Reconstrução pelo diálogo

É a ‘semana mais importante da história’, alerta Lula em ato no Tuca. ‘A onda está vindo’, diz Haddad

Ato no tradicional Tuca teve ativistas, artistas, líderes partidários e economistas liberais em defesa da democracia. Simone Tebet defendeu “nova arquitetura política” no Brasil. E Haddad falou em ação por virada em São Paulo

Ricardo Stuckert
Ricardo Stuckert
Público lotou o entorno do Tuca. Depois de falar no teatro, Lula se dirigiu à multidão do lado de fora para uma saudação

São Paulo – Com representantes de movimentos sociais, partidos, do meio artístico e também do sistema financeiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu sua fala no Teatro da Universidade Católica (Tuca) dizendo que esta é a semana “mais importante da história do Brasil” e que seu possível futuro governo, como o anterior, terá que ir além do PT. Lula falou na criação de um Ministério dos Povos Originários e também na recriação do Ministério da Indústria e Comércio. Um governo “sério” do ponto de vista fiscal, mas que também precisa pagar “dívidas” históricas – o que será feito por meio de políticas sociais. Além de restaurar e preservar a democracia.

Apresentado por Mônica Iozzi e Preta Ferreira, o ato na tradicional teatro da PUC, na zona oeste de São Paulo, nesta segunda (24) à noite, lotou o auditório e também encheu o entorno da universidade, durante aproximadamente quatro horas. Lula disse que o Brasil foi “destruído” no atual governo. O atual presidente, afirmou, “não gosta de cultura, de educação, de saúde, não gosta do povo, não gosta de trabalhador. é um mentiroso compulsivo”. Ao mesmo tempo em que defendeu o pagamento das várias dívidas históricas (com negros, mulheres, indígenas e pobres), prometeu responsabilidade fiscal e estabilidade “política, social e jurídica”.

País do retrocesso

Em meia hora de pronunciamento – ainda iria à sacada, às 22h20, para falar com a multidão do lado de fora –, Lula fez referência a quatro episódios ocorridos na semana passada. Da frase “pintou um clima” de Bolsonaro (“Um presidente da República confundiu uma menina venezuelana de 14 aos com um objeto sexual”), o ataque racista sofrido pelo cantor Seu Jorge em Porto Alegre, outro ataque da mesma natureza vivido pelo humorista Eddy Jr. em São Paulo e as ofensas dirigidas à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), pelo ex-deputado e aliado bolsonarista Roberto Jefferson, preso no domingo (23). “Eu jamais imaginei que a gente pudesse ter o retrocesso que estamos vivendo.”

Na economia, Lula voltou a citar o exemplo do salário mínimo para mostrar que é possível aumentar o poder aquisitivo da população sem que isso provoque inflação. “Já provamos que é possível fazer as coisas”, afirmou, acrescentando que tudo o que as pessoas querem é igualdade de oportunidades. O ex-presidente disse que a economia está pior do que em 2003, quando assumiu o governo, mas que está “com mais tesão do que em 2002” para fazer as coisas. E citou a proposta de recriação do Ministério da Indústria e Comércio.

“A gente vai fazer a coisa simples”, comentou. À frente da pasta, estará um “mascate”, com a seguinte missão: “Põe o Brasil debaixo do braço e vai visitar o mundo inteiro”.

lula e haddad no tuca
Haddad com Lula no Tuca: ‘Possibilidade de ver o Brasil e São Paulo remando para o mesmo lado certo da história’

Reconstrução do Brasil

O ex-presidente enfatizou a importância da eleição de Fernando Haddad (PT) para o governo de São Paulo, para ao estado de ter a “oportunidade” de tê-los trabalhando juntos. “Eu queria que durante esses cinco dias (que faltam para o segundo turno), a gente tivesse a mesma confiança que a gente teve a longo da jornada para resgatar os direitos políticos do Lula”, disse Haddad.

“Hoje ele está na frente e temos de consolidar a liderança dele para dar um banho no Bolsonaro. Mas se a gente fizer um esforçozinho a mais… No último Ipec estou a 5 pontos do Tarcísio. Cinco são 2,5, porque cada um que ele perde é um que a gente ganha. A onda está vindo. Vai rolar, depende da gente.”

“Temos cinco dias pra fazer história. Temos a obrigação de resistir”, dizia logo no início do ato o coordenador do grupo jurídico Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho. Nesse sentido, ele identifica Lula como “a única liderança capaz” de reconstruir e reunificar o país.

A senadora Simone Tebet usou praticamente as mesmas palavras. “Estou aqui porque amo a democracia, porque não abro mão da democracia”, afirmou a ex-candidata à Presidência pelo MDB, que chegou ao ato perto do final, vinda de Niterói (RJ). Ela falou na necessidade de uma “nova arquitetura política” no Brasil.

Do outro lado, acrescentou Simone Tebet, está “um presidente da República desumano, que não ama seu povo, autocrata”. Neste momento, enfatizou a senadora, o país vive uma luta “contra o retrocesso civilizatório”.

Democracia em risco

A participação de Simone Tebet na campanha foi enfatizada pela ex-ministra e deputada eleita Marina Silva (Rede), que ressaltou a “simbologia” do evento, por sua diversidade. “Enquanto o outro lado está com muita dor de cabeça, nós estamos em festa. Neste momento, eles estão colhendo a tempestade.”

