Presidente uruguaio

No RS, Mujica cobra acadêmicos por compromisso com ‘povo quase analfabeto’

Com agenda movimentada e holofotes de pop star, o presidente uruguaio visitou o Rio Grande do Sul acompanhado do governador Tarso Genro (PT), candidato à reeleição

Ramiro Furquim/ GERS

Presidente uruguaio, Pepe Mujica, fala durante ato no Palácio do Piratini, em Porto Alegre

Porto Alegre Aplaudido de pé no início da noite de quarta-feira (10) por uma plateia repleta de jovens, na abertura da quinta edição do Seminário Internacional Universidade, Sociedade e Estado, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o presidente uruguaio, José “Pepe” Mujica, abordou  o paradoxo do momento vivido pela humanidade: por um lado, acumulando conhecimento, riqueza e avanços científicos e, por outro, vivendo uma crise política. Para o governante, o homem precisa pensar como espécie, não como bloco, país ou continente. Em dado momento, Mujica se dirigiu diretamente aos estudantes presentes no evento e os chamou a cumprirem seu papel: “Não se pode ser acadêmico e não sentir a responsabilidade que se tem com o nosso povo quase analfabeto”, disse ele.

Para Mujica, dizer que não se tem recursos é uma vergonha. “Sabemos o que fazer e temos como fazer, mas seguimos olhando para outro lado”, afirmou. Ele citou o exemplo de políticos que, voltados para uma agenda própria – como a busca por uma reeleição – deixam de atentar para o que deveriam. “Se o que vivemos não é uma crise política, eu não sei o que é”. disse.

Um dos problemas atuais, na opinião do presidente uruguaio, é o acúmulo de capital. Segundo Mujica, as pessoas passam a vida consumindo e acumulando dívidas, além de sofrerem por aquilo que não podem adquirir. Ele disse consumir menos em prol da própria liberdade, de gastar seu tempo não acumulando ou cuidando daquilo que adquiriu, mas fazendo o que gosta. “Eu não sou pobre! Pobre é quem precisa de muito”, disse, sob aplausos. Esta não é a primeira vez que Mujica rejeita o título muitas vezes atribuído a ele pela imprensa internacional, de “presidente mais pobre do mundo”, em função de seu estilo de vida simples.

Para Mujica, cada um tem apenas uma oportunidade na Terra. “Não partilho da teoria de que tenhamos que sofrer nesta vida para ter outra melhor”, disse ele. O que, segundo explicou, “não quer dizer que, neste mundo, não tenhamos que trabalhar. Se não o fizer, estará vivendo às custas de outro”.

Como já havia feito em seu pronunciamento no Palácio Piratini, também nesta quarta (10), Mujica afirmou que a sofrida América Latina passou anos olhando para os Estados Unidos e a Europa, sem que os países vizinhos se olhassem uns aos outros: “Nossos poetas tinham que ser reconhecidos em Paris ou estavam fritos”, brincou.

O presidente uruguaio também defendeu o fim das fronteiras: “Até quando médicos brasileiros não vão poder trabalhar no Uruguai”, questionou como exemplo. Para Mujica, vivemos em uma época desafiadora, em que os países latino-americanos precisam se agrupar. “A América Latina precisa unir forças”, defendeu.

Citando exemplos da capacidade humana, Mujica afirmou que o homem deve defender o mundo no qual nasceu, aprendendo com os erros já cometidos, evitando as guerras, usando a inteligência para levar a vida de outro modo, que não como um mero “pagador de contas”. “Não faço apologia à miséria, é exatamente o contrário, defendo a vida. Primeiramente, a vida humana, que, para ser possível, precisa defender toda a vida que nos acompanha neste barco”, encerrou Mujica.

Visita à cooperativa de catadores

O presidente Uruguaio cumpriu no Rio Grande do Sul uma agenda que começou pela manhã, com a visita a uma cooperativa de catadores no município de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, na companhia do governador Tarso Genro. No local está sendo instalada a primeira experiência da Cadeia Binacional Solidária do PET. Na ocasião, Mujica destacou a luta para desenvolver um novo tipo de economia integrada por meio do trabalho e da solidariedade. O projeto, lançado há três anos em parceria mantida pelos dois países, tem o objetivo de consolidar a produção no setor de reciclagem das garrafas plásticas, ampliando a renda e qualidade de vida dos catadores envolvidos no processo de transformação do PET em flake (pequenos flocos), depois em fibra e, por último, em tecido e artesanato.

Cerimônia no Palácio Piratini

À tarde, participou de cerimônia no Palácio Piratini, na qual assinou um memorando que insere a Semana da Cultura Gaúcha no país na agenda uruguaia . O ato solene foi seguido por uma breve entrevista coletiva. Novamente ao lado de Tarso, que atuou como seu intérprete, Mujica defendeu a união dos países latino-americanos, afirmou que há muito a fazer para solucionar os problemas sociais da região e defendeu que a regulamentação do consumo de maconha no Uruguai é uma experiência e, portanto, não pode recomendá-la ao Brasil. Questionado sobre sua relação com Dilma Rousseff e se conhece Marina Silva, candidatas à presidência do Brasil, o mandatário uruguaio foi direto: “Seria de mau gosto que eu, presidente do Uruguai, me pusesse a opinar sobre a política brasileira diante da imprensa”.

Na coletiva, Mujica também foi perguntado se a regulamentação da venda de maconha em seu país seria um exemplo para o Brasil. Ele salientou que seu governo não legalizou as drogas. “Nós planejamos regular um mercado que existe, não fomentar um vício”. Segundo o presidente, a regulamentação da maconha “não tem nada a ver com turismo e com todas essas bobagens que se diz por aí”. De acordo com Mujica, a luta de seu governo é contra o narcotráfico. “Pensamos que, se queremos mudar, não podemos seguir fazendo a mesma coisa em algo que temos fracassado. Não sabemos se o que vamos fazer será a solução, teremos que experimentar. Por isso, não podemos recomendar ao Brasil, um país gigantesco. Nós vamos fazer o experimento e depois vemos”, disse.