máfia da merenda

Ex-assessor de Capez movimentou R$ 500 mil sem origem declarada, aponta investigação

Além dos R$ 122 mil de Jeter Rodrigues, a Justiça paulista encontrou meio milhão de reais em movimentações na conta de José Merivaldo. Valor é compatível com denúncia de propina

Renato S. Cerqueira/Folhapress

Em depoimento à CPI da Merenda, José Merivaldo (à dir.) disse não ter participado do esquema

São Paulo – A Justiça paulista detectou movimentação bancária de aproximadamente R$ 500 mil, de origem não declarada, na conta bancária de José Merivaldo, ex-assessor do presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, deputado Fernando Capez (PSDB). Somado aos R$ 122 mil encontrados na conta de Jeter Rodrigues, também ex-assessor do deputado, o valor total é compatível com a delação do lobista Marcel Ferreira Júlio, que declarou ter repassado propina da ordem de R$ 650 mil da Cooperativa Orgânica da Agricultura Familiar (Coaf) aos servidores, sendo R$ 200 mil para Jeter e Merivaldo e R$ 450 mil para ajudar na campanha à reeleição do deputado.

As informações constam de depoimento prestado por Merivaldo, no final do mês passado, ao desembargador Sérgio Rui da Fonseca, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), relator do processo que apura envolvimento de servidores públicos e parlamentares no esquema de superfaturamento e o pagamento de propina em contratos da merenda escolar do governo Geraldo Alckmin (PSDB).

Segundo as investigações, iniciadas com a Operação Alba Branca e hoje em poder do Tribunal de Justiça de São Paulo, os valores eram propina para que os assessores atuassem para facilitar a contratação da cooperativa com a Secretaria da Educação do governo Geraldo Alckmin, no valor de R$ 11 milhões. Essa tese se sustenta no fato de que a Coaf utilizou um documento falso de filiação à Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp) e um laudo de bromatologia, também falso, do Instituto Adolfo Lutz, que não foram verificados pela comissão técnica da chamada pública.

Além disso, o suco fornecido não era orgânico, mas industrializado. E a cooperativa também utilizou falsas Declarações de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAPs), obtidas por meio de um diretor da entidade que também trabalhava na Secretaria da Agricultura do governo Alckmin. Entre os cooperados ligados à Coaf não há produtores de laranja. Nada foi fiscalizado, conforme descoberto pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura o caso na assembleia.

No depoimento, Merivaldo, que sempre negou participação no esquema, é confrontado com uma movimentação total de quase R$ 680 mil no ano de 2015, contra um salário líquido de aproximadamente R$ 16 mil mensais como servidor da Assembleia Legislativa paulista. A movimentação bancária foi aproximadamente R$ 500 mil superior ao ano de 2014 – valor sem origem declarada –, sendo usada para pagar “muita conta”, na expressão do procurador que conduz o interrogatório, cujo nome não consta do documento.

O valor pode ter sido repassado pela Coaf. O ano bate com a execução do contrato da Coaf com o governo Alckmin. Do montante, R$ 364 mil foram depósitos em dinheiro, cujos depositantes são desconhecidos. Os dados foram obtidos após quebra do sigilo bancário do ex-assessor.

“O senhor não tem capacidade financeira para movimentar seiscentos mil por ano, estou certo?”, questiona o procurador. “Sim”, respondeu Merivaldo, que primeiro alegou não ter movimentado o valor em questão, depois disse ser resultado de consultorias que ele presta fora do horário de serviço na assembleia e que estavam listadas na declaração de Imposto de Renda, mas dos quais ele não sabia o valor exato. Porém, o procurador revelou que os dados mencionados não constam da declaração anual do ex-assessor. “A conta do senhor não fecha com o imposto de renda.”

A soma dos valores – R$ 500 mil com Merivaldo e R$ 122 mil com Jeter – se aproxima da delação feita por Marcel, que disse ter repassado aos assessores cerca de R$ 650 mil, sendo R$ 200 para Jeter e Merivaldo e R$ 450 mil para ajudar na campanha à reeleição do deputado Fernando Capez. Questionado sobre a participação de Capez, Merivaldo disse que nunca viu ele com a cooperativa. “Eu acho que ele não tinha conhecimento, com certeza.”

Além disso, Merivaldo depositou em sua conta um cheque de R$ 50 mil, oriundo da Coaf, que estava sem fundos. Ele disse que o cheque foi repassado por Jeter, que teria dívidas pessoais com ele. Jeter, porém, diz ter sido ameaçado por Merivaldo, que cobrou o cheque para impedir a abertura de uma outra sindicância. No depoimento, Merivaldo admite que cobrou a Coaf pelo cheque, embora quem lhe devesse fosse Jeter. Mas alegou não ter tido nenhuma relação com o lobista ou com membros da cooperativa e não ter participado do contrato estabelecido entre Jeter e a Coaf.

Guerra de Versões

Segundo Maurício Jalil, advogado de Merivaldo, todas as questões colocadas pelo procurador serão esclarecidas. “Meu cliente tem recebimentos referentes a consultorias prestadas, aluguéis, transferências da família, serviços prestados em distribuição de panfletos. Todas ações dentro da legalidade. A apuração do Ministério Público está desconsiderando isso e o salário mensal dele para chegar a esse valor”, afirmou.

Para Jalil, as versões de Jeter e Marcel estão tomadas por contradições, diferente da versão de Merivaldo. “Inclusive, o Marcel não pode, só porque está em acordo de colaboração, ser considerado o portador de toda a verdade. Ele pode mentir, inclusive, para se beneficiar. É perigoso que se tome as declarações automaticamente como verdades”, afirmou.

Na versão de Jeter, o lobista Marcel Ferreira Júlio o procurou solicitando ajuda para destravar um contrato da Coaf com a Secretaria da Educação do governo Alckmin para fornecimento de suco de laranja. Como não tinha experiência no assunto, pediu ajuda a Merivaldo, que indicou a celebração de um contrato, mas não quis ter seu nome nele. Os ex-assessores teriam firmado com Marcel, em nome da cooperativa, um contrato de R$ 200 mil para prestação de serviços de assessoria.

Já o lobista relatou ter ido três vezes ao escritório de Capez. E que o próprio deputado ligou na Secretaria da Educação e falou com o chefe de gabinete da pasta, Fernando Padula, sobre o contrato. Posteriormente, Marcel disse que foi procurado por Jeter, que informou que tudo seria resolvido, o contrato seria maior e teriam que resolver “a questão financeira”.

Quando a Chamada Pública foi concluída, Jeter o teria procurado. “Viu lá a publicação? Tudo como combinamos. Agora precisamos falar de valores. Eu quero 2% do contrato, mais R$ 450 mil para ajudar na campanha (do deputado Capez)”, teria dito Jeter, segundo o lobista. “Jeter disse que, se não honrássemos o acordo, eles bloqueariam os pagamentos do governo estadual”, relatou Marcel. O lobista disse ter efetuado todos os pagamentos e que os respectivos recibos foram entregues por ele ao Tribunal de Justiça.

Procurado, o deputado Fernando Capez disse, por meio de nota, que todos os depoimentos o inocentaram. “Cabe aos titulares das contas, as explicações devidas”, completou.

A CPI da Merenda vai se reunir na terça-feira (8) e na quarta-feira (9), para ouvir servidores da Secretaria da Educação. O prazo de funcionamento da comissão se encerra no dia 15 e os deputados ainda não decidiram se vão prorrogar os trabalhos.

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