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PL de privatização da Sabesp autoriza venda, mas Tarcísio ainda dependerá de aprovação dos municípios

Aprovado pelos deputados estaduais sob ação violenta da PM, o projeto de privatização de uma das maiores companhias de saneamento do mundo só poderá ser viabilizado após aval das Câmaras Municipais. Servidores prometem nova luta junto aos vereadores e na Justiça

Karla Boughoff
Karla Boughoff
"Se São Paulo não aceitar, ou Guarulhos não aceitar, Franca, São José, ninguém vai querer comprar a Sabesp. Porque são as cidades que dão lucro", explica diretor do Sintaema

São Paulo – A aprovação da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), na noite desta quarta-feira (6), ao Projeto de Lei (PL) 1.501, que permite a privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), autoriza o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) a seguir com o planos de venda da estatal, mas a gestão estadual ainda terá que garantir aval das Câmaras Municipais e cumprir reuniões e audiências públicas até que a oferta pública de ações na Bolsa de Valores seja realizada.

O processo significa que nada muda de imediato com a aprovação do PL, que terá de percorrer ainda outras etapas, previstas para os próximos meses. Isto considerando que não haja intercorrências por conta das ações judicializadas pela oposição na Assembleia, questionando a proposta, o rito e o método de votação.

Em apenas 50 dias depois do envio do projeto pelo Executivo, sob protesto e com o Plenário esvaziado por ação violenta da Polícia Militar contra manifestantes, a base aliada do governo aprovou a privatização. Foram 62 votos e apenas um contrário ao projeto que desestatiza uma das maiores companhias de saneamento do mundo, na contramão de processos globais de reestatizações. A bancada de oposição se ausentou, contestando a truculência da PM e a votação por maioria simples, que garantia a aprovação com 48 votos, metade mais um da Casa, que tem 94 deputados.

Decisão na Câmara de São Paulo

Ações dos deputados estaduais Emídio de Souza (PT) e Guilherme Cortez (Psol) também questionam a remessa por Tarcísio de um projeto de lei em vez de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que exige mais votos (57, três quintos do total). Por enquanto, três tentativas não prosperaram no Tribunal de Justiça de São Paulo, mas o caso pode parar no Supremo Tribunal Federal (STF).

De toda forma, para ser viabilizada, a privatização da Sabesp terá de passar obrigatoriamente pelo aval dos vereadores de São Paulo. De acordo com a lei municipal 14.934 de 2019, que autoriza a prefeitura de São Paulo a celebrar convênios com a Sabesp, está previsto o fim do contrato em caso de privatização. Nesse caso, a legislação estabelece que o Município possa assumir o serviço de água e esgoto na cidade.

O caso é emblemático para os planos de Tarcísio, uma vez que a capital paulista representa mais de 40% do faturamento da companhia e a aprovação à privatização não é dada como certa. Sem a fatia de São Paulo, a avaliação é que a venda da Sabesp perde fôlego, de acordo com o diretor de imprensa do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas Estaduais de Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sintaema), Anderson Guahy.

Pressão dos trabalhadores

A situação é parecida em outros 14 municípios também lucrativos como Guarulhos, Franca, São José dos Campos, Santo André, por exemplo. Além disso, o governo também precisará se reunir com os demais 360 municípios atendidos pela companhia para verificar a situação de cada contrato. A etapa prevê consultas e audiências públicas. Tarcísio já afirmou seus planos para renegociar novos acordos com validade até 2060 por meio das Unidades Regionais de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário (Uraes).

No entanto, o republicano também deve encontrar resistência. Ao menos 28 prefeitos e 61 Câmaras Municipais já se manifestaram contra a privatização da Sabesp. É o que mostra um levantamento do Sintaema, com base em uma moção ratificada pelas Casas e prefeituras, onde os trabalhadores também prometem lutar contra a venda do serviço público essencial.

