Trabalho decente

Seguridade social é a gorjeta, afirma sindicalista do setor de entrega por aplicativos

Diretor de entidade das plataformas cita pesquisa afirmando que regulação deve preservar flexibilidade. Trabalhadores apontam falta de autonomia

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"É preciso escutar de fato os trabalhadores e não impor uma agenda"

São Paulo – Debate sobre regulação do trabalho por aplicativos, na tarde desta terça-feira (30), deu a dimensão das dificuldades que o governo terá para conseguir um acordo para o setor. Representantes das empresas e dos trabalhadores explicitaram suas divergências sobre a atividade. Mediador, o secretário nacional de Economia Popular e Solidária (Ministério do Trabalho e Emprego-MTE), Gilberto Carvalho, disse que o seminário, com duração de dois dias, foi convocado para aprofundar conhecimento sobre “essa situação nova que vivemos o Brasil e no mundo”. O evento, em Brasília, é organizado pelo MTE e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Diretor-executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), André Porto apresentou pesquisa (em parceria com o Cebrap) mostrando que 64% dos motoristas e 78% dos entregadores querem continuar trabalhando com aplicativos. De acordo com a entidade, que reúne empresas como Amazon, 99, iFood e Uber, o segmento reúne 1,27 milhão de motoristas e 386 mil entregadores no país. No primeiro caso, de acordo com a pesquisa, 37% usam o APP para complementar a renda – entre os entregadores, 48%. Parte deles tem trabalho formal.

Jornada e flexibilidade

“A flexibilidade de horários é o principal atrativo da atividade de APPs”, afirmou André Porto. “O tamanho da jornada tem alta variação.” Segundo ele, 75% preferem o modelo atual à CLT. Mas 89% aprovam um modelo com mais benefícios, desde que se mantenha a flexibilidade. A principal preocupação revelada no levantamento é ficar sem qualquer renda em caso de acidente. Quatro em cada 10 não contribuem para a Previdência.

Dados sobre jornada e rendimentos foram bastante contestados pelos representantes da categoria presentes ao evento. Segundo a pesquisa da Amobitec, motoristas fazem jornada de 22 a 31 horas por semana, com renda de R$ 2.925 a R$ 4.756. Entre os entregadores, de 13 a 17 horas e rendimento de R$ 1.980 a R$ 3.039.

Vínculo de emprego

“Pesquisa feita pelo patronal vai sair do jeito que o patronal quer. Quem tem que fazer a pesquisa é o governo”, reagiu o presidente do Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxista Intermunicipal do Estado de São Paulo (SindimotoSP), Gilberto Almeida dos Santos . “A gente vê todo dia trabalhador chegar no sindicato, foi desligado, vai na Justiça do Trabalho, não está pacificada a questão do vínculo (de emprego). “Nós não somos contra as empresas, só queremos um jogo justo, equilibrado. Seguridade social é a gorjeta da entrega. O celular é do trabalhador, a moto é do trabalhador. Mal o cara ganha pra comer, ele não tem grana para licenciar a moto.”

Para Gilberto, nem haveria necessidade de regulação, se as mesmas empresas agissem como em outros setores, como o de delivery. “No meu ponto de vista, não teria que ter regulamentação nenhuma. Era só simplesmente tratar as empresas como têm que ser tratadas. São empresas de transporte, de entrega de mercadorias. Então, qual é a diferença de uma empresa para outra?” Ele acrescentou que, durante a pandemia, essas empresas negavam álcool gel e máscaras para quem estava fazendo entrega nas ruas. “Que moral essas empresas têm?”

Ouvir e não impor

O presidente do Movimento Inovação Digital (MID, com 170 associados), Victor Magnani, destacou a presença de aproximadamente 900 startups de motoristas e entregadores, pequenas plataformas regionais com CNPJ. “O mundo inteiro está discutindo uma regulação, e não só nessa atividade. É preciso escutar de fato os trabalhadores e não impor uma agenda, considerar as especificidades brasileiras (sociais, econômicas).”

Último a falar na mesa da tarde, o presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (Amabr), também integrante da Aliança Nacional dos Entregadores de Aplicativos (Anea), Edgar Francisco da Silva, o Gringo, também foi o mais veemente. “Nós estamos vendo o sofrimento que passa na rua. A gente não tinha autonomia, tinha flexibilidade. É diferente uma coisa da outra. Eles (plataformas) que definem o preço, eles que são donos dos meios de produção. A gente só é dono da mão de obra e dos instrumentos de trabalho. Não é a gente que define essa parada. Na hora que a gente recusa uma corrida, acabou a liberdade. Se recusar demais, cortam o aplicativo, tá bloqueado, sem saber o que você fez e sem a chance de se defender”, afirmou Gringo, motofretista há 22 anos.

Segundo ele, as empresas de aplicativos foram reduzindo os valores a serem pagos aos trabalhadores, enquanto todos os itens aumentam: moto, multa, cesta básica, pneu, óleo. “Eles tratam a gente igual funcionário, mas não dão os direitos. Eles controlam os algoritmos, as regras dos preços e as nossas vidas.”

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