São Paulo

Vereadores aprovam projeto de Ricardo Nunes que retira recursos de habitação para tapar buraco de rua

Prefeito quer mudar regras para aplicação do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb). Oposição e especialistas contestam e apontam atropelo à revisão do Plano Diretor

Divulgação
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Parlamentares do PT e do Psol apontam que a prefeitura tem em caixa R$ 34 bilhões que poderiam ser empenhados para asfalto, sem impactar na produção de habitação social

São Paulo –A Câmara Municipal de São Paulo aprovou ontem (18), em primeiro turno, projeto de lei (PL) do prefeito Ricardo Nunes (MDB) que retira recursos reservados para habitação, transporte coletivo e mobilidade ativa para asfaltamento e recapeamento de vias na capital paulista.  Sob críticas da oposição e da Defensoria Pública, que pede a suspensão da tramitação do PL, o projeto foi aprovado com três votos a mais do mínimo necessário: 36 vereadores favoráveis e 14 contrários. Enviado em março, o texto do Executivo paulistano trata de mudanças nas regras para aplicação dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb). 

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A proposta altera os artigos 339 e 340 da Lei 16.050/2014, que estabeleceu o Plano Diretor Estratégico de São Paulo. E definiu que 30% dos recursos provenientes da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) – paga pelo mercado imobiliário para erguer prédios mais altos que o limite permitido – sejam obrigatoriamente destinados “para projetos e produção de Habitação de Interesse Social”. Além de outros 30% para a “implantação dos sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e de circulação de pedestres”. 

Mudanças nas prioridades

Com uma só “canetada”, Nunes quer mudar essas prioridades para incluir a pavimentação e recapeamento de vias. E ainda redirecionar os recursos não utilizados em até dois anos para outras áreas. Segundo a administração municipal, os valores remanescentes serão “direcionados pelo Conselho Gestor a destinação diversa dentre as previstas no artigo 339, independentemente do período de reserva”.

Antes de ir à segunda e decisiva votação, o PL 115 deverá passar por ao menos duas audiências públicas na Câmara. A expectativa da oposição na Casa é que ele seja barrada. Uma das críticas das bancadas do PT e do Psol é que, como as finalidades Fundurb foram definidas no Plano Diretor, em 2014, as mudanças em suas regras só poderiam ser feitas caso fossem incluídas nas discussões sobre a revisão do PDE, em vez de em separado, como está sendo feito.

Considerada a principal lei para o desenvolvimento da cidade, a revisão do plano diretor está em debate na Câmara também sob críticas. Uma vez que a base do prefeito espremeu em 53 audiências públicas o debate sobre a legislação vigente, na contramão do processo de participação social que ocorreu em 2014. 

Defensoria contesta

A forma como esse debate vem sendo feita também é contestada em ação civil pública da Defensoria. O órgão aponta vê ainda uma manobra “eleitoreira” por parte de Nunes, que  deve disputar a reeleição no ano que vem. O Núcleo Especializado de Habitação e Urbanismo diz que o texto do Executo “esvazia a política de promoção do direito à moradia adequada da população de baixa e média-baixa renda”, para “franquear o sequestro” dos recursos para “promoção de outros interesses, por vezes mais relacionados à população de média-alta e alta renda, como infraestrutura viária”.

Líder do governo na Câmara, o vereador Fabio Riva (PSDB) alegou na votação, contudo, que não serão retirados recursos previstos para a construção de moradias populares em detrimento da pavimentação e recapeamento. E o que percentual mínimo de investimentos será mantido. A base do prefeito também justificou que a medida beneficiaria a periferia que precisa de asfalto. O que foi contestado pelo vereador Toninho Vespoli (Psol). 

Contradições de Ricardo Nunes

De acordo com o parlamentar, a prefeitura tem hoje mais de R$ 34 bilhões em caixa e não precisaria do dinheiro da habitação e do transporte para asfaltar. “Se a resposta dessa desastrosa gestão for sim é um nítido sinal de que a periferia não é prioridade desta gestão. Lamentamos a cara de pau da base do governo! Iremos a justiça contra esse projeto. Nunes não pode usar o dinheiro da cidade como verba de campanha!”, afirmou em suas redes. 

A vereadora Luana Alves (Psol) ressaltou que o programa de recapeamento da capital paulista tem, atualmente, R$ 1 bilhão à disposição. “Ora, se tem R$ 1 bilhão previsto para recapeamento de rua, que ainda não foi completamente utilizado, por que se quer tirar do fundo de habitação social e melhoria urbana para fazer recape? Não faz sentido no nosso ponto de vista”, declarou na sessão desta terça. 

O prefeito Ricardo Nunes quer alterar as regras do Fundurb no momento em que a cidade mais arrecadou em Outorga Onerosa. Em 2022, o valor passou de R$ 1 bilhão pela primeira vez. Quase o dobro do arrecadado dois anos antes, de mais de R$ 548 milhões. As mudanças também ocorrem em meio ao aumento da população em situação de rua na cidade de São Paulo, estimada em 52 mil.