Trama golpista

Ex-comandantes comprovam digital de Bolsonaro em tentativa de golpe

O general Marco Antônio Freire Gomes afirmou à PF que o ex-presidente apresentou três diferentes institutos jurídicos para ruptura antidemocrática contra a posse de Lula. Versão final da minuta golpista foi discutida pelo Ministério da Defesa com chefes militares

Fabio Rodrigues-Pozzebom/ABr
Fabio Rodrigues-Pozzebom/ABr
O então ministro da Defesa (na foto, à direita) apresentou a minuta golpista final para "conhecimento e revisão" dos comandantes em reunião no dia 14 de dezembro de 2022

São Paulo – A íntegra do depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes à Polícia Federal coloca diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no centro da trama golpista que vinha sendo tentada no final de 2022 para mantê-lo no poder, apesar de sua derrota nas eleições daquele ano. Em um relato de 7 horas à corporação, o militar, que comandava o Exército na época, afirmou que Bolsonaro apresentou, em reuniões no Palácio do Alvorada, três diferentes “institutos jurídicos” que permitiriam um golpe de Estado contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As informações são da colunista do jornal O Globo Bela Megale, que teve acesso ao conteúdo do depoimento. Nele, Freire Gomes detalha que as minutas tratavam da decretação de uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO), de Estado de Defesa ou de Estado de Sítio. O general narrou que em um dos encontros, no dia 7 de dezembro de 2022, o ex-assessor especial da Presidência Filipe Martins leu trechos de uma das minutas golpistas que usava expressões de Bolsonaro. Entre elas, “jogar dentro das quatros linhas”, como ele costumava repetir.

O convite para a reunião, segundo Freire Gomes, partiu do também general Paulo Sérgio Nogueira, na época ministro da Defesa após a saída de Walter Braga Netto, que disputou como vice de Bolsonaro. No encontro, realizado na residência presidencial, o então chefe do executivo ainda teria informado que “o documento estava em estudo e depois reportaria a evolução aos comandantes”.

Bolsonaro e nova versão do golpe

Freire Gomes afirmou que o almirante Almir Garnier Santos foi o único na ocasião a aderir abertamente às intenções golpistas de Bolsonaro. E que se recorda de Garnier ter se colocado à disposição do então presidente. Ele, contudo, e o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, da Aeronáutica, teriam ressaltado na reunião que faltava suporte jurídico para a manobra bolsonarista. O general também argumentou à PF que alertou Bolsonaro que suas intenções poderiam resultar em responsabilização penal. Ele advertia que “do ponto de vista militar não haveria possibilidade de reverter o resultado das eleições”.

No entanto, as tratativas seguiram. E a participação direta de Bolsonaro na trama golpista foi reforçada em uma segunda reunião realizada em 14 de dezembro com a presença dos três comandantes das Forças Armadas. Freire Gomes narra que o ex-presidente apresentou uma versão ainda mais ampla da minuta golpista, com a criação de uma Comissão de Regularidade Eleitoral, também prevista no documento encontrado na casa do ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres.

O órgão teria o objetivo de apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral. A versão também fazia a “Decretação do Estado de Defesa”. Segundo a Folha de S. Paulo, o então ministro da Defesa apresentou a minuta para “conhecimento e revisão” dos comandantes. Ao saber do teor, Baptista Júnior mostrou oposição ao documento. “O depoente (Baptista Júnior) entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo eleito; que, diante disso, o depoente disse ao ministro da Defesa que não admitiria sequer receber esse documento; que a Força Aérea não admitiria tal hipótese (golpe de Estado)”, diz trecho da transcrição do depoimento.

Braga Netto e ataques

Freire Gomes também afirmou à Polícia Federal que se opôs “de forma contundente” à proposta. Mas que o almirante Almir Garnier nada teria expressado. Garnier e os generais Paulo Sérgio e Braga Netto não têm se pronunciado a respeito das investigações. Em depoimentos à PF em fevereiro, os três ficaram em silêncio.

Depois da reunião no Ministério da Defesa, Baptista Júnior disse à PF que passou a ser alvo de ataques nas redes sociais, sendo rotulado de “traidor da pátria” e “melancia”, uma alusão de que seria “um comunista disfarçado”. A versão do comandante sobre os ataques sofridos é corroborada pelo relatório da Polícia Federal que embasou a Operação Tempus Veritatis.

Diálogos obtidos pela PF também mostram que Braga Netto chegou a chamar Freire Gomes de “cagão” em contato com o ex-major Ailton Barros. “Meu Amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do Gen Freire Gomes. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”, escreveu o ex-candidato a vice em uma das mensagens.

“Senta o pau no Batista Junior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feitas e ele fechado nas mordomias. Negociando favores. Traidor da patria (sic). Dai pra frente. Inferniza a vida dele e da família”, escreveu às 18h55 do dia seguinte. “Elogia o Garnier e fode o BJ”, completou o general, como uma ordem.


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