“Esse bloco em que foram criadas as Uraes, seguindo o marco regulatório do saneamento que foi alterado no governo (de Jair) Bolsonaro, ainda necessita de uma negociação com os municípios. E é aí que nós do Sintaema vamos atuar fortemente, para garantir que os municípios não aceitem essa migração para uma Sabesp privada. Ou para pressão nas Câmaras de Vereadores, para que os vereadores não aceitem, principalmente nos municípios lucrativos”, explica Guahy à RBA.

O que está em jogo com a Sabesp

“Se São Paulo não aceitar, ou Guarulhos não aceitar, Franca, São José, ninguém vai querer comprar a Sabesp. Porque são as cidades que dão lucro. E ninguém (empresas) vai querer comprar só os municípios que não dão lucro. Eles querem o que chamamos de ‘filet mignon do saneamento’, que são municípios que têm lucro garantido todo o ano”, acrescenta o diretor. O governador ainda pode recorrer a um leilão, mas a avaliação dos trabalhadores é que a concorrência também fica prejudicada sem essas grandes cidades.

No caso da capital paulista, o tema já está em debate no Legislativo e passa por audiência pública nesta quinta (7). No final do mês passado, ao aprovar em primeira votação o orçamento da cidade para 2024, o presidente da Câmara, vereador Milton Leite (União Brasil), orientou a inclusão de rubrica com dotação para que o município possa criar uma empresa de saneamento para a cidade, caso seja necessário. A medida é prevista em lei, mas varia de cidade para cidade, de acordo com o Sintaema.

Segundo a entidade, em nem todos os contratos da Sabesp está previsto o rompimento e a necessidade de renegociação em caso de transferência do controle acionário. Ou seja, da mudança para o setor privado. Em agosto, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), assinou na surdina a Uraes que, na prática, facilita a privatização do abastecimento da capital. No entanto, há uma disputa interna ligada às eleições, no próximo ano, entre o presidente da Câmara e o prefeito, em que Milton leite busca a negociação da pauta, apesar de ser parte da base governista.

A cara do governo

A avaliação é que o projeto é impopular e, de acordo com Guahy, compromete investimentos na cidade, que podem ficar a mercê do governo de ocasião.

“No período eleitoral do ano que vem temos a chance da prefeitura de São Paulo realmente se colocar contra todo o processo de privatização. É por isso que o Tarcísio tem tanta pressa. Porque se chegar junho do ano que vem, ele não pode montar o leilão. Não montando o leilão, ele vai ter que torcer para o Nunes ganhar a reeleição. Porque se ele perder, não tem leilão e privatização em São Paulo. Esse é um projeto muito impopular. Por isso que ele (governador) não quer puxar um plebiscito oficial, que é uma reivindicação nossa, para ver se a população paulista concorda com isso. Ele sabe que se chegar perto do período eleitoral vai ser difícil as prefeituras assinarem e esse é o medo dele. Ele quer acabar com isso no máximo em março, porque senão ele perde força nos municípios”, comenta.

O Executivo estadual ainda precisa indicar o percentual que abrirá mão de sua participação e qual será o valor arrecadado, pontos não previstos no projeto de lei, nem sequer no estudo elaborado pela Internacional Finance Corporation (IFC), ligada ao Banco Mundial. O que também é questionado pelos trabalhadores da Sabesp.

“Isso mostra que esse governador forasteiro, que não conhece o estado de São Paulo inteiro, foi eleito aqui mas ainda não tocou nenhum projeto que beneficia a população, tem uma obsessão em privatizar a Sabesp. Além de truculento, ele não respeita e não dialoga com a população. Não dialogou com os representantes dos trabalhadores em nenhum momento. Fizemos duas greves, ele chamou apenas uma vez, na a segunda greve, e para ameaçar, praticar assédio moral contra nós e dizer que íamos ser demitidos se paralisássemos de novo. Então é um governo sem diálogo, truculento e com fortes tendências ao militarismo e ao fascismo. E é assim que ele quer aprovar os projetos dele”, lamenta o diretor do Sintaema.