Cenário

Clima de culto e manifestações políticas marcam funeral de Campos

Ritual quase messiânico a ex-governador e campanhas políticas, em meio a vaias e aplausos, mostram que a eleição presidencial esquentou

Fernando Frazão/Abr

Cenário mistura política, tristeza popular, choque com a tragédia e comprova que a eleição presidencial começou para valer no Brasil de 2014

Recife  –  As pessoas que compareceram neste domingo (17) à Praça da República, no centro do Recife, com o intuito de homenagear Eduardo Campos, presenciaram e contribuíram, de uma única vez, para duas manifestações diferentes. Por um lado, se uniram num adeus a um personagem que passou a ser cultuado de forma quase messiânica, nos últimos dias, numa comoção. Por outro, passaram a ser atores da primeira grande manifestação política pública após o acidente que mudou os rumos da eleição presidencial do país, na última quarta-feira (13).

Ao longo do dia, um rompante de emoções aflorou desde a fila de populares que aguardava para ver o caixão aos grupos aglomerados em frente ao Palácio dos Campos das Princesas.

Nesse mosaico, foi possível ver de tudo: apresentações de maracatus e blocos como o Flor da Lira (tradicionais na cultura do estado), entoando ritmos e músicas fúnebres para o ex-governador, manifestações de camponeses, tons agressivos contra antigos adversários de Eduardo, vaias, aplausos, pedidos de foto ao lado de políticos, mãos clamando por justiça (numa alusão a versões conspiratórias espalhadas nas redes sociais de que o acidente pode ter sido um atentado), muito choro e pessoas passando mal.

Houve, ainda, quem foi só para olhar, quem queria apenas ser visto e, até mesmo, pessoas muito críticas ao modelo de fazer política do ex-governador, mas que fizeram questão de comparecer ao funeral.

“Devemos muito a ele. Não podemos deixar Pernambuco ser esquecido por esses políticos que pouco fizeram por nós. Quem voltou a fazer do estado uma voz em todo o país foi o Eduardo”, disse o servidor público Adauto Guimarães, que foi até o local ao lado da mulher e precisou ser socorrido no início da missa por aumento da pressão arterial.

“Tenho uma saudade ao contrário. Saudade do que iria ser nosso futuro. É esse o sentimento de quase todo mundo por aqui, pode perguntar. A gente achava que um dia iria vê-lo presidente, se não agora, nos próximos quatro anos”, afirmou a microempresária Andrea Vasconcelos, que levou flores para depositar na porta do palácio e já estava há mais de duas horas na fila para cumprimentar a família e ver o caixão.

‘Príncipe de Arraes’

“É até chato dizer num momento como esse, mas eu sei que ele não era perfeito. Alguns amigos diziam que era perseguidor, muitas vezes, arrogante. Não gostava de ser contrariado. Era o príncipe do velho Arraes e isso incomodou muita gente, mas parece que o povo gosta mesmo é de cachorro que morde, inclusive eu. Não iria votar nele não, mas morri de pena por tudo o que aconteceu. Antes de mais nada, se trata de um pernambucano, um pai de família e, temos que admitir, era um líder nato”, acentuou o taxista Antonio Lopes.

“Votei nele para governador, mas agora iria votar na Dilma. Estava até com raiva porque ele rompeu com o governo, mas me senti na obrigação de vir até aqui dar meu apoio”, contou o mecânico Otaviano Teixeira.

As reações de admiração ao cenário com tantas personalidades conhecidas também surgiram. “Que legal poder encontrar todas estas pessoas que a gente só vê na televisão por aqui!”, exclamou a estudante Marcela Alcântara, que pediu para tirar uma foto com o deputado Roberto Freire (PPS-SP) e, depois, abordou a deputada Luiza Erundina (PSB-SP).

Junto com os colegas, ela integrava um grupo deslumbrado com o fato de, diante da multidão, vários deputados e senadores circularem no meio da praça para deixar os demais políticos ocuparem o pequeno espaço montado para cumprimentos aos familiares de Campos e dos assessores também falecidos.

“Vou votar no Aécio Neves. Será que ele desce de lá e vem por aqui também, antes de ir embora? Adoraria uma foto com ele”, perguntou a estudante de Comunicação Mariana Siqueira, fazendo várias “selfies” pelo celular, com as amigas. “Esse momento é histórico, né? A gente tem de registrar mesmo”, frisou.