Ela repetiu algumas vezes que a democracia “está em risco” no país. Destacou a importância da união entre petistas e lideranças históricas do PSDB. “Quem defende a democracia fica do lado da educação, dos trabalhadores, faz políticas públicas. O Brasil está vivendo um momento de reconciliação. Consigo mesmo, com os outros, com a democracia e por um futuro sustentável. Quem é empresário e quer ver o seu projeto de desenvolvimento prosperar, é na democracia. Tem fé e quer liberdade religiosa, é na democracia. Quem quer educação de qualidade, quem quer desenvolver sua arte, é na democracia.”

O ato teve também uma homenagem às vítimas da covid-19, com entrega de flores à representante da Avico, associação criada em 2021. A presença do ex-ministro de Direitos Humanos José Gregori (governo FHC), que acabou de completar 92 anos. E um clipe com a reedição do jingle Sem medo de ser feliz, lançado originalmente na campanha de 1989, com a presença de artistas como Chico César, Paulo Miklos, Lenine, Maria Rita, Zélia Duncan, Martinho da Vila, Mart’nália, Odair José, Francis e Olívia Hime, entre outros.

Lula também ganhou uma camisa de seu time do coração, o Corinthians, com a inscrição “Democracia Corinthiana” nas costas, posando ao lado do ex-jogador Walter Casagrande Jr.

“Bozo tem medo”

Do lado de dentro, auditório do Tuca lotou no ato que abriu a semana que antecede o segundo turno das eleições (Reprodução/YouTube)

Depois de informar que “virou” dois votos ao sair de casa pela manhã, o candidato a vice e ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) lembrou da invasão da PUC pelas forças da ditadura, em 1977, para afirmar que é preciso novamente defender a democracia. Destacou o reforço, no segundo turno, do “PDT do (Carlos) Lupi, do Ciro (Gomes), e do “Cidadania do Roberto Freire”.

“Todos juntos pra gente superar essa fase triste”, disse Alckmin. “Por isso que o Bozo tem tanto medo. Onde tem esperança e felicidade não tem ódio. E nós não queremos bolsonarista em São Paulo”, acrescentou.

Candidato do PT ao governo paulista, pediu na reta final a mesma confiança que marcou o período em que Lula esteve preso em Curitiba, resultado de uma “barbaridade jurídica”. Para ele, Jair Bolsonaro “é a expressão de tudo que aconteceu de ruim neste país em 500 anos”. Haddad afirmou ainda que o atual governo fez com que absurdos passassem a ser “naturalizados” com frequência. “As pessoas às vezes perdem a noção do quanto a gente já se rebaixou tendo essa figura grotesca na Presidência da República.”

Lula no Tuca
Do lado de fora do Tuca, na PUC-SP, manifestantes tomaram a rua, acompanhando o ato com Lula por um telão (Reprodução/YouTube)

“Desqualificado e obscurantista”

Representantes do chamado “mercado” também falaram no ato. Presidente do Banco Central no próprio governo Lula, o economista Henrique Meirelles afirmou que o Brasil está “completamente desmoralizado internacionalmente”. E Pérsio Arida, que costuma ser chamado de um dos “pais” do Plano Real, disse que já em 2018 chamava Bolsonaro de “desqualificado”, “obscurantista” e com “tentações autoritárias”.

“Muitos amigos meus, gente de bem, não acreditaram. Votaram no Bolsonaro. Hoje se arrependem. “O que está em jogo nessa eleição é muito mais do que economia. É o futuro do Brasil”.

Herdeira do banco Itaú, a socióloga Neca Setúbal subiu ao palco do Tuca para defender a candidatura Lula. “As pautas que eu defendi a minha vida toda são as pautas da educação para os jovens e crianças, o enfrentamento das desigualdades e a defesa do meio ambiente”. Assim, ela defendeu uma “grande concertação democrática”, para pensar em um país “que vai poder articular justiça social e desenvolvimento sustentável”.

Lula no Tuca
Renato Braz e Fabiana Cozza cantaram o Hino Nacional no ato com Lula e Haddad no Tuca (Foto: YouTube/Reprodução)

O professor Douglas Belchior, da Coalizão Negra por Direitos, citou o “tratamento diferente” dado a policiais no caso de Roberto Jefferson em relação a jovens negros da periferia. Citou o assassinato, em 2013, do estudante Douglas Rodrigues, autor da frase “Por que o sehor atirou em mim?”. “Tudo que Bolsonaro e Tarcisio (de Freitas, candidato ao governo paulista) odeiam é o que nos mantém vivos.” E apontou a possibilidade de retorno do conceito de “excludente de ilicitude” no sentido do aumento da violência do Estado. “Enquanto houver racismo, não haverá democracia”, afirmou.

Pelo direito de votar

A atriz Denise Fraga disse que este é um “momento crucial da história do nosso país”, que vive um “show de agressividade”, violência e absurdos diários. Segundo ela, eleger Lula agora significa garantir o direito de continuar votando. “Proteger algo que nos custou muito caro, que é a nossa democracia. Significa que essas lutas (feminista, dos povos da floresta, contra o racismo) vão continuar a dar passos.”

O grupo Francisco, El Hombre cantou Apesar de Você, de Chico Buarque. E os cantores Fabiana Cozza e Renato Braz interpretaram o Hino Nacional.

Reprodução/Facebook Lula
Lula no início do ato no Tuca: “A economia está pior agora do que em 2003, mas já provamos que é possível fazer as coisas” (Reprodução/YouTube)