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Haddad diz que PEC 241 vai provocar conflitos e disputa por orçamento

Prefeito de São Paulo analisou desdobramentos da medida que o governo interino quer aprovar para controlar gastos; economista Marcio Pochmann falou sobre o papel da mídia na crise política

Divulgação

Barão de Itararé reuniu Marcio Pochmann, Fernando Haddad e Renato Rabelo para debater a cidade que a mídia não mostra

São Paulo – A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que o governo interino quer ver aprovada no Congresso, vai criar uma disputa entre os diversos segmentos da sociedade pelo orçamento público, afirmou ontem (25) o prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Fernando Haddad. Ele participou do debate “A cidade que você não vê na mídia”, no Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, no centro da capital. “A PEC é uma ‘desconstituinte’, que congela por 20 anos os gastos e relega a segundo plano os jovens, que ainda não tiveram acesso a direitos”, disse.

A PEC, de autoria do governo interino de Michel Temer, limita os gastos públicos em todas as esferas a um teto corrigido pela inflação do ano anterior e quebra as vinculações orçamentárias constitucionais para setores como saúde e educação. No texto do projeto que tramita no Parlamento, e que o ministro interino da Fazenda, Henrique Meirelles, defende com ênfase, será estabelecido um novo “regime fiscal”, que não permitirá mais que o crescimento do PIB repercuta em aumentos reais nos recursos de programas sociais e na assistência social.

Segundo Haddad, o congelamento orçamentário é o fator que vai produzir a disputa e os conflitos sociais, já na perspectiva de uma crise política que não aponta para uma integração social. “Os mais prejudicados serão os pobres”, disse o prefeito, sobretudo nos setores em que não há organização social. “Acontece que os pobres têm direitos difusos, e a partir de 2003 (início do primeiro governo Lula) olhamos mais esses interesses, como o acesso à universidade de negros e pobres, estabelecendo uma visão mais solidária de uma sociedade com histórico de violência e escravidão”.

Segundo o prefeito, os efeitos da PEC vão se tornar agudos na organização territorial da cidade, porque o poder público é atuante em frentes como saneamento, habitação e mobilidade. “Se não tiver o poder público, como fazer?”, indagou Haddad. “Congelar a capacidade de responder a isso vai gerar que tipo de conflito? Não sou capaz de responder qual o significado social e político, como os governos progressistas vão se colocar diante dessa configuração”.

Haddad também disse que a Constituição de 1988 significou um processo de fortalecimento dos municípios, pelo fato de ter descentralizado os recursos. “Cada partido criou um modo de governar, nasceram experiências diferentes a partir de uma base constitucional que criava condições inéditas para os prefeitos”, defendeu.

Agora com o argumento de que a Constituição não cabe no Orçamento, como dizem os defensores do golpe institucional, “querem frear o processo histórico desde 2003, mas se a Constituição cabe ou não no Orçamento depende do modelo de sociedade”, afirmou.

Antes, Haddad havia dito que o golpe do impeachment sem crime de responsabilidade corresponde a um pacto oligárquico que lembra o arranjo da República Velha, que “tinha o pressuposto material da sociedade agrária do começo do século, mas hoje vivemos em cidades, e 40% da população brasileira vive em metrópoles”, afirmou. “O Brasil urbano cabe nessa configuração do século 19?”, perguntou. “Ninguém do andar de cima está disposto a considerar a dinâmica de inclusão que começou em 2003. Isso está encerrado”, ironizou, “vamos botar ‘ordem e progresso’, mas vai ser para poucos”.

Haddad também criticou o ministro Ricardo Barros. “Ministro da Saúde com plano popular está dizendo que não vai ter SUS”, disse, referindo-se à intenção de Barros de criar planos de saúde de cobertura reduzida para financiar o atendimento à população. “Isso vai abortar o processo de inclusão”, atacou Haddad, “o SUS cresceu muito em São Paulo, nosso atendimento cresceu em tudo, mesmo com a crise”, afirmou, destacando que aumentou de 18% para 21% o orçamento da Saúde na cidade.

O prefeito falou que na Educação o orçamento cresceu para 33% e que isso possibilitou criar as universidades nos CEUs, em parceria com o governo federal. “Mesmo na retração econômica, o governo pode ampliar oportunidades.” Para Haddad, vai levar um tempo para que as pessoas tenham compreensão do que está em jogo, porque há um cerco midiático que é produto dessa fase histórica, uma onda conservadora que atravessa o país e o mundo. “A perspectiva emancipatória não está mais no nosso horizonte, que agora é de regressão social”. Ele defendeu que essa situação vai exigir engajamento, porque a PEC pretende ter repercussão por décadas. “O povo desorganizado é o que mais vai sofrer; é um momento de reflexão, engajamento e ação.”

A cidade invisível

Ao lado do Haddad, o economista, colaborador da RBA e candidato à prefeitura de Campinas, Marcio Pochmann, disse que o risco de esvaziamento do debate sobre as cidades nas eleições deste ano ocorre graças ao papel que a mídia tem assumido em apoio ao golpe institucional. “Rui Barbosa dizia que a imprensa são os olhos e ouvidos da sociedade, mas não hoje”, afirmou.

Comentando o tema do debate – A cidade que você não vê na mídia – Pochmann disse que a mídia não mostra a realidade e a cidade não é vista pela mídia. Ele citou o jornalista Paulo Henrique Amorim, que sustenta que a imprensa não vale pelo que mostra, mas pelo que esconde.

Na perspectiva de desvendar a cidade, Pochmann disse que a condição de vida urbana está sendo afetada por uma mudança demográfica dada pelo envelhecimento da população. “Os jovens vêm se reduzindo e por isso prefeitos e governadores querem fechar escolas”, afirmou. Ele também fez uma retrospectiva histórica da questão das etnias no país. Lembrou que ao fim do século 19, dois terços da população eram de negros, e que muitos explicavam o atraso do país em relação à escravidão para justificar que seria necessário o “branqueamento da população”. Foi uma época em que prosperaram teorias como a eugenia – na qual se defendia o “melhoramento” genético das raças, segundo o padrão de características dos brancos.

Pochmann disse que ao longo do processo histórico esse tipo de crença racista reduziu a população não branca para um terço a partir dos anos 1940, mas que hoje a população que se declara não branca representa 52%, e que projetada para o futuro essa população chegará a dois terços dos brasileiros, o que faz supor ainda maior importância às políticas de inclusão. Ele disse também que falta diálogo nas famílias “e com a mídia avançamos para uma sociedade polarizada, marcada pelo ódio”. Ele criticou as redes sócias, como o Facebook, nas quais as pessoas só se aproximam de quem tem afinidade. “Isso tem impacto na violência e na destruição da sociabilidade”.