Parlamento contra o povo

Com protesto e galeria esvaziada, Assembleia aprova privatização da Sabesp. Oposição vai ao Judiciário

Público protestou e PM esvaziou com violência as galerias na Assembleia. Projeto foi aprovado com 62 votos, ante 48 necessários

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Policiais reprimem manifestantes. Votação do projeto que privatiza a Sabesp só foi retomada após galeria ser esvaziada

São Paulo – Apenas 50 dias depois do envio pelo Executivo, sob protestos e com a galeria esvaziada pela Polícia Militar, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou na noite desta quarta-feira (6) o Projeto de Lei (PL) 1.501, que permite a desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado (Sabesp). Foram 62 votos a favor da proposta do governo estadual, com apenas um contrário. A bancada de oposição se ausentou. Era necessária maioria simples: 48 votos, metade mais um da Casa, que tem 94 deputados. Esse é um dos fatores que serão contestados pela oposição.

Depois do parlamento, o caminho deve ser o da “judicialização” do assunto. A oposição questiona, por exemplo, a remessa pelo governo de um projeto de lei em vez de uma proposta de emenda à Constituição, que exige mais votos (57, três quintos do total). Por enquanto, três tentativas não prosperaram no Tribunal de Justiça de São Paulo, mas o caso deve parar no Supremo Tribunal Federal.

Protesto na galeria

O debate, como se esperava, foi acalorado, como ontem, quando chegou a haver empurra-empurra no plenário. Dessa forma, logo na abertura da sessão de hoje, às 17h30, o presidente da Assembleia, André do Prado (PL), fez um apelo: “Que nós possamos hoje manter a tranquilidade, respeito uns aos outros. Não temos hoje microfone de aparte para discussão, só encaminhamento”. Além disso, pediu “compreensão” ao público na galeria, que gritava “Plebiscito agora, plebiscito já”. A oposição defende um plebiscito oficial sobre a privatização. 

Às 18h30, os ânimos voltaram a se exaltar, com manifestantes forçando o vidro que os separa do plenário. Prado pediu reforço do policiamento, enquanto parlamentares da direita pediam prisão e esvaziamento das galerias. Dez minutos depois, o presidente da Assembleia determinou que a PM esvaziasse o local. Policiais usaram spray de pimenta e cassetetes, para reprimir o público. A TV Alesp interrompeu a transmissão.

“É um escândalo”

A galeria foi, então, totalmente esvaziada. A confusão se espalhou pelos corredores. O protesto passou para o lado de fora da Assembleia. Coordenador da frente parlamentar contrária à privatização, o deputado Emídio de Souza (PT) disse que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) faz de tudo para garantir a entrega da Sabesp ao capital privado. “É um escândalo, é vergonhoso o que está fazendo, e usa toda a força policial pra isso.” A sessão só foi reaberta às 19h50, mas logo depois voltou a ser interrompida, para ser retomada às 20h15. Alguns deputados ainda falavam com dificuldade, devido ao gás, ou usavam máscaras.

Tarifa mais cara e cheque em branco

“A Sabesp é financeiramente saudável”, afirmou a deputada Marcia Lia (PT) ainda no início da sessão, antes da interrupção, para reforçar que a companhia não precisaria ser privatizada. “O povo não vai esquecer daqueles que entregaram a maior empresa de saneamento da América latina, que fizeram essa maldade com o nosso povo”, acrescentou.

Parlamentares da oposição repetiram que as tarifas vão aumentar com a privatização. Assim, para a deputada, o projeto tem “problemas jurídicos” e é “um cheque assinado em branco” ao governo, sem estipular sequer o valor da negociação.

Bens essenciais

Caio França (PSB) anunciou voto contra o projeto, embora não seja contrário, em algumas situações, à participação do setor privado. “Fornecimento de água e tratamento de esgoto são bens essenciais para a qualidade de vida das pessoas. Portanto, não podem ficar à mercê apenas da iniciativa privada.” Além disso, acrescentou, São Paulo se situa na “contramão” de países desenvolvidos, que buscam reestatizar o serviço.

Apesar da proposta de desestatização, a exposição de motivos do governo exalta a Sabesp, apontando São Paulo como referência nacional em serviços públicos de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto. Esses bons resultados “decorrem do esforço da estatal paulista”, que investe em média 30% do total no país. O governo também destaca sua governança e a presença, hoje, de 49,7% de capital privado.

Pontos obscuros no PL

Até agora, Tarcísio de Freitas não explicitou qual passará a ser a participação do estado com a aprovação do projeto. Fala apenas em algo de 15% a 30%, ante os atuais 50,3%. O Executivo fala do poder de veto previsto pela golden share, mas as situações previstas no projeto são apenas três: denominação/sede da empresa, objeto social e limites ao exercício do voto pelos acionistas.

Além de encaminhar um PL em regime de urgência, o governo conseguiu apreciação conjunta em três comissões (Constituição, Justiça e Redação, Finanças, Orçamento e Planejamento e Infraestrutura), em vez de separadamente. Foi um atalho para acelerar ainda mais a tramitação. O relator, Barros Munhoz (PSDB), deu parecer favorável.

Lucro de R$ 3 bi em 2022

Ainda no pequeno expediente, no início da tarde de hoje, o resultado já era dado como certo. Deputados da oposição lamentavam a entrega da “maior companhia de saneamento da América Latina” ao capital privado. E repetiam que as consequências, negativas, serão sentidas pela população.

Leia também: Trabalhadores e oposição atuam na Assembleia para barrar privatização da Sabesp

Em 2022, a Sabesp registrou lucro líquido de R$ 3,121 bilhões, aumento de 35,4% em relação ao ano anterior. Neste ano, até setembro, o lucro atinge R$ 2,337 bilhões. O plano de investimentos prevê R$ 26,2 bilhões de 2023 a 2027. Com 11.606 empregados, a companhia opera em 375 municípios no estado, aproximadamente 70% da população urbana.