Manobras

Próximo a Calheiros e articulado, Jucá ganha poder sobre projetos dos trabalhadores

Regulamentação das emendas das domésticas e do trabalho escravo fica nas mãos do peemedebista, que articula posição favorável a empresários e ruralistas. Avaliação sobre origem da preferência varia

Jonas Pereira/Senado

Na visão de um articulador da base aliada, Jucá (e) e Calheiros têm um acordo de poder muito forte

Brasília – Senador desde 1995 e líder com capacidade de mudar de lado de acordo com os ventos, Romero Jucá sempre foi famoso por ser nomeado para matérias importantes em tramitação no Congresso. Nos últimos tempos, além de manter as características que o fizeram famoso, embora não necessariamente querido, o parlamentar do PMDB de Roraima vem se notabilizando por se colocar à frente de projetos importantes para os trabalhadores – e, por consequência, dos empresários.

O centro desta estratégia de atuação é a Comissão Mista de Consolidação da Legislação Federal, um grupo formado no ano passado, integrado por deputados e senadores, com a função de debater aquilo que está expresso no nome: mudanças importantes na legislação e o preenchimento de lacunas regulatórias ainda existentes na Constituição.

O motivo para que Jucá seja o dono do destino de projetos tão importantes do ponto de vista da legislação trabalhista levanta divergências dentro do Congresso. Há quem entenda que o parlamentar busca projetos de destaque para compensar a perda de exposição trazida pela destituição da liderança do governo Dilma Rousseff, em março de 2012, após quase seis anos. Há quem veja no veterano senador uma capacidade de diálogo com gregos e troianos que agrada o Palácio do Planalto, sempre em dificuldades na articulação com uma base aliada grande e heterogênea.

“Essa entrega dos projetos para a sua relatoria acontece por se tratar de um parlamentar tido como bom conhecedor da legislação comum do Congresso e da legislação brasileira como poucos, além de transitar bem entre todos os poderes e possuir boa capacidade de articulação. Jucá, apesar de ser sempre citado entre o grupo do PMDB fisiologista e fazer parte do bloco dos políticos que sempre permanecem no poder, termina sendo um parlamentar útil para a base aliada na costura de matérias polêmicas”, avalia um senador governista que preferiu não se identificar.

“A questão não tem a ver com poder de articulação do senador, mas sim com as manobras do presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que estabeleceu, nessa sua gestão, uma espécie de triunvirato para decidir sobre a relatoria de matérias emblemáticas para o país junto com ele (Jucá) e o Eunício Oliveira (PMDB-CE). Estamos trabalhando para que a base aliada fique atenta a esse tipo de matéria para que a relatoria resulte em temas de menos dissenso daqui por diante”, discorda um outro importante articulador da base aliada.

Pela Comissão Mista de Consolidação da Legislação Federal tramitam três matérias importantes do ponto de vista da legislação trabalhista, todas nas mãos de Jucá. Uma delas é a proposta de regulamentação do direito de greve no serviço público, tema ainda em aberto, quase 26 anos depois da promulgação da Constituição. Após promessa de entregar relatório ainda no ano passado, o parlamentar vem arrastando a questão.

Há outras duas matérias na mão de Jucá que estão na ordem do dia. Existe a promessa de que hoje (10) a comissão mista dará continuidade a discussões emblemáticas: a primeira, sobre o trabalho escravo, e a segunda, sobre os trabalhadores domésticos. Os dois itens dizem respeito à regulamentação de emendas constitucionais já promulgadas, que dependem da votação de projetos de lei para que possam, de fato, entrar em vigor plenamente.

“Como acontece com todo parlamentar, temos prós e contras em relação aos dois projetos relatados e sem muito o que comemorar até agora. Por isso, as discussões são tão importantes. O momento dos deputados e senadores interessados em boa regulamentação para os dois itens ficarem de olho, tem início a partir desta semana”, afirma o cientista político da Universidade de Brasília (UnB), Alexandre Ramalho.

Domésticas

A PEC das Domésticas é o caso mais antigo. Muito celebrada quando da aprovação, em março do ano passado, a matéria entrou em compasso de espera depois que Jucá foi escolhido relator. Não é só a demora que é questionada por entidades representativas da categoria: há uma série de divergências sobre questões que o parlamentar incluiu no relatório e não aceita mudar.

