Custo do transporte

Governo Nunes planeja ‘aumento histórico’ na tarifa de ônibus de São Paulo

Prefeitura estuda aumentar tarifa para ao menos R$ 5,10 em janeiro, prejudicando passageiros mais pobres. Especialistas em mobilidade lembram que “a prefeitura criou um subsídio especial na pandemia que deveria impedir o aumento”

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Tarifa pode aumentar de R$ 4,40 para até R$ 5,10 a partir de janeiro. O valor, ainda indefinido, consta em um estudo da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte

São Paulo – A tarifa de ônibus de São Paulo pode aumentar de R$ 4,40 para, no mínimo, R$ 5,10 a partir de janeiro. Seria, nesse caso, uma alta de 15,9%, ou R$ 0,70 a mais no bolso da população. Um aumento que pode ser considerado histórico na tarifa de ônibus de São Paulo, embora a cidade registre percentuais de reajuste bem maiores. Desde 1994, ano do Plano Real, o maior reajuste nominal havia sido registrado entre 2010 e 2011, quando a tarifa foi de R$ 2,30 para R$ 2,70, aumento de 35%. O novo valor – ainda indefinido – consta em estudo da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte apresentado em reunião do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (CMTT) nesta quarta-feira (22). A secretaria justifica o aumento alegando se tratar da reposição inflacionária de 24 meses e prevista em contrato. 

Segundo dados preliminares, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-IBGE), a tarifa básica pode chegar a R$ 5,08. E até R$ 5,12 pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC-Fipe). Ainda falta a divulgação dos índices de dezembro. O IPCA, por exemplo, soma 10,74% neste ano (até novembro) e atingiu 4,52% em 2020. A secretaria afirmou que o estudo ainda será apresentado ao prefeito Ricardo Nunes (MDB), que ficará encarregado da decisão sobre o aumento final. Durante a reunião, a pasta também comentou a possibilidade de que o valor da passagem seja arredondado para R$ 5,10.

A superintendente de Receita e Remuneração da São Paulo Transporte (SPTrans), Andréa Compri, justificou o reajuste devido à queda no número de passageiros ao longo dos últimos dois anos de pandemia e aumentos dos custos. Dados da secretaria mostram que apesar da redução na frota de ônibus, de 8,9%, a diminuição no número de passageiros transportados diariamente foi mais expressiva, de 8.878.991, em 2019, para 5.190.577, em 2020, e até 5.154.313 neste ano, queda de 42% no uso do ônibus na capital em dois anos. Sem detalhar os custos, a SPTrans alegou que a manutenção do ar-condicionado nos veículos também aumenta os gastos. Assim como a alta no preço do diesel, de 63%, de abril de 2020 até outubro deste ano. 

Os custos

Andréa também pontuou que o custo das gratuidades têm impacto no sistema, apesar da redução do número de passageiros. Com base em estudos com usuários que voltaram a usar o transporte coletivo neste ano, a secretaria estima que 7.454.675 pessoas passem a usar os ônibus em 2022. E a tendência, segundo ela, é que os custos com a gratuidade aumentem, principalmente com o retorno das aulas presenciais. Atualmente, cerca de 25,7 milhões de passageiros têm esse direito, como idosos e pessoas portadoras de deficiência, além dos estudantes. 

Na reunião, contudo, a prefeitura não comentou sobre mudanças no valor do vale-transporte, atualmente em R$ 4,83. A secretaria disse ainda ter a expectativa de um acréscimo de R$ 600 milhões de receitas. O cálculo é que a cada 10 centavos de aumento na tarifa básica, a receita tarifária aumenta R$ 104 milhões nos primeiros 12 meses. “O valor fica alto, a gente entende. É por conta disso que, como tem sido noticiado, o prefeito de São Paulo está engajado em buscar novas formas de financiamento, principalmente com recursos federais para o pagamentos da gratuidade dos idosos, entre outros.” 

Críticas ao aumento

Entidades que representam a sociedade civil no conselho reagiram com críticas à falta de definição da proposta da secretaria de Transporte e Trânsito. De acordo com elas, a reunião, que foi convocada com menos de 24 horas, deveria apresentar todas as informações, o que não ocorreu segundo as partes. O pesquisador de Mobilidade Urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria, afirmou que a prefeitura de São Paulo criou um subsídio especial durante a pandemia de covid-19 “que deveria impedir o aumento das tarifas de ônibus”. 

O subsídio da tarifa de ônibus em São Paulo é o montante que o governo repassa às empresas para custear parte do serviço e que neste ano chegou a R$ 3,3 bilhões. Por causa disso, de acordo com o especialista, o aumento não se justifica. Ele cita como exemplo a prefeitura de Belo Horizonte, que custeia parte do transporte coletivo, e anunciou ontem (21) que a passagem de ônibus ficará mais barata. “No Idec estamos fazendo uma pesquisa sobre as cidades que deram subsídios. E a cidade de São Paulo é que mais dá, o que não é necessariamente ruim porque serve para integrações e teoricamente para reduzir a tarifa. (…) São mais de 20 cidades que reduziram a tarifa entendendo esse cenário grave de pandemia.”

Calabria também contestou o argumento de que o prefeito Ricardo Nunes está buscando alternativas de financiamento para a tarifa de ônibus em São Paulo. O chefe do Executivo municipal já anunciou no último dia 17 que será muito difícil aumentar o repasse para impedir o reajuste da tarifa de ônibus. E mesmo a ajuda federal não está presente no texto-base do orçamento para 2022, aprovado ontem pela Congresso Nacional. 

Leia mais: Prefeitos buscam auxílio do governo federal para evitar reajuste nas tarifas de ônibus

Mais pobres são penalizados

“A discussão do governo federal vem acontecendo desde abril do ano passado. Havia um projeto que destinava dinheiro e a prefeitura de São Paulo não se posicionou em nenhum momento. Em março teve o veto (ao projeto) e a cidade de São Paulo não se posicionou de novo. Agora, oito meses depois do veto, em dezembro, às vésperas do Congresso fechar, o prefeito vai ao Congresso. Ele só acordou há 15 dias e vem usando isso como argumento para justificar o aumento. Então muitos dos pontos que ele tenta falar não se justificam”, contestou o pesquisador do Idec.

Integrante do conselho, Mauro Calliari contestou a falta de transparência sobre o subsídios do próximo ano e se posicionou contra o aumento. “Emergencialmente o que a prefeitura deveria fazer é não piorar a situação de quem está desempregado. Não faz sentido essa proposta de aumento que não é uma proposta. Ela é uma colocação de alguns elementos que parecem conduzir para um aumento. Não devemos aumentar (a tarifa) em um ano de pandemia. Temos um orçamento que poderia ser usado para isso. Não devemos aceitar um aumento dessa maneira que está sendo colocado com pouca segurança do impacto que isso vai ter na prefeitura”, criticou.

Representante da população com deficiência no conselho, Sandra Ramalhoso contestou a falta de contrapartida em melhorias nos ônibus e alertou para exclusão dos mais pobres. “Vão aumentar mais a tarifa e vão nos prender em casa. E não falo só pelas pessoas com deficiência, mas qualquer pessoa que não poderá pagar mais caro pelo transporte.”