Íntimo de Cachoeira, deputado vai a CPI defender legalização de jogo

Carlos Alberto Leréia (PSDB) afirmou à CPMI do Cachoeira que usou cartão de crédito do contraventor para comprar jogos para os filhos e diz que não tinha vergonha de se encontrar pessoalmente com 'Carlinhos'

“Pragmático”, Leréia quer que seus colegas votem a legalização da atividade de Cachoeira, de quem é amigo (Foto: Pedro França. Agência Senado)

São Paulo – Em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI ou CPI) do Cachoeira, o deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB) disse hoje (9) que o Brasil deveria legalizar os jogos de azar, principal atividade do contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. “Sou legalista, mas sou pragmático. No meu entendimento, o que o governo tem que fazer? Vender concessões pra cassinos, vender alto e colocar na lei”, afirmou. Leréia reconheceu ser amigo íntimo do empresário e contraventor, mas negou práticas ilegais e apontou que as investigações da CPI têm de levantar o debate sobre a questão do jogo no Brasil. De acordo com ele, embora proibida, trata-se de uma prática proliferada por todo o país e da qual o Estado poderia tirar proveito financeiro.

No início da noite, segundo a Agência Câmara, Leréia aceitou ter os sigilos bancário, fiscal e telefônico quebrados pela CPMI. “Todos os sigilos que a CPMI necessitar. O que quiserem, está à disposição”, respondeu o parlamentar, respondendo questionamento do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).

“Nesse interior do Brasil, é raro uma cidade que não tenha uma banquinha de jogos. Diria que 90% das cidades têm. É proliferado. E as pessoas apostam na internet. Os países do Mercosul, com o qual temos fronteiras, como o Uruguai, têm o jogo legalizado, e os brasileiros viajam para lá, para os Estados Unidos e para a Europa para jogar. Os cruzeiros têm cassinos em águas brasileiras, e o governo federal não recebe nada. Temos de discutir a questão do jogo. A Caixa podia bancar um jogo do bicho”, disse Leréia, em seu depoimento. Ele sustenta que, se de fato os jogos são proibidos, os governos deveriam fiscalizar melhor. “Ou legaliza ou o proíbe de vez, e o Estado, de fato, fiscaliza”, afirmou.

No início de setembro, ele havia sido convidado para depor na CPI do Cachoeira, mas faltou. Esta comissão investiga as relações de Cachoeira com agentes do governo e supostos casos de corrupção, deflagradas na Operação Monte Carlo, da Polícia Federal (PF), de fevereiro deste ano. O deputado Leréia pediu para que a data fosse remarcada e afirmou que ele mesmo era quem tinha manifestado interesse em depor. A despeito de ser chamado para falar de sua relação com Cachoeira, ele dedicou boa parte de seu discurso à questão da legalização dos jogos.

Foco

O deputado federal Odair Cunha (PT), relator da CPI, afirmou que as investigações não tratam somente da questão dos jogos. “Cachoeira criou uma organização que controlava a polícia. Na área de domínio de Cachoeira, a polícia deixava abertas só as máquinas de Cachoeira. O jogo é contravenção, mas estamos falando de corrupção policial, de fraude e licitação”, disse Cunha.

Leréia comentou que não estranhou que seu nome estivesse entre as ligações investigadas pela PF. “Sou amigo pessoal do Carlinhos, conheço sua família, sua mãe, seus irmãos. Tenho fotos com ele. Seus filhos são amigos dos meus, e minha esposa é amiga da ex-mulher dele”, contou Leréia. Questionado pelo senador Álvaro Dias (PSDB) se já havia emprestado seu cartão de crédito para Carlinhos ou tomado emprestado o cartão deste, como apontam as investigações da PF, ele contou que isso foi um ocorrido da amizade entre ambos.

“Eu estava nos Estados Unidos e queria comprar crédito da Apple, pelo meu Ipad, para joguinhos para o meu filho pequeno, mas não estava conseguindo. Então liguei para o Carlinhos, que sempre foi muito ligado com essas coisas de tecnologia, e pedi ajuda. Passei meu cartão pra ele pra que tentasse, ou ele me passou o dele, pra eu tentar fazer a compra. Mas eu já emprestei meu cartão pra vários amigos”, respondeu Leréia.

Amizade

De acordo com ele, foi nos EUA também que ele teria usado o aparelho telefônico Nextel que Cachoeira lhe emprestou. Era por meio desse tipo de celular que o contraventor e os agentes públicos que faziam parte de seu esquema, como o cassado senador Demóstenes Torres (ex-DEM), organizavam o esquema de corrupção. “Ele me emprestou para ir para os EUA, em 1998 ou 1999, porque precisava de mais um desses aparelhos – eu tenho cinco deles – pra falar com a minha família.”

Odair Cunha lhe perguntou quando ele devolveu o aparelho a Cachoeira, mas Leréia não soube responder. “Eu não precisava de Nextel para falar com ele. Me encontrava com Carlinhos pessoalmente, não como outros que tinham vergonha de mostrá-lo no seu círculo de relacionamentos”, disse Leréia. Ele afirma que não era sócio patrimonial de Carlinhos ou de alguém próximo a deste, mas se contradisse. Questionado por Cunha, ele reconheceu ter parte de um avião, que chegou a pertencer a Paulo Roberto de Almeida Ramos, irmão de Cachoeira.

Os laudos da investigação da PF mostram que Leréia recebeu remessas de dinheiros de pessoas próximas a Cachoeira, mas, durante a CPI, ele afirmou que o único acesso que teve às gravações foi por meio das publicações dos veículos de comunicação e que provavelmente essa remessa tratava-se de um empréstimo pessoal que pediu a Cachoeira. Este, diretamente, emprestou-lhe dinheiro, mas em outra ocasião, um terceiro, o empresário chamado Michel Aidar, citado nas ligações investigadas, teria feito o empréstimo, a pedido de Cachoeira.

“A princípio pedi socorro ao Carlinhos, e ele me passou o contato do Michel. Paguei pro Michel Aidar, e pro Carlinhos vou pagar, quando ele sair da cadeia” contou. Leréia negou ter beneficiado Cachoeira ou a construtora Delta em alguma ementa parlamentar em troca de dinheiro. “Eu sou da oposição e não tenho força pra empurrar ementa. Empresário nenhum me visita pra pedir isso”, disse.