Justiça

‘Não esqueceremos jamais o 8 de janeiro, dia da infâmia’, diz Rosa Weber ao reabrir trabalhos

Perto da aposentadoria, ministra reafirma compromisso com democracia e tem pautas polêmicas pela frente, como julgamento sobre descriminalização do porte de drogas para uso pessoal

Reprodução/STF
Reprodução/STF
"Reitero, mais uma vez, a defesa diuturna e intransigente da integridade do regime democrático e da jurisdição constitucional"

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou hoje (1º) os trabalhos para este segundo semestre. Será o último período com Rosa Weber na Presidência da Corte. Após este período, a ministra também se aposentará, abrindo mais uma vaga para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) indique um sucessor. Em seu discurso nesta tarde, Rosa lembrou que o STF está prestes a decidir sobre importantes matérias constitucionais.

Ela reiterou sua constante defesa da democracia durante seus 12 anos na Corte e destacou a relevância do período de sua gestão, um dos mais conturbados da democracia recente no Brasil. “As instituições democráticas brasileiras saíram fortalecidas do 8 de janeiro, o dia da infâmia, de que não esqueceremos jamais para que não mais se repita, e para que a democracia, que restou inabalada, seja cultivada e regada diariamente com o diálogo”, disse.

“Reitero, mais uma vez, a defesa diuturna e intransigente da integridade do regime democrático e da jurisdição constitucional que abracei como profissão de fé em minha carreira e adotei como norte desta gestão. Também reafirmo, forte na autoridade da Constituição, ao dogma da separação de poderes e à integridade dos direitos fundamentais para trazer a resiliência do Judiciário no cumprimento de sua função institucional”, afirmou ainda a ministra.

Julgamentos importantes marcam a retomada dos trabalhos do STF na terça-feira

Questão das drogas

Amanhã (2) o STF já inicia o julgamento sobre um dos temas mais relevantes do semestre: a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. Na prática, o Supremo decidirá, com efeito geral, a validade do artigo 28 da Lei de Drogas (11.343/06), que versa sobre “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal”. O tema tramita na Corte desde 2015. No mês passado, os ministros ouviram uma série de argumentos sobre o tema, incluindo o da Defensoria Pública de São Paulo, autora do recurso extraordinário em questão.

Existe um ânimo para a descriminalização destas condutas descritas. Os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso já se manifestaram favoravelmente. Contudo, o problema é mais sério do que parece. Na prática, a posse de drogas para consumo pessoal já é considerada, na doutrina jurídica, como despenalizada. Ou seja, não cabe, de forma alguma, a prisão, seja simples, detenção ou reclusão.

As penas previstas são todas alternativas, como deixa claro o ordenamento jurídico vigente:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Em caso de réu com maus antecedentes ou com reincidência específica, cabem as seguintes medidas alternativas de acordo com o § 6º do mesmo artigo:

I – admoestação verbal;

II – multa.

Problema mais embaixo

Então, se a questão já conta com as previsões de medidas alternativas, o que leva ao encarceramento em massa em razão da Lei de Drogas? O ponto é que não existe especificação sobre a quantidade considerada como uso pessoal. Então, movimentos sociais e jurídicos contra-hegemônicos, entendem que o porte já é, de certa forma, descriminalizado: para ricos. Enquanto a população que mais sofre com prisões em massa é a pobre e preta periférica, que é enquadrada, de forma mais corriqueira, no artigo 33, que é de tráfico. Este crime sim, muito mais severo, inclusive equiparado aos crimes hediondos, com penas altas de detenção, que vão de cinco a 15 anos de regime fechado.

Dito isso, até o momento, existe certa divergência entre os ministros. Em seu voto, o relator e decano da Corte, Gilmar Mendes, defendeu a descriminalização da posse de qualquer droga. A ideia é de que a conduta não representa risco à sociedade, apenas ao próprio usuário. Então, a autolesão não é punível no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, Fachin defendeu visão diferenciada. Para o ministro, apenas a maconha, por seu ínfimo potencial lesivo até mesmo ao usuário, deve ser permitida nesta modalidade.

Já Barroso acompanhou Fachin e acrescentou detalhes relevantes à matéria. O ministro sugeriu uma quantidade específica que configura posse e não tráfico. A medida possibilitaria deixar as condutas tipificadas de forma mais clara. A sugestão de Barroso foi para fixar uma quantidade de até 25 gramas ou o cultivo de até seis plantas para uso pessoal.