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Não há consenso entre analistas sobre Michel Temer na articulação política

Governo se fortalece no duro embate travado com um Congresso comandado por Cunha e Calheiros, ou ficará definitivamente refém do PMDB? Ainda é cedo para conclusões

José Cruz/Agência Brasil

“Não se pode esquecer que Temer é governo, é vice-presidente da República”, diz professora da Ufscar

São Paulo – O significado da escolha da presidenta Dilma Rousseff por Michel Temer na articulação política de seu governo não tem interpretação consensual entre cientistas políticos. Pelo menos não num primeiro momento, logo após um lance que surpreendeu lideranças no Congresso, já que, depois de fracassar na indicação de Eliseu Padilha para o posto, Dilma teria optado por Temer sem consultar os presidentes Renan Calheiros (Senado) e Eduardo Cunha (Câmara). Entre analistas ouvidos pela RBA, o único consenso é de que ainda é cedo para prever possíveis efeitos do movimento do Palácio do Planalto.

O governo se fortalece no duro embate travado com um Congresso comandado pelos peemedebistas Eduardo Cunha (RJ) e Renan Calheiros (AL)? Ou ficará definitivamente refém do PMDB? A estratégia pode ser o início da resolução da crise entre governo e Parlamento? A solução Temer pode enfraquecer os presidentes da Câmara e do Senado?

Para Humberto Dantas, coordenador do curso de pós-graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política, há duas leituras do fato político mais importante das últimas semanas. “A primeira leitura é de que o PMDB se fortalece ainda mais. Já tem as duas casas do Congresso, a vice-presidência da República e agora a articulação entre Executivo e Congresso, absolutamente essencial e delicada, que o governo não tem conseguido fazer.”

A segunda leitura possível, para Dantas, é que, ao entregar a articulação a Michel Temer, Dilma pode começar a tentar virar o jogo. “Nesse caso, ela estaria tentando dar mais responsabilidade ao PMDB e, se começar a não funcionar, a presidente poderia fazer críticas contundentes à legenda.”

A cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), discorda da análise segundo a qual, com Temer no lugar do “inoperante” Pepe Vargas na articulação política, o governo fica definitivamente refém do PMDB. “Na minha opinião é justamente o contrário. Não se pode esquecer que Temer é governo, é vice-presidente da República. Quando ele aceitou assumir, e não foi por um preço muito barato – já que pediu para extinguir o ministério –, fez uma jogada política muito boa para ele mesmo, claro, e também para o governo, porque afinal Dilma está fortalecendo um grupo do PMDB que pode contrabalançar a força dos outros dois grupos (Renan e Cunha)”.

O vice-presidente da República impôs, como condição para aceitar a missão, que Dilma extinguisse a Secretaria de Relações Institucionais do ex-ministro Pepe Vargas e incorporasse suas atribuições à vice-presidência da República.

Na opinião da professora, a leitura de que Temer pode equilibrar o jogo a favor do Palácio – em detrimento de Eduardo Cunha e Renan Calheiros – tem de levar em conta que, historicamente, “o PMDB nunca foi e não é agora que se tornou coeso”.

Para Dantas, um dos possíveis desdobramentos, considerando a hipótese que hoje existem três grupos claramente identificáveis no PMDB (Cunha, Renan e o próprio Temer), “nesse caso estaria ganhando força o grupo de Temer e então precisamos entender de que maneira, e se, ele vai conseguir usar essa força”. A solução Temer, diz, “pode significar o início da resolução da crise Executivo e Congresso, mas também um racha mais profundo, aí dentro do próprio PMDB. Nessa hipótese, Dilma pode ter minado o próprio PMDB”.

Para Maria do Socorro, a força de Temer será realmente testada a partir de agora e não se pode ir ao ponto de interpretar o lance de Dilma como um “xeque mate” em Cunha e Renan, como alguns avaliaram. “Mas certamente é um trunfo que a presidente tinha e uma composição importante. Ainda temos de ver se Temer vai ter condições e firmeza de realmente trazer deputados para a base de apoio, inclusive para influenciar os outros partidos da base. Agora é que a gente vai ver o peso de Temer”, afirma.

O cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC, entende que a escolha por Temer “é o único caminho, na atual conjuntura, para recompor a base”. “Dá algum nível de sustentação ao governo no Parlamento. Devido a essa conjuntura, me parece que ninguém no PT conseguiria apaziguar os conflitos. Talvez fosse um erro insistir num nome do PT para compor com Cunha e com Renan.”

Porém, para ele, o cenário para o governo do PT não é dos mais fáceis. “O governo ficar refém do PMDB é um cenário que já está dado. Independentemente de quem faria a articulação, teria que lidar com esse cenário. Por isso, do ponto de vista pragmático, (escolher Temer) foi o melhor a se fazer. Mas existe o risco de o PT e o governo terem perdido a definição agenda. Não acho que seja uma virada de mesa, até porque os peemedebistas barraram Eliseu Padilha, o nome que apareceu antes do Temer.” Na opinião de Marchetti, “o jogo continua na mão de Renan e Cunha”.

Dantas acredita que não se pode deixar de considerar, no processo, que este decorreu de “mais uma da série de dificuldades do governo para se articular politicamente”, em função, segundo ele, da falta de “paciência” de Dilma para o jogo político. “Ela convidou uma pessoa (Eliseu Padilha) que já tinha dado sinais de que não queria o cargo, aborreceu quem estava no cargo (Pepe Vargas) e terminou a história convidando um terceiro. De novo a inabilidade política. É uma crítica que tem de ser feita.”