Despedida

Caravanas percorrem até 800 quilômetros para funeral de Campos

É grande a concentração de ônibus, vãs e jipes levando pessoas organizadas por políticos para a Praça da República, no centro do Recife; expectativa é de 150 mil pessoas até segunda

Fernando Fazão/Abr

Integrantes das caravanas portam bandeiras, camisetas de campanha, cartolinas com frases simples e muitas fotos

Recife – “Olhe moça, o sertão está vindo todo para cá. Todo mundo gostava desse menino”. A afirmação foi feita pelo comerciante Agripino Santos, da cidade de Serra Talhada, que comanda uma das várias caravanas recém chegadas ao centro do Recife para assistir ao funeral de Eduardo Campos. Nas três semi regiões pernambucanas –  zona da mata, agreste e sertão – prefeitos e grupos políticos dos 185 municípios do estado organizaram transporte para os moradores em percursos que, em muitos casos, chegam a até 800 quilômetros. Tudo para conduzi-los numa última homenagem ao “neto do velho Arraes.”

São vãs, ônibus, micro-ônibus, caminhonetes e jipes antigos, que chegam desde o início da manhã deste sábado (16). Outros se anteciparam e estão nas ruas desde a última sexta-feira (15). Eles ocupam a Praça da República, localizada em frente ao Palácio do Campo das Princesas, onde será o velório do ex-governador pernambucano e candidato à Presidência da República. Os veículos são estacionados nas ruas adjacentes.

Os integrantes das caravanas portam bandeiras, camisetas de campanha (várias com uma foto da campanha de Eduardo Campos ao governo de pernambuco em 2010), cartolinas com frases simples, escritas à mão, que trazem pedidos de paz para o ex-governador e muitas fotos, várias delas com Campos e o avô, Miguel Arraes, juntos, numa mostra de que a associação política entre ambos, ao contrário do que já se especulou, nunca ficou para trás no imaginário popular.

Segundo o oficial Sérgio Fernandes, da Polícia Militar de Pernambuco, são esperadas mais de 150 mil pessoas nas ruas do Recife até segunda-feira (18), número que foi aumentado nos últimos dias. Inicialmente, a PM tinha feito um cálculo baseada no velório de Miguel Arraes, em 2005, até então o maior já observado no estado e que levou 80 mil pessoas às ruas.

A avaliação considerava que, na despedida de Eduardo Campos, teriam de se preparar para receber perto de 100 mil pessoas. Com os acontecimentos dos últimos dias e a chegada de caravanas em número bem maior que o esperado, os preparativos, assim como o contingente de policiais, precisaram ser redimensionados.

Forte ligação

O prefeito de Salgueiro, Marcones Libório de Sá, que trouxe dois ônibus e duas vãs, num total de 100 pessoas, deixou os correligionários no centro da cidade e partiu para o bairro de Dois Irmãos com o intuito de cumprimentar a família do ex-governador. “Estamos muito chocados. Sempre trabalhamos junto com Eduardo Campos e nossa população tinha forte ligação com ele. Ninguém esquece da última vez em que ele esteve lá, poucas semanas atrás”, contou.

Um dos assuntos mais comentados nas rodas que aguardam a chegada do corpo de Campos é o que cada um estava fazendo no momento em que recebeu a notícia da morte. “Eu dei um grito tão grande com o susto, que pensaram que era a minha mãe quem tia morrido”, disse a estudante Aneide Fernandes, de Toritama, no agreste setentrional do estado.

“Estava trabalhando e, depois da notícia, todo mundo começou a chorar. Foi tão triste,que meu chefe concordou em fechar a loja. Ninguém tinha mais clima para trabalhar. Pouca gente ficou nas ruas naquele dia”, acrescentou Juliana Batista, balconista, moradora do município vizinho, Santa Cruz do Capibaribe.

Em comum, Juliana e Aneide levam porta-retratos com fotos onde aparecem ao lado do ex-governador e a mulher, Renata, em festas de santos padroeiros dos respectivos municípios.

‘Doutor Arraes’

“Já vim aqui, nesta mesma praça, muitas vezes, quando doutor Arraes era governador. A gente sempre que tinha problema e fazia uma manifestação que terminava aqui, não podia sair sem entrar no palácio. Ele fazia questão. Nos via, mandava chamar todo mundo naquele salão principal, mesmo que ficasse a sala espremida de gente. Olhava nos nossos olhos e perguntava: ‘o que vocês querem de mim?’. Sempre nos ajudava. Não é a toa que era chamado de pai Arraes”, lembra o trabalhador rural aposentado Benedito Silveira, de 75 anos, aos prantos.

Silva contou que foi plantador de cana na zona da mata por mais de 40 anos e que é conhecido o peso eleitoral de Arraes na região pela forte relação que tinha com os plantadores de cana desde o início da década de 60, quando criou a chamada “frente popular.”

“A gente tinha uma ligação histórica com ele. Arraes nos chamava, a gente vinha. Quando nós é que precisávamos e vínhamos, ele nos mandava entrar. Não podíamos deixar de vir aqui agora para nos despedir do neto. Foi horrível isso. Ainda bem que doutor Arraes não estava vivo para ver”, salientou.

Abraço coletivo

Do outro lado da cidade, no bairro de Dois Irmãos, no início da tarde, aproximadamente 200 pessoas deram um abraço coletivo ao redor da casa de Eduardo Campos e depois entraram no local para cumprimentar a ex-primeira dama e filhos. Vestidos de branco, eles fizeram uma oração e cantaram a musica Noites Traiçoeiras, do padre Marcelo Rossi. Conforme explicaram, o motivo é que o ex-governador sabia de cor a letra e gostava de entoá-la sempre que era tocada em alguma missa à qual comparecia.

Várias flores são depositadas, também, em frente ao portão principal do Palácio do Campo das Princesas, ao lado de cartas e recados para a família de Eduardo Campos. Além disso, em toda a cidade, a movimentação gira em torno do funeral.

“Recife, hoje, é uma capital triste. Todo mundo morreu um pouco com essa tragédia. Até mesmo quem não votava em Eduardo. Foi uma coisa que abalou profundamente os pernambucanos”, explica Clemente Andrade, motorista de taxi.

“Nós já tivemos, na década de 80, a morte do ministro Marcos Freire. Pernambuco não merecia mais isso”, completou, lembrando o caso do ex-ministro da Reforma Agrária, Marcos Freire, também falecido num acidente de avião de forma que chocou a população do estado.

Em comunicado feito aos militantes por meio de redes sociais, o PSB os conclamou a prestarem homenagens ao ex-governador, colocando bandeiras ou um lençol branco nas janelas e nos carros, como símbolo de paz, durante o funeral.

São esperados políticos e personalidades de todo o país no velório e enterro de Campos, inclusive a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ex-ministra Marina Silva já está no Recife.

Estrutura

A capital de Pernambuco é, hoje, uma cidade diferente por conta do funeral do ex-governador Eduardo Campos. Várias ruas do centro estão interditadas, grandiosa estrutura para a realização da missa campal está montada e equipes de mídia de todo o país se organizam em locais estratégicos para cobrir os últimos detalhes do velório e enterro do presidenciável.

Os corpos de Campos e dos assessores que o acompanhavam saíram de São Paulo e têm previsão de chegar no aeroporto internacional Gilberto Freyre, por volta das 22h. De lá, o caixão segue em carro aberto por avenidas principais, de forma a passar por 16 bairros onde estão localizadas comunidades mais populares, no atendimento a um pedido da esposa, Renata, para que os moradores destes locais que não puderem se locomover até o centro tenham condições de acompanhar o cortejo e fazer a última homenagem.

Nas calçadas

Várias pessoas já afirmaram que se organizam para aguardar a passagem do veículo das calçadas e ambulantes se posicionam em locais estratégicos. A previsão é que os corpos cheguem, de fato, ao Palácio do Campo das Princesas, após a meia noite, para ser iniciado o velório, em caráter reservado, apenas com a participação da família, amigos e políticos.

A partir das 10h do domingo, o velório será aberto ao público com a realização da missa campal. E prosseguirá até as 16h, quando o féretro será levado até o cemitério de Santo Amaro.

Por isso, aguarda-se para o início desta madrugada a presença, no palácio, de muitas personalidades nacionais que confirmaram a ida ao funeral, como forma de participar das cerimônias mais íntimas a serem realizadas pela família (e que incluem uma missa fechada e alguns pronunciamentos a serem feitos apenas neste período).

“Esta noite, ninguém está preparado para dormir. Há dois dias, estamos esperando e ansiosos com essa chegada”, ressaltou a doméstica Marlene Amorim, ao comentar sobre o percurso e dizer que reservou duas cadeiras dobráveis para aguardar o carro com o corpo de Campos, da calçada da avenida Norte, local mais próximo da casa onde mora.