Corrupção

STF suspende efeitos de sessão que manteve mandato de deputado preso

Parlamentar do baixo clero, Natan Donadon integra família com histórico de denúncias e cresceu na Câmara levando emendas parlamentares a municípios de Rondônia

Zeca Ribeiro/Agência Câmara

Para ministro do STF, Donadon (foto) deve perder cargo porque pena é maior que duração do mandato

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu hoje (2) liminar suspendendo os efeitos da sessão da Câmara que na última quarta-feira (28) rejeitou a cassação do mandato do deputado Natan Donadon (PMDB-RO). A medida tomada pelo ministro Luis Roberto Barroso é válida até que o plenário da Corte analise o mandado de segurança impetrado pelo PSDB, que pede a anulação da votação.

Na semana passada, o plenário da Câmara, em votação secreta, absolveu Donadon no processo de cassação de mandato. Foram 233 votos a favor do parecer do relator, Sergio Sveiter (PSD-RJ) – faltaram 24 para atingir o mínimo necessário. Houve 131 votos contra e 41 abstenções.

O ministro atendeu a um pedido de liminar feito pelo líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Carlos Sampaio (SP). Na última quinta-feira (29), o parlamentar contestou o procedimento adotado pela Mesa Diretora da Câmara para a votação da cassação do mandato. De acordo com Sampaio, após a condenação de Donadon, o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), deveria ter encaminhado a cassação diretamente para que a Mesa Diretora declarasse a perda do mandato automaticamente.

Após analisar o documento, Barroso concordou com os argumentos apresentados pelo deputado e decidiu suspender a decisão da Câmara dos Deputados que manteve o mandato de Donadon até decisão final do plenário do STF. “A decisão política chancela a existência de um deputado presidiário, cumprindo pena de mais de 13 anos, em regime inicial fechado”, disse o ministro na decisão.

Na liminar, o ministro afirma que a Constituição prevê, como regra geral, que cabe a cada uma das Casas do Congresso Nacional, respectivamente, a decisão sobre a perda do mandato de deputado ou senador que sofrer condenação criminal transitada em julgado. “Esta regra geral, no entanto, não se aplica em caso de condenação em regime inicial fechado, por tempo superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar. Em tal situação, a perda do mandato se dá automaticamente, por força da impossibilidade jurídica e física de seu exercício.”

Para o ministro, a cassação do mandato de Donadon deveria ter sido aplicada de forma automática, pois o tempo da pena é maior que o período do mandato. “Vislumbro no pedido formulado, por considerar relevante e juridicamente plausível o fundamento de que, no caso em exame, a perda do mandato deveria decorrer automaticamente da condenação judicial, sendo o ato da Mesa da Câmara dos Deputados vinculado e declaratório. Assim entendo porque o período de pena a ser cumprido em regime fechado excede o prazo remanescente do mandato”, argumentou.

Agronegócio e “orfandade”

Natan Donadon é do município de Vilhena e tem reduto eleitoral no chamado Cone Sul de Rondônia, uma região que abrange a divisa com o Mato Grosso e a fronteira com a Bolívia. O deputado exerce seu segundo mandato e tem vida política fortemente atrelada à militância evangélica em Rondônia. Sempre foi considerado um grande “caçador” de recursos via emendas parlamentares para uma área da Amazônia colonizada a partir da década de 1970 e com forte presença de soja e pecuária

“Estamos órfãos. Donadon passou os últimos anos lutando por nossos municípios. A saída dele da Câmara foi uma perda enorme. Como muitos projetos para a cidade que esperamos ver contemplados no Orçamento da União para o próximo ano tinham como interlocutor principal o deputado, não sabemos como ficará a situação”, reclamou o prefeito de Pimenteiras do Oeste, João Miranda (PSDB).

Da mesma forma se manifestou o prefeito de Cerejeiras, Airton Gomes (PP). “Temos diversas emendas e agora vamos esperar o trabalho do deputado Amir Lando (que assumiu na vaga de Donadon), porque perdemos o principal apoio que tínhamos”, enfatizou.

Segundo a assessora parlamentar Célia Miranda, que acompanha emendas dos relatórios setoriais para a Comissão Mista de Orçamento, Natan Donadon tinha como estratégia visitar os municípios da sua área de abrangência no início do ano, para saber dos prefeitos quais as prioridades de cada administração, com o objetivo de trabalhar na Câmara dando ênfase aos projetos por eles delineados. “De um modo geral, acontece o contrário e os administradores é que costumam procurar os deputados e senadores”, ressaltou a especialista.

Foi esse trabalho de formiguinha que “ganhou” os líderes políticos e, em consequência, o eleitorado do Cone Sul de Rondônia. Em Cerejeiras, por exemplo, já foi destinado pelo Orçamento da União, nos últimos anos, aproximadamente R$ 1 milhão para a obra de construção de uma rodoviária que integrará os serviços rodoviários de toda a região. O montante equivale à metade do valor total do projeto.

No município de Chupinguaia, conforme contou o prefeito Vanderlei Palhari (PMDB), foi Donadon, também, o responsável pela apresentação de emendas para a construção de quatro projetos: o Centro do Idoso e Centro de Recuperação, no valor de R$ 200 mil; além de outros R$ 350 mil já aprovados no Orçamento deste ano para aquisição de tratores e implementos agrícolas para o município e mais R$ 600 mil para obras de pavimentação do asfalto.

“Donadon trabalha em Brasília por nós e quando chega no estado passa a acompanhar as obras para as quais colaborou. Esse tipo de atitude vinha sendo de extrema importância”,  disse o prefeito de Corumbiara, Deocleciano Filho.

De acordo com fontes do estado, o grupo que trabalhou na surdina, nos últimos dias, para evitar a cassação de Donadon foi capitaneado por três deputados também do baixo clero: Nilton Capixaba (PTB-RO), Marcos Rogério (PDT-RO) e Wellington Roberto (PR-PB).  Capixaba negou que tivesse votado, confirmou que ele e Donadon possuem atuação parlamentar em municípios bem próximos, elogiou o desprendimento do colega na atuação para o eleitorado, mas disse que votou pela cassação. Foi, no entanto, um dos parlamentares a buscar Donadon no camburão da polícia assim que chegou ao Congresso para participar da sessão.

Marcos Rogério não retornou os telefonemas da reportagem. Wellington Roberto, que é da Paraíba, falou em alto e bom som para quem quisesse ouvir no salão verde da Câmara, no dia seguinte à cassação, que tinha votado contra porque não concordava com uma cassação mediante fatos que teriam ocorrido antes da posse do parlamentar na Casa. “Não achei correto e votei contra, sim, e pronto”, ressaltou.

Enquanto o trio trabalhou de um lado, o irmão de Natan Donadon, Melkisedek Donadon, ex-prefeito de Vilhena, passou dias pedindo votos contrários nos gabinetes, sobretudo, à bancada evangélica – conseguiu que dez deputados evangélicos se abstivessem da votação.

Histórico de processos

A família Donadon tem um longo histórico de processos em Rondônia, principalmente os irmãos Natan, Marcos e Melkisedek (o Melki). No país das contradições que é o Brasil, além de Natan, Marcos Antônio, hoje deputado estadual, também foi preso anos atrás por envolvimento no mesmo esquema do irmão – que desviou mais de R$ 8,4 milhões da Assembleia Legislativa de Rondônia entre 1995 e 1999. Já Melki, o mais velho, ex-prefeito de Vilhena, foi outro detido pela Polícia Federal em 2007, acusado de “usurpação de função pública” quando ocupava o cargo de diretor-geral da prefeitura do município.

Natan Donadon ingressou na política como servidor público. Na eleição de 2002, recebeu votação suficiente para suplente na Câmara dos Deputados. Assumiu a vaga em 2005 e foi reeleito em 2006. Renunciou ao cargo em 2010, quando já era investigado, para evitar um eventual processo de cassação que o tornasse inelegível. A manobra deu certo e no mesmo ano voltou a ser eleito, para a atual legislatura seguinte da Câmara.