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‘MP e Judiciário terão que ser passados a limpo’, diz ex-ministro da Justiça

Eugênio Aragão afirma que procedimentos da Lava Jato ultrapassaram as fronteiras da legalidade

Arquivo/ABr

‘Estamos sentados sobre escombros daquilo que foi nosso sonho de construir um estado democrático de direito’

Sul21 – Membro do Ministério Público Federal desde 1987, subprocurador da República e ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff durante dois meses, Eugênio Aragão é hoje um dos mais duros críticos dos procedimentos adotados pela Operação Lava Jato que, em vários casos, ultrapassaram as fronteiras da legalidade, como foi o caso da escuta da presidenta da República autorizada e divulgada para a imprensa pelo juiz Sérgio Moro. Em entrevista ao Sul21, Eugênio Aragão define a Lava Jato como uma das operações mais tortuosas da história do Ministério Público. A gente sente claramente que os alvos são escolhidos. Há delações claras em relação a outros atores que não pertencem ao grupo do alvo escolhido e que simplesmente não são nem incomodados. Em relação aos alvos, a operação chega a ser perversa e contra a dignidade da pessoa humana, critica.

Para Eugênio Aragão, o Brasil vive uma onda de fascismo maior talvez que a vivida no período da ditadura militar e o Judiciário e o Ministério Público têm responsabilidade por isso: “O Judiciário tem um problema muito sério: é o poder mais opaco de todos, não tem transparência nenhuma e é muito alienado quanto ao déficit de acesso à Justiça que existe no Brasil. Parece que vive em outro mundo”. O ex-ministro acredita que foram cometidos graves erros no recrutamento de atores importantes nas instituições do Judiciário. “A maioria dos ministros do STF têm uma dificuldade muito grande de enfrentar a opinião pública”, exemplifica.

Aragão critica o discurso que afirma que tudo está podre, tudo está corrupto, assinalando que esse é, historicamente, o discurso de todo governo fascista. E reafirma suas críticas ao juiz Sérgio Moro, dizendo que ele está ultrapassando os limites do Direito Penal. “É uma volta às Ordenações Filipinas, na medida em que expõe as pessoas como troféus do Estado, fazendo-as circular pelas ruas com baraços e pregão para que todo mundo possa jogar tomates e ovos podres em cima delas. Isso é o que ocorria na Idade Média”.

Como o senhor definiria o momento político e social que o Brasil está vivendo hoje?

Nós estamos sentados sobre os escombros daquilo que foi nosso sonho de construir um estado democrático de direito inclusivo, socialmente justo e solidário. Temos que pensar com toda a seriedade as causas disso que aconteceu e não nos perdermos apenas na denúncia do golpe, que de fato ocorreu. Na última semana, o presidente Temer confessou com todas as letras que o afastamento da presidenta Dilma não se deu por razões de crime de responsabilidade, mas sim para forçar uma mudança de programa de governo. Essa declaração é de um caradurismo enorme, pois a presidenta Dilma foi eleita em uma campanha da qual ele fez parte. Ele não pode querer derrubar a presidente para impor um novo programa que nem diz respeito aquilo que a maioria dos eleitores aprovou.

Não se trata de uma questão de ter simpatia ou não por Dilma, mas sim de ter consciência e entender a seriedade do que está por vir aí. Parece que a maioria da população brasileira está num estado de torpor e de estupefação em função da rapidez dos acontecimentos, e não está entendendo direito o que aconteceu e está acontecendo. Penso que é muito importante fazermos essa reflexão sobre onde erramos, para permitir que essas pessoas que hoje estão no poder assaltassem a democracia do jeito que assaltaram.

O senhor já tem algumas hipóteses acerca da natureza desses erros?

Acredito que há um leque de erros que até são normais. Quem está governando, principalmente quando governa sob forte pressão, está olhando para a sobrevivência diária e, muitas vezes, acaba perdendo a noção do conjunto de uma crise desse tamanho. Acho que, entre outras coisas, houve escolhas erradas de pessoal e uma articulação muito falha com o parlamento. Acredito também que poderíamos ter feito muito mais para atender os movimentos sociais. Houve muita decepção por parte de alguns desses movimentos, como o movimento dos sem teto. Eles assistiram durante as obras da Copa e das Olimpíadas uma verdadeira tragédia de retirada de bairros inteiros de população de baixa renda. Esse processo de gentrificação urbana atingiu a população mais pobre em praticamente todas as capitais. Aqueles que mais deveriam tirar vantagem desses eventos internacionais acabaram sendo os maiores prejudicados. Esses erros acabaram diluindo um pouco a nossa base de apoio.

Confira a entrevista completa na página do Sul21.

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