Mobilização

Governo e parlamentares querem votar PEC do trabalho escravo ainda nesta terça

Proposta terá de ser votada em dois turnos. Ideia é fazer com que emenda constitucional seja promulgada até a véspera da Copa

jane de araújo/agência senado

Atrizes globais estiveram no Senado com representantes do MHUD para pedir a votação da PEC

 

Brasília – Foi dada a largada para a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 57/1999, a PEC do trabalho escravo, que tramita há 15 anos no Legislativo. Governo e parlamentares da base aliada querem que a votação ocorra hoje (27), no plenário do Senado, antes da sessão conjunta do Congresso, programada para se realizar a partir das 19h. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), relator do projeto de lei do Senado que regulamenta a matéria, confirmou há pouco acordo fechado entre os líderes partidários nesse sentido.

A ideia, conforme já deixou claro a ministra da secretaria de Direitos Humanos, Ideli Salvati, é que a emenda constitucional seja promulgada até a data de abertura da Copa do Mundo (12 de junho). “Vamos abrir a Copa com um gol de placa no cenário mundial”, afirmou a ministra, que passou a manhã no Senado e continua a peregrinação durante a tarde pelos gabinetes dos parlamentares, pela aprovação da PEC.

Ideli está acompanhada das atrizes Camila Pitanga e Maria Zilda e conta com o apoio de representantes de várias organizações não governamentais que aguardam a sessão. As duas atrizes foram ao Congresso ao lado de representantes do Movimento Humanos Direitos (MHUD), para pedir aos senadores a votação da PEC. Camila Pitanga, diretora da entidade, entregou uma carta ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com o pedido formal pelo projeto e falou sobre a importância de o Brasil mostrar ao mundo “que se importa com os direitos humanos”.

“Vamos provar que não só somos o país do futebol como também da cidadania. É um ato a favor da nossa dignidade, da nossa autoestima”, colocou. Já Maria Zilda chamou a atenção para o fato de ser realizada, em poucos dias, a Copa do Mundo no país. “Estamos recebendo representantes do mundo inteiro. Devemos receber o povo que vem de fora com a cabeça erguida. Seria um grande exemplo para os outros países”, disse, referindo-se à PEC.

Tudo junto

Segundo o senador Romero Jucá, inicialmente será votada a PEC em primeiro turno e, logo depois, o projeto de lei que regulamenta a PEC. A expectativa é fazer com que, imediatamente após isso, os parlamentares votem a PEC em segundo turno.

A previsão estabelecida por Jucá é de que a única dificuldade a ser observada seja a apreciação das emendas de plenário a serem apresentadas, durante a apreciação da proposta em primeiro turno. Esse ponto, porém, que ainda está sendo discutido com as lideranças, é visto de forma cética por alguns senadores, para quem a matéria deverá ser votada em sua totalidade não esta semana, mas até o dia 10 de junho.

“Estamos confiantes nessa votação (de hoje) e aguardando uma boa resposta por parte dos parlamentares. A legislação precisa ser dura e caracterizada para combater esse crime no Brasil, mas ao mesmo tempo precisa ter regras bastante objetivas, para que não sejam cometidas injustiças. Já discutimos bastante até aqui e se conseguirmos apreciar estas emendas de forma racional e equilibrada conseguiremos uma votação célere da matéria”, afirmou Jucá.

Vários senadores, no entanto, acham que embora o momento seja propício para a votação da matéria, a bancada ruralista deverá manobrar para tentar adiar mais uma vez a votação, motivo pelo qual é importante a negociação entre as lideranças. O momento é tido como favorável, na avaliação de parlamentares e pesquisadores que há anos acompanham a votação da PEC, em função do desgaste que tem sido observado no Congresso nos últimos meses – com a discussão sobre instalação ou não de comissões parlamentares de inquérito (CPIs) e diante da proximidade da Copa do Mundo e interesse dos próprios deputados e senadores em passar uma boa imagem do Legislativo e do país para o mundo.

Durante a manhã, o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou, em reunião com Ideli Salvatti, que vai trabalhar para a votação da PEC ser realizada com agilidade, mas para isso precisa do apoio de mais líderes, de modo a fazer com que a matéria seja priorizada na pauta de votações.

Expropriação rural e urbana

A PEC 57/1999 prevê a expropriação de terras em que seja observada a prática de trabalho escravo.  A última discussão sobre a matéria, há mais de uma década em tramitação, ocorreu em março, quando o relator da PEC, senador Aloysio Nunes (PSDB), aceitou mudar seu parecer. Nunes acolheu como emenda de redação uma modificação sugerida por Jucá que acrescenta a expressão “definido em lei” após a menção à exploração do trabalho escravo.

A sugestão, explicou Jucá à época, teve como objetivo tornar mais claro o texto e impedir que possíveis infrações trabalhistas viessem a ser confundidas com trabalho escravo. Mas causou confusão porque, caso Aloysio Nunes não tivesse acatado como emenda de redação, o texto teria que retornar outra vez para a Câmara dos Deputados.

Uma das discussões dos parlamentares que integram a bancada ruralista é de que é necessário ser apresentado um conceito mais definido sobre o que é trabalho escravo. O argumento inicial apresentado foi de que os proprietários rurais estarão sujeitos a excessos por parte dos fiscais, mas o Projeto de Lei do Senado (PLS) 432/2013 – também na pauta para votação – regulamenta a PEC e disciplina a expropriação de terras rurais e urbanas cujos proprietários tenham sido flagrados submetendo seus trabalhadores a tais práticas.

“Se um fiscal encontrar determinado trabalhador bebendo, por sua vontade, a mesma água que um animal bebe, pode dizer que isso é trabalho escravo e não é”, enfatizou o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), ao repetir exemplos que já tinha dado em discurso anteriormente no plenário da Câmara, quando se posicionou a favor de mais critérios para definição do que seja trabalho escravo. “No texto, caracterizamos o trabalho escravo e o distinguimos do crime de desrespeito à legislação trabalhista, que é outra coisa”, explicou Romero Jucá.

Apresentada pelo então senador Ademir Andrade em 1999, a PEC 57A/1999 estabelece, entre outras coisas, que a expropriação das áreas onde for observada a prática do trabalho escravo se dará para fins de reforma agrária e programas de habitação popular, sem que os proprietários recebam qualquer tipo de indenização. Atualmente, a Constituição prevê que apenas as terras onde há cultivo de vegetais psicotrópicos, como maconha e coca, podem ser expropriadas e destinadas ao assentamento de colonos.

A RBA tentou ouvir a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) e o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) sobre a votação da proposta, mas até o final da tarde não obteve resposta.

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