Provas

Bolsonaro orientou alteração em minuta do golpe, diz PF

Decreto golpista previa a prisão dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do STF, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. PF também tem vídeo de Bolsonaro tramando o golpe em reunião com ministros

Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Em reunião preparativa do golpe, Bolsonaro prometeu entrar em campo com "seu Exército", enquanto Heleno defendeu "virar a mesa" antes das eleições

São Paulo – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve acesso a uma minuta de decreto “para executar um golpe de Estado”. Ele recebeu o documento golpista do então assessor da Presidência para Assuntos Internacionais Filipe Martins, que foi preso preventivamente nesta quinta-feira (8). O texto previa a prisão dos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). E também do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). 

Bolsonaro então teria feitos ajustes no texto, retirando os pedidos de prisão de Gilmar e Pacheco, mas mantendo a de Moraes. No mês passado, o ministro revelou que os bolsonaristas planejavam inclusive enforcá-lo. O documento golpista previa ainda a realização de novas eleições, diante de supostos indícios infundados de fraude nas urnas eletrônicas. 

As informações fazem parte do relatório da Polícia Federal (PF) que embasou a Operação Tempus Veritatis, autorizada por Moraes. “Os elementos informativos colhidos revelaram que Jair Bolsonaro recebeu uma minuta de decreto apresentado por Filipe Martins (então seu assessor) e Amauri Feres Saad para executar um golpe de Estado, detalhando supostas interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo”, diz o inquérito.

Tempo da verdade

Além de Filipe Martins, o coronel Marcelo Costa Câmara e o major Rafael Martins de Oliveira – ambos do Exército – também foram presos, suspeitos de participarem da trama golpista. O coronel do Exército Bernardo Romão Corrêa Netto também é alvo do quarto mandado de prisão. Ele não foi detido, no entanto, porque está nos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, a PF também cumpriu 33 mandados de busca e apreensão. Entre os alvos, estão o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Augusto Heleno; o ex-ministro da Casa Civil general Braga Netto; o ex-ministro da Defesa general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres, além do próprio ex