crimes de 8 de janeiro

STF explica julgamentos: ‘Se golpistas tivessem tido sucesso, não estaríamos aqui’

Em julgamentos de réus envolvidos no 8 de janeiro, ministros do Supremo insistiram na necessidade de ligar os elos e fatos golpistas que levaram o país à beira do golpe

Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Funcionários da Câmara avaliam a enorme destruição causada pelo ataque golpista a Brasília em 8 de janeiro

São Paulo – Nos votos que condenaram, nesta quinta-feira (14), os réus Aécio Lúcio Costa Pereira e Thiago de Assis Mathar a 17 e 14 anos de prisão, respectivamente, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) destacaram a necessidade de contextualizar todos os elementos do processo histórico que culminou no 8 de janeiro de 2023. Nesse esforço por ligar os elos, o ministro e relator Alexandre de Moraes explicou não ser à toa que o Código Penal estabelece um dos crimes em questão como “tentativa” de golpe de Estado.

O verbo “tentar” é colocado na lei porque se os golpistas “tivessem tido sucesso, não estaríamos aqui”, explicou Moraes. “São tantos absurdos que se ouvem que o básico precisa ser esclarecido”, acrescentou. O artigo 359-M do Código Penal prevê reclusão de 4 a 12 anos a quem “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.

Tanto Gilmar quanto Moraes insistiram que estratégia golpista era criar uma situação de caos para ter o pretexto de se decretar uma operação de garantia da lei e da ordem (GLO) com as Forças Armadas. Isso poderia ser o fim do governo Lula recém-eleito.

Ao contextualizar todo o processo que culminou no 8 de janeiro, o ministro Gilmar Mendes lembrou que a tentativa de instaurar o caos já vinha de antes. Como na “tentativa de explosão de um caminhão que levava gasolina para o aeroporto de Brasília!”, exclamou o magistrado. “Vejam os senhores. Não é um passeio no parque. Por muito menos já se classificaria isso como terrorismo. Imagine essa tentativa exitosa.”

O golpe e a conexão entre os fatos

Sem citar nomes, Gilmar falou dos episódios de tensão criados por Jair Bolsonaro nas datas de 7 de setembro de 2021 e 2022, de que se falou pouco, segundo ele, e o caos do dia 12 de dezembro, quando se incineraram ônibus e criminosos tentaram invadir a sede da Polícia Federal. “Tudo isso guarda uma conexão. Não são fatos isolados.”

“Também acho imprescindível a contextualização, como foi enfatizado desde o voto do relator (Alexandre de Moraes)”, disse Cármen Lúcia. Ela salientou que muito se perguntou sobre por que se acusa os réus de golpe de Estado, “se não havia tanques, se não havia baionetas”. “Bastaria ler alguns livros para saber que golpe de Estado não tem modelo único, não tem figurino”, respondeu a própria Cármen.

Segundo a magistrada, “o golpista, o ditador, a primeira coisa que faz é matar os juízes, rasgar a Constituição e se sentar no poder”. De acordo com ela, no livro O Grande Confronto, Raphaël Glucksmann “chega a citar esses patriotas que tentam implantar justamente as tiranias”.

Cármen destacou a coincidência de o primeiro réu a ser julgado se chamar Lúcio Costa, como o arquiteto que projetou Brasília. “O Brasil tem essas coincidências curiosas”, disse a ministra. “Um Lúcio Costa planejou a construção destes prédios, outro está sendo julgado por tentar destruir alguns deles.“

As redes sociais como armas

“O golpe significa destruir a fé do cidadão no governo que ele mesmo escolheu para que das ruínas do caos possa nascer o reinado da tirania. As redes sociais são usadas para isso, para (criar) este descrédito nos governos, para plantar o que vem na sequência”, continuou Cármen.

Gilmar Mendes lembrou que, na famosa reunião ministerial de 22 de abril de 2020, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, “nos chamava de vagabundos e dizia que deveríamos estar todos presos. Isso, uma reunião ministerial. Isso não está descontextualizado do que aconteceu no dia 8 de janeiro”, acrescentou.

Ao iniciar seu voto no julgamento que condenou Aécio Lúcio Costa Pereira, Cármen se dirigiu a Rosa Weber e disse: “Sra. presidente, bendita a democracia, que permite que alguém, mesmo nos odiando, pode, por garantia dos próprios juízes, dizer a eles sobre sua verdade. Numa ditadura isso não seria permitido.”

Foi uma resposta da ministra ao advogado de Aécio Pereira, o bolsonarista Sebastião Coelho da Silva, que, ao fazer a defesa de seu cliente, disse que os ministros do STF são “as pessoas mais odiadas desse país”.