Insensível

Mourão é denunciado à Corte de Direitos Humanos por ironizar tortura na ditadura

Psol apresentou denúncia à Corte Interamericana de Direitos Humanos após Mourão rir da possiblidade de investigar militares envolvidos em casos de tortura

Romério Cunha/VPR
Romério Cunha/VPR
"Não vamos tolerar que zombem de pessoas torturadas", afirmou a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP)

São Paulo – O vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos), foi denunciado à Corte Interamericana de Direitos Humanos por ironizar áudios do Superior Tribunal Militar (STM) que confirmam a prática de tortura durante a ditadura civil-militar (1964-1985). A bancada do Psol na Câmara dos Deputados protocolou a denúncia nesta quarta-feira (20). O partido pede que a Corte inclua as falas de Mourão ao processo que acusa o presidente Jair Bolsonaro (PL) de descumprir condenação imposta ao Brasil por violações de direitos humanos na Guerrilha do Araguaia.

As gravações das sessões do STM entre 1975 e 1985, que vieram a público no último domingo (17), revelam que os ministros tinham conhecimento das torturas praticadas por militares e policiais contra opositores da ditadura.

Questionado por jornalistas, Mourão riu da possibilidade de os militares serem investigados. “Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. (risos). Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, disse o vice na segunda-feira (18).

Para Sâmia Bomfim (SP), líder do Psol na Câmara, a fala de Mourão é “inegavelmente repugnante”. “Não vamos tolerar que zombem de pessoas torturadas!”, tuitou a parlamentar, ao anunciar a ação encaminhada à Corte.

Na ação, o Psol afirma que a divulgação dos áudios “faz ainda mais insustentável a sistemática continuidade da inércia do Estado brasileiro”, ao não investigar os crimes ocorridos na ditadura. Nesse sentido, o partido afirma que tal postura configura “periculum in mora” (perigo na demora) para toda a sociedade brasileira.

As gravações

A jornalista Miriam Leitão, ela mesma vítima de tortura durante o período, foi a primeira a publicar, no domingo (17) partes do material que vêm sendo analisadas pelo historiador Carlos Fico, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Em um dos trechos das gravações, o então ministro do STM Waldemar Torres da Costa, chega a reconhecer os episódios de violações de direitos humanos. “Quando as torturas são alegadas e, às vezes, impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente”, disse o ministro, em sessão do tribunal em 1976.

Do mesmo modo, outro ministro, o general Rodrigo Octávio Jordão Ramos, chegou a relatar, um ano depois, o caso da tortura de uma mulher grávida, que abortou após sofrer “castigos físicos no Codi-DOI”. Ele comenta que o aborto foi decorrente de “choques elétricos no aparelho genital”.

Em seguida, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado passou a investigar o caso. O senador Humberto Costa (PT-PE), que preside a CDH, solicitou que o STM encaminhe as gravações à comissão. Nas próximas semanas, Fico também deve participar de audiência pública no Senado, a fim de contextualizar os fatos referidos nos áudios.