – Qual sua avaliação da política de desenvolvimento urbano da capital paulista, com a venda de 20 terrenos públicos para a iniciativa privada? 
Lucila – É o desrespeito total não à população. As coisas estão acontecendo sem motivação. Estamos vendo é perda total da perspectiva da coisa pública e do gerenciamento da coisa pública pela administração. E com  isso, como expressou uma colega, o Maluf ficou bonzinho perto do Kassab, porque nem o Maluf ousava tanto. A Prefeitura está vendendo 20 terrenos que são importantíssimos para o futuro da cidade, que já  tem escassez de espaço disponível. São terrenos bem localizados em áreas de grande valorização imobiliária, a maioria em áreas de operações urbanas ou futuras operações urbanas, e serviriam para receber infraestrutura institucional como escolas, creches, postos de saúde, para aguentar o incremento de população que se pretende com essas operações urbanas. Daí o governo municipal vende essa reserva de terrenos para a especulação imobiliária mais sórdida. É o governo fazendo a especulação imobiliária, em vez de combatê-la.
Há cidades do mundo que são boas porque combatem o esgotamento da terra pela excessiva construção, para se ter uma cidade harmoniosa. Ao contrário, o que está acontecendo aqui é que o governo está fomentando uma disputa pela terra e agraciando o setor imobiliário com esse patrimônio que teria uma destinação certa, que seria dotar os usos institucionais e áreas verdes para se ter uma cidade equilibrada. E qual o motivo disso? Ganhar dinheiro para fazer creche? Não é verdade, porque no caso da quadra do Itaim Bibi tem uma creche que vai ser retirada e por outro lado houve um presente com recursos públicos para o setor particular construir o estádio do Corinthians. E as duzentas creches? E os terrenos públicos que estão sendo vendidos? É um rol de coisas que não tem justificativa. 

“A comunidade fica muito revoltada, porque fortunas são pagas para cada projeto e os projetos são de quinta categoria”

A população está sendo consultada sobre mudanças que impactam o futuro da cidade?
As pessoas não são consideradas. Tudo isso é um abuso por parte do poder público, porque poderia ser algo a que todo mundo poderia aderir, gostar de participar, trabalhar a favor. Bastaria conversar e fazer como no mundo inteiro se faz, pelo menos o mundo desenvolvido. É conversando com as pessoas, apresentando projeto, afinando até chegar a um denominador comum que se busca uma cidade melhor.
A questão do túnel da operação urbana Água Espraiada, que é uma operação de 2001, foi totalmente alterada em seu projeto para fazer uma via-parque, um parque, o túnel e o monotrilho. Sem que nenhum impacto dessas obras fosse realmente discutido e definido. O licenciamento do monotrilho foi condicionado ao cumprimento de 55 exigências. O licenciamento do túnel não existiu. Na realidade existe o licenciamento de um outro túnel com 3.600 metros mas que não é esse. Certamente esse túnel poderia ser feito em outro lugar, com menos impacto nas desapropriações. Então a questão social, do respeito às pessoas, também é responsabilidade da governança.

“As pessoas não são consideradas nesse processo de crescimento e renovação da cidade”, aborda a urbanista

Por que as comunidades não estão gostando de ver seus bairros remodelados?
Acontece o seguinte: quando são obras de grande impacto há obrigatoriedade de apresentação de Eia-rima, que é um estudo de impacto ambiental. As pessoas têm participado. Estão mais espertas. Muitas vezes têm até contratado técnicos especialistas para analisar esses estudos. Com isso, o que se nota são deficiências imensas de projeto, chegando ao cúmulo do túnel que ligaria a avenida Sena Madureira até a avenida Ricardo Jafet, passando pela Chácara Klabin, não caber no lugar em que ele foi proposto. A comunidade ali se reuniu, contratou consultores de trânsito, transporte, engenheiros e viram que aquele túnel é absolutamente inviável naquele local e ensejaria um monte de desapropriações.
A Prefeitura ignorou uma linha de transmissão da Eletropaulo, que não sabia do projeto. Existe um improviso enorme nesses projetos. Agora, têm de ser submetidos à audiência pública, as pessoas ficam sabendo o quão ruim eles são. Atualmente, com a obrigatoriedade de se publicar e se divulgar e fazer audiências públicas para obter o respectivo licenciamento ambiental, essa ineficácia, essa falta de qualificação de quem faz os projetos vem à tona. Então a comunidade fica muito revoltada, porque fortunas são pagas para projetos de quinta categoria. A população não é contra os projetos, mas contra o mau projeto.

Como é o processo de decisão sobre os projetos urbanísticos na cidade?
O resultado final já é imposto. O que existe é uma imposição de cima para baixo de obras que a prefeitura julga convenientes para ela e não para a cidade. O que ficou claro agora é que a prioridade na cidade não existe. É uma prioridade política e da gestão que está no poder naquele momento. Então todo esse processo nefasto de construir a cidade fica cada vez mais claro. Por isso as pessoas estão tão revoltadas.
O plano diretor criou o plano municipal de planejamento, onde haveria conselho de cidadãos em cada subprefeitura. Essa seria uma forma de discutir planos de bairro, por exemplo, e melhorias na região, mas isso nunca foi implantado.
No caso do viaduto da Avenida Sena Madureira até a Avenida Ricardo Jafet já existia um projeto anterior. Agora as pessoas vão mais atrás de informações e descobrem outro traçado e que há alternativas melhores. Só que essas alternativas não são incorporadas pelo poder público. Eles insistem no mau projeto, insistem em fazer aquela obra de qualquer jeito. 

“Quase todas as operações urbanas são em áreas de várzea. Onde não se deveria adensar estão propondo adensamento. Então o problema da macrodrenagem vai piorar”

A cidade tem várias operações urbanas em andamento: Centro, Faria Lima, Águas Espraiadas e Água Branca. Já estão em consulta pública para projeto as operações Lapa-Brás, Mooca-Vila Carioca e Rio Verde-Jacu. Qual a impacto dessas operações urbanas na cidade?
O zoneamento básico determina quanto cada pessoa ou empresa pode construir de acordo com a lei. Na operação urbana pode-se chegar no limite e desobedecer esse zoneamento básico. Esse é o problema da operação urbana: nunca se sabe o que vai acontecer ali. Quando tem o zoneamento na região, a gente sabe quantas vezes a área do terreno pode-se construir, onde se pode verticalizar e onde não pode. Na operação urbana é um ‘liberou geral’, não precisa atender recursos, ocupação, gabarito, pode-se construir quatro vezes a área do terreno, desobedecer índices urbanísticos mediante pagamento. A gente nunca sabe o que vai ser no  vizinho. Deveria haver um projeto final de operação urbana e não cada um vai fazendo o que quer, quando quer e pedindo autorização caso a caso. Chegamos num ponto em que a gente vai sucumbir mesmo. Nós não temos saída, para essa forma de gerar cidade. O resultado é a inviabilidade urbanística de São Paulo. Estão plantando isso.

São Paulo está se tornando uma cidade inviável?
Exatamente. O prefeito Kassab e os prefeitos anteriores, com essa história, estão gerando uma cidade inviável. Agora, pior ainda com essa megaoperação urbana que eles estão querendo fazer, que é diferente das operações urbanas do plano diretor. O perímetro é ainda maior, praticamente em toda área de várzea. Então vão se esgotar aquelas áreas absolutamente delicadas e sensíveis, hidrologicamente e geologicamente falando. Vão construir maciçamente ali. Inclusive vão colocar uma população imensa e pelo que a gente viu da operação urbana Água Branca até agora – porque essa operação está sendo reformulada – se pretende colocar um número enorme de pessoas lá e não estão prevendo uma escola sequer, hospital, creche;  e o que tem de área verde não é suficiente. A ONU determina 12 metros quadrados de área verde por pessoa e ali eles estão propondo 3,2 metros quadrados por pessoa de área verde. Não vai nem corrigir a distorção que a cidade já tem. 

Os governos municipal e estadual estão retirando parte da população do Jardim Pantanal porque estariam na várzea do Tietê. Agora a própria Prefeitura quer construir na várzea?
Vão construir na várzea como já ocorre na Água Branca, que é várzea. Na Faria Lima é várzea. Espraiada é várzea. Quase todas as operações urbanas são em áreas de várzea, justamente onde não se deveria adensar, eles estão propondo adensamento. Então o problema da macrodrenagem vai piorar, e muito.