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Migrantes e refugiados são excluídos das ações do governo Bolsonaro contra a covid-19

Saúde de migrantes refugiados no Brasil é questão delicada de gestão pública em tempos “normais”, mas covid-19 torna o quadro dramático

Onu/Acnur
Onu/Acnur

São Paulo – “A pandemia é a demonstração trágica do quanto a política determina questões no âmbito da saúde pública”, resume o doutor do Programa de Saúde Global e Sustentabilidade da Faculdade de Saúde Pública da USP Jameson Martins. O cientista se debruça sobre os efeitos do descaso do poder público brasileiro com a covid-19, especialmente em relação aos refugiados migrantes.

A saúde das pessoas que são obrigadas a deixar suas casas e seus países – por crises econômicas, guerras, conflitos, catástrofes ambientais e outros motivos – e virem buscar outra vida no Brasil, sempre foi uma grave questão de gestão pública. Entretanto, com a pandemia de covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, a situação tende a se deteriorar radicalmente. “Além dos fatores individuais relacionados à idade, ao gênero, e ao estilo de vida, alguns aspectos referentes ao contexto social mais amplo interferem profundamente nas condições de saúde de migrantes. Geralmente, tornando-as mais suscetíveis a riscos de adoecimento”, afirma Jameson.

As aflições dos migrantes vão desde a dificuldade de acesso aos serviços de saúde e questões sanitárias à exaustão total. “A maioria dos migrantes, em que pese a heterogeneidade de suas trajetórias, enfrentam um conjunto de barreiras de toda ordem – jurídicas, econômicas e culturais – que prejudicam seu bem-estar físico e mental. No atual contexto da pandemia, esses riscos se exacerbam e os afligem desproporcionalmente, de modo que uma resposta efetiva aos efeitos da pandemia não pode prescindir de uma atenção particular às especificidades dessa população”, defende o especialista.

Cenário brasileiro

O professor é autor do artigo “Mobilidade Humana e Coronavírus: Migração e Pandemia – Omissões e oportunidades no combate à covid-19”. O trabalho foi publicado pelo Museu da Imigração de São Paulo, em uma série de textos sobre o tema. De portas fechadas em razão da pandemia, o museu organiza, a partir deste mês, uma série de palestras on-line. A programação terá debates sobre vários aspectos das migrações e seus impactos.

A reflexão de Jameson é um dos pontos de partida para três destes encontros virtuais – nos dias 4, 10 e 12 de setembro. “É possível vislumbrar um cenário desolador de mortes e destruição econômica no Brasil. Embora nenhum país do mundo tenha passado incólume pela pandemia, podemos afirmar que a extensão de seus impactos na saúde e nas condições gerais de vida da população é também resultado direto das decisões políticas que os governos têm tomado para mitigar esses efeitos; com mais ou menos compromisso em preservar a vida das pessoas”, critica.

No atual cenário da pandemia (com já 4 milhões de casos e mortos na casa dos 120 mil), o Brasil se destaca negativamente, por força da condução desastrosa do governo de Jair Bolsonaro na condução da crise sanitária. N

Incompetência

A ausência de comando federal durante a pandemia de covid-19 atinge, em especial, a população de refugiados no país, lamenta o especialista. “No Brasil, a primeira grande falha que podemos atribuir ao Estado é a ausência de informações detalhadas a respeito da situação da população de migrantes internacionais no país. A mera inclusão da informação de nacionalidade nos formulários de saúde, que alimentam as bases de dados do SUS, poderia já representar um avanço nessa direção, uma vez que permitiria indicar se cidadãos de outros países residentes no Brasil têm sido desproporcionalmente afetados pela doença e, por conseguinte, as causas dessa eventual disparidade, bem como as políticas necessárias para mitigá-la.”

Outra política que representou ainda mais exclusão dos migrantes e refugiados ante a covid-19 é a do auxílio emergencial. “A distribuição do auxílio para as faixas de renda mais baixas da população também apresentou falhas inadmissíveis. E elas seguem expondo a população como um todo a riscos desnecessários de contágio. Mas o calendário errático de liberação das parcelas, os incontáveis casos de atraso e erros nos canais virtuais, além da própria dificuldade em realizar o cadastro para obter o auxílio, que pressupunha a regularização do CPF do beneficiário, contribuíram para tornar o benefício inatingível para muitas pessoas, particularmente imigrantes.”