A divisão ficou ainda mais evidente na semana passada, quando um pedido de vistas da deputada Benedita da Silva (PT-RJ), que foi relatora da matéria na Câmara, impediu a votação do relatório de Jucá. A parlamentar tomou a iniciativa depois que o relator rejeitou 58 emendas feitas pela Câmara.

Segundo Benedita da Silva, da forma como foi aprovada pelo Senado, a proposta abre espaço para que direitos dos trabalhadores domésticos não venham a ser conquistados e dá margem a questões como despedida arbitrária, contrato por tempo parcial e desconto injustificado de salário destes funcionários.

Dentre os pontos rejeitados pelo relator estão a obrigatoriedade de contribuição sindical e a existência de um banco de horas. O argumento apresentado por Romero Jucá ao rejeitar as emendas foi de que os empregadores domésticos não são uma categoria econômica e, em razão disso, a maioria deles não é sindicalizada. De acordo com o senador, caso sejam criados muitos obstáculos e instituídas mais obrigações, haverá uma precarização desse tipo de serviço. “Não queremos isso, queremos o empregado doméstico com todos os direitos garantidos”, acentuou ele.

Benedita da Silva, por sua vez, afirmou que a Constituição garante aos trabalhadores sua sindicalização e é importante que as empregadas domésticas passem a ser sindicalizadas. A deputada também disse que não abre mão do banco de horas, uma vez que muitas emendas tentam acabar com o banco, que compensa as horas-extras feitas pelos empregados (ou até mesmo reduz a quantidade de horas a compensar).

Jucá explicou que muitas das emendas foram rejeitadas porque não estavam relacionadas ao trabalho doméstico propriamente. Um grupo destas emendas, por exemplo, tinha como objetivo aumentar a contribuição do empregador para o INSS e compensar o aumento, mediante desconto no Imposto de Renda. Na avaliação do senador, esse tipo de alteração não é compatível com a atual conjuntura brasileira porque, a seu ver, “prejudicaria diretamente estados e municípios, já que esse imposto é uma das bases dos fundos de participação”.

Trabalho escravo

Em relação à PEC do Trabalho Escravo, a posição de Jucá é abertamente mais próxima da defendida pela bancada de representantes do agronegócio. A exemplo do ocorrido com a PEC das Domésticas, a matéria que expropria a propriedade onde ocorra flagrante de escravidão foi aprovada sob celebração, após 15 anos na fila do Congresso.

Mas, como a RBA já mostrava no dia seguinte à votação, em 27 de maio, foi deixada em aberto uma questão que pode resultar em retrocesso na legislação brasileira, considerada pelas Nações Unidas um exemplo no enfrentamento à escravidão contemporânea. Os ruralistas desejam debater o conceito de trabalho escravo, excluindo noções consideradas muito amplas, como “condições degradantes” e “jornada extenuante”. A leitura é de que isso deixa margem a que fiscais do trabalho cometam abusos, provocando expropriações injustas de áreas com flagrante de escravidão.

Logo após a aprovação, Jucá disse que o Projeto de Lei do Senado (PLS) 432, de 2013, estava pronto para votação, o que deveria ocorrer já no começo deste mês. Mas setores da base aliada e o Palácio do Planalto mandaram ao parlamentar o recado claro de que, do jeito que está, a proposta não tem aval para ser apreciada em plenário. “Não vamos admitir, o Brasil não admite, a sociedade não admite retrocesso na regulamentação. Não tiraremos da legislação do trabalho escravo aquilo que a lei prevê: o trabalho exaustivo, a jornada exaustiva, o impedir de ir e vir, o trabalho degradante. Isso está consagrado na legislação brasileira”, disse a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Ideli Salvatti.

O texto de Jucá considera, para a caracterização do trabalho escravo, a submissão a trabalho forçado, sob ameaça de punição, com uso de coação ou com restrição da liberdade pessoal.

A opinião do relator vai de encontro ao pensamento de deputados e senadores que construíram o texto da PEC, como a senadora Lídice da Mata (PSB-BA), para quem é preciso acompanhar de perto a elaboração da lei complementar. “Na forma da lei, propõe-se uma regulamentação que, se não estivermos atentos, pode tornar a promulgação da PEC um esforço que não tenha sentido, porque a discussão que está havendo se dá, no fundo, no sentido de revogar todas as punições que dizem respeito à prática do trabalho escravo no Brasil.”

Mais uma vez, muito depende de Jucá.

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