O capitão e os generais

Braga Netto e Pazuello estão metidos em trama e Bolsonaro editou minuta golpista, diz PF

Documento entregue pela Policia Federal ao STF também reuniu indícios de que Pazuello foi um dos aliados que defenderam a ruptura constitucional. Bolsonaro aguardaria tentativa de golpe morando nos EUA, para onde transferiu R$ 800 mil

Marcelo Camargo/ABR
Marcelo Camargo/ABR
Operação investiga suspeitas de formação de uma organização criminosa que, de acordo com a PF, atuou na tentativa de golpe de Estado

São Paulo – Mensagens extraídas do celular do ex-major do Exército Ailton Barros evidenciam a participação do ex-ministro da Defesa Braga Netto na tentativa de golpe para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder. As conversas estão descritas no relatório da Polícia Federal entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) que embasou a Operação Tempus Veritatis (Tempo ou Hora da Verdade, em latim), deflagrada no último dia 8.

A ação, que teve como alvos ex-presidente e seus ex-ministros militares e ex-assessores, investiga suspeitas de formação de uma organização criminosa que, de acordo com a PF, atuou na tentativa de golpe de Estado, com abolição do Estado democrático de direito para invalidar as eleições de 2022. E está baseada em documentos que também mostram que Bolsonaro “analisou e alterou” uma minuta de decreto que determinava o rompimento constitucional. A trama golpista, segundo as provas obtidas, também revela a participação do ex-ministro da Saúde e atual deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ).

Pressão de Braga Netto

No caso de Braga Netto, as mensagens mostram que ele estimulou bolsonaristas a atacarem, em dezembro de 2022, dias antes da diplomação do então presidente eleito Lula, o general Tomás Paiva, hoje comandante do Exército. Em diálogo com Barros, Braga Netto determina a disseminação de ofensas ao general, afirmando que o colega de oficialato “nunca valeu nada”. O documento, divulgado pelo jornal O Globo nesta quinta-feira (15), também mostra que o ex-ministro tentava vincular Paiva ao PT. “Parece até que ele é PT desde pequeninho.”

Segundo a PF, os ataques consistiram em uma tentativa deliberada de “atingir a reputação” do general. Alvo da operação, o candidato a vice de Bolsonaro já havia sido citado por manobra semelhante por ofensas ao então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes. Na conversa, Freire é chamado de “cagão” por deixar “acontecer o que está acontecendo”, diz Braga Netto. Ele ainda pede a Barros que “ofereça a cabeça” do comandante.

As investigações têm ainda elementos que mostram o ex-ministro bolsonarista orientando ataques contra o comandante da Aeronáutica na ocasião, tenente-brigadeiro do ar Baptista Júnior. O objetivo da pressão era constranger oficiais do alto escalão a embarcarem na empreitada golpista que previa manter o grupo no poder e impedir a posse de Lula.

Bolsonaro editou minuta golpista

A PF também destaca ter confirmado a existência da minuta de decreto golpista que propunha a instauração de um estado de sítio no país. A análise dos investigadores se debruçou em um áudio enviado pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, a Freire Gomes. No diálogo, de 9 de dezembro de 2022, Cid diz que o ex-presidente “enxugou o decreto”. E que havia reduzido o texto, fazendo “algo mais direto, objetivo, curto e limitado”.

A versão editada pelo ex-mandatário manteve a determinação de prisão do ministro do STF Alexandre de Moraes. De acordo com o inquérito, a mensagem “confirma a existência do decreto” e existem “dados que comprovam” que Bolsonaro “analisou e alterou” a minuta que, “tudo indica, embasaria a consumação do golpe de Estado em andamento”. Embora tenha sido destinatário dos áudios, a investigação aponta que o decreto não teve a “adesão” de Freire Gomes.

Em paralelo, o ex-presidente tinha planos de aguardar os desdobramentos da tentativa de golpe nos Estados Unidos. A PF identificou uma operação de câmbio no dia 27 de dezembro no valor de R$ 800.000,03 para um banco com sede nos EUA onde o ex-presidente possui conta. “Evidencia-se que o então presidente Jair Bolsonaro, ao final do mandato, transferiu para os Estados Unidos todos os seus bens e recursos financeiros, ilícitos e lícitos, com a finalidade de assegurar sua permanência no exterior, possivelmente, aguardando o desfecho da tentativa de Golpe de Estado que estava em andamento”, afirmaram os investigadores.

Envolvimento de Pazuello

O relatório entregue ao STF também reuniu indícios de que Pazuello, que não foi alvo da operação da PF, foi um dos aliados de Bolsonaro que defenderam a ruptura constitucional, conforme O Globo. O ex-ministro da Saúde seria um dos que passaram a difundir a ideia de que o artigo 142 da Constituição, que regula o papel das Forças Armadas, poderia ser usado como base para o golpe de Estado. A interpretação, refutada pelo Supremo, é que o dispositivo autorizaria uma intervenção dos militares como um “poder moderador”.

Ele seria também uma das visitas que Bolsonaro estava recebendo no “sentido de propor um ruptura institucional”.

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Redação: Clara Assunção


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