Desempenho dos candidatos

Faltou ousadia a Lula no debate, Bolsonaro ‘deu tiro no pé’ e Ciro sai menor

No primeiro debate com os candidatos à presidência, Simone Tebet sai na frente. Corrupção e mulheres foram centrais, mas ponto alto foi o momento em que Lula lembrou da inclusão dos mais pobres

Montagem / divulgação
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Bolsonaro, Ciro Gomes, Simone Tebet e Lula: disputa de ideias ao vivo na noite de domingo

São Paulo – Em análise sobre o primeiro debate com candidatos à presidência da República, realizado ontem (28), analistas políticos avaliam que nenhum dos seis postulantes – sobretudo Lula e Bolsonaro – avançou entre os indecisos. A opinião é compartilhada pelo coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) João Paulo Rodrigues e a cientista política Mayra Goulart, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mayra, coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política da UFRJ, e João Paulo foram entrevistados pelos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual

Para ambos, no debate, os candidatos atuam mais perante seu público potencial do que com o dos adversários. Nesse sentido, o Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, não perdeu pontos entre seus eleitores, segundo João Paulo. Mas “deu um tiro no próprio pé”, ao ofender, de forma misógina, a jornalista Vera Magalhães e a senadora Simone Tebet. Para o coordenador do MST, o mandatário preferiu atacar o tempo todo e ser vago na apresentação de propostas. 

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“Não mostrou uma única linha sobre o que fará com relação aos problemas sociais brasileiros. Pensando que era um debate para formadores de opinião e indecisos, Bolsonaro foi ruim, fez gol contra. Ninguém aceita ou quer votar em um presidente da República com nível de autoritarismo e despolitização que foi o Bolsonaro em todos os assuntos”, avalia. O candidato Ciro Gomes (PDT) também “sai menor” do debate, nas palavras de João Paulo. “Segundo Ciro, ele estava se preparando para esse debate há 20 anos e sua fala não acrescentou nada”, aponta. 

Desempenho de Lula

Já o desempenho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da SIlva (PT) ficou aquém do esperado, para a cientista política da UFRJ. De acordo com Mayra, havia uma expectativa maior sobre o petista por causa da “boa entrevista” concedida por ele ao Jornal Nacional na última quinta (25), o que não se manteve no debate. João Paulo defende, porém, que as participações não são comparáveis, dada a diferença na audiência dos dois programas. No JN, a entrevista com Lula (e como os demais) começou às 20h30, e forma 40 minutos de fala, para cerca de 40 milhões de pessoas. Já o debate, começou às 21h15, terminou quase à meia-noite do domingo, e sua repercussão foi maior nas redes sociais do que na TV aberta.

“Ou seja, não se se compara. Era um público formador de opinião e acho que Lula queria falar com o eleitor indeciso, classe média, formador de opinião. Lula chamou muita atenção para a sua experiência de governo. ‘Eu entendo, eu já fiz, eu sei como resolver.’ Ele deu pistas sobre o seu programa de governo do ponto de vista como vai tratar o tema da educação, onde gastou um pouco mais de energia, e o tema da saúde quando tratou da vacina. Lula (candidato do PT) deu pistas de que terá um governo comprometido com o combate à fome”, destaca o coordenador do MST. 

As pautas centrais

João Paulo admite, contudo, que Lula poderia ter atacado mais Bolsonaro. E diz que o ex-presidente ainda não conseguiu tratar com a população o que foi a atuação persecutória da Lava Jato sobre o seu caso. João Paulo acredita que o petista tem feito um esforço de explicar que a corrupção no país é uma chaga da natureza do sistema político brasileiro e que demanda legislação e instituições fortes para combatê-la. Mas ainda está contido porque precisa se defender. Nesse sentido, ele diz que Lula se saiu bem ao terminar o debate sem cair em provocações. 

“Porque tudo estava montado para provocar ele. Ele ainda precisa falar mais sobre o que foi o sítio, o triplex, o petrolão, porque são um conjunto de ações que vira e mexe cai para cima dele. E a Justiça já comprovou que Lula não tem nada a ver com isso. Tem que provar publicamente a sua inocência a todo momento que é atacado, e tentar colocar respeito às instituições”, diz o coordenador do MST. Ou seja, não pode, segundo ele, fazer o discurso de Bolsonaro de que “todo mundo é corrupto e fica por isso mesmo”. 

João Paulo e Mayra Goulart consideram que Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (UB) registraram melhor desempenho. A cientista política ainda observa que o debate foi direcionado a fortalecer a chamada terceira via, com especial destaque para a emedebista. “Fez um debate muito bom, não tangenciou em nenhum momento, foi assertiva, programática”, compara. 

Eleitorado feminino 

Ela destaca que o tema da corrupção foi central no debate, como se esperava, para mobilizar o antipetismo. Mas a pauta das mulheres também foi importante. “O que é bom, porque dá visibilidade à causa, mas ruim, porque ela está sendo meramente instrumentalizada”, diz Mayra. 

A cientista política observa que mesmo as candidatas não fazem uma defesa do feminismo. “Elas disputam a defesa do sentido de ser mulher, representam outras formas de defender os direitos das mulheres, esvaziando a especificidade de criar formas na sociedade de discutir o papel da mulher e reverter essa opressão simbólica e material que as mulheres vivem”, alerta. 

Mayra Goulart também condenou a conduta de Bolsonaro sobre as mulheres. Mas ressaltou que ele segue mobilizando o sentimento conservador pelo “medo da esquerda”. Ou seja, deslocando esse sentido também para temas de direitos civis, como aborto e armas. De acordo com ela, o discurso pode parecer “esquisito”, mas rende voto nesse segmento.

Lula e o ponto alto do debate

Apesar das considerações, a cientista política destaca como “ponto alto” do debate quando Lula respondeu ao ataque da candidata Soraya, que disse que o país descrito pelo ex-presidente só existiu “em propaganda eleitoral”. Ao que o petista rebateu, afirmando que quem viu as mudanças foram os mais pobres que passaram a ser incluídos. “O seu motorista viu, o seu jardineiro viu, a sua empregada doméstica viu. A sua empregada doméstica viu este país melhorar, viu que ela podia almoçar e jantar todo dia, viu que o filho dela poderia entrar na universidade”, respondeu Lula.

“Aí ele mobilizou o imaginário da escravidão. Falou daquele cara que passa o dia inteiro em cima de uma bicicleta, pedalando, sentido o cheiro de comida maravilhosa, e que ele não pode comer. O Lula recupera isso no debate, mobiliza o imaginário da escravidão para falar dessas novas formas de trabalho que são muito simétricas à escravidão, em que a pessoa trabalha o dia inteiro para sobreviver e tem privação de alimentação”, conclui Mayra Goulart.