Gesto dos filhos

O momento que praticamente deflagrou as manifestações foi o cortejo do caixão do governador em carro aberto pelas ruas do Recife, durante a madrugada. Os três filhos mais velhos, Eduarda, João e Pedro seguiram sentados ao lado do corpo do pai, levantando os braços para as pessoas que aplaudiam. Eles vestiam camisetas amarelas, cor da campanha presidencial de Eduardo, com os dizeres “não vamos desistir do Brasil”, frase dita pelo ex-governador na TV, um dia antes da morte. Nas ruas, muitos dos que acompanharam o cortejo, ao verem a cena, começaram a gritar por “justiça.”

“Não gostei, achei isso muito grave. Os filhos dele (Eduardo Campos) devem ter sido orientados pela cúpula do PSB. Não deveriam ter feito isso. Só posso achar que estão tão movidos pela tragédia que se deixaram levar. Não se pode fazer marketing de tudo nessa vida”, comentou o professor aposentado Fernando Santos, que assistiu à cena pela televisão, horas antes de seguir para a fila do velório.

Vaias e aplausos

Quando o féretro foi conduzido ao palácio e durante várias ocasiões, inclusive na chegada do ex-presidente Lula ao local, parte da pessoas ecoou várias vezes o grito “Eduardo, guerreiro do povo Brasileiro”, numa espécie de ironia ao PT. A manifestação chamou a atenção da militância petista, forte na capital pernambucana, que reagiu de forma diplomática a cada vez que provocada e devolveu com muitas palmas.

Lula, que chorou muito e manteve contato carinhoso com os filhos e a esposa de Eduardo Campos, inclusive chegando a colocar o pequeno Miguel (filho caçula do casal) no braço, foi poupado.

Já a presidenta Dilma Rousseff, assim que foi vista, recebeu reação agressiva por parte de alguns parlamentares. Dilma demonstrou constrangimento (ou aborrecimento) e fechou o semblante. No final da missa, saiu ao lado de Lula sem dar entrevistas.

As agressões foram repelidas de imediato pela família do ex-governador, que começou a aplaudir a presidenta, numa demonstração de apoio aos militantes do PT. Para quem estava em frente ao palácio, o que se observava era que, em poucos instantes, os aplausos eram maiores e calavam os que se manifestavam de forma contrária. Contudo, a rotina de vaias e aplausos foi constante até o final da missa campal.

“Ela não tinha que estar aqui. Não tinha motivo. Todo mundo sabe que Dilma não queria nem chegar perto do Eduardo. Isso é uma hipocrisia”, declarou o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), em tom acalorado.

Também não deixaram de ser feitos ataques à postura da candidata a vice pelo PSB, Marina Silva, que deverá substituir Eduardo Campos na chapa. A ex-ministra do Meio Ambiente chegou a Recife no sábado (16), passou várias horas com a família e seguiu para o velório, onde ficou por horas. Depois, se dirigiu para um breve descanso no hotel e retornou para a missa. Para muitos pernambucanos, foi vista como uma candidata que estava tentando “tirar proveito” do momento político.

“É um absurdo. Se ela não viesse, iriam reclamar. Como prestigia a família dessa forma, afirmam que está aqui tempo demais. Como pode isso?”, reclamou o analista legislativo Paulo Cesse, diante de frases de populares repudiando a candidata e a mandando “voltar para casa.”

‘Bujão de gás’

“A sensação que estou tendo, em termos políticos, é que esse velório é um bujão de gás prestes a estourar. Se eu fosse Lula, Dilma, Aécio, Marina e muitos outros políticos que estão por aqui, tratava de cumprimentar quem tivesse de cumprimentar e ia embora rapidinho. Está todo mundo tão emocionado que está perdendo a razão e o bom senso”, acrescentou Paulo Cesse, advogado há anos da Assembléia Legislativa de Pernambuco e acostumado a conviver com o cenário político.

O tom solene, emocionado e, ao mesmo tempo confuso, foi observado até mesmo das margens do rio Capibaribe, onde vários barcos, desde  jangadas mais humildes a iates dos detentores do Produto Interno Bruto (PIB) do estado, ficaram posicionados. Tudo para aguardar a passagem do féretro pelas pontes que cortam um dos bairros mais antigos e famosos da cidade até o local do cemitério, no final do dia.

No percurso, já se aglomeram pessoas que preferiram evitar o burburinho da frente. Os que portam bandeiras, camisetas do PT, camisetas amarelas da campanha de Eduardo e bandeiras do PSB, se misturam aos demais grupos que, por sua vez, levam bandeiras do estado, banners com fotos pessoais do ex-governador e roupas pretas para expressar, simplesmente, o luto pela perda do neto de Miguel Arraes.

Num cenário que mistura política, tristeza popular, choque com uma tragédia que marcou o país e, principalmente, comprova que a eleição presidencial – com todos os acontecimentos inesperados – começou para valer no Brasil de 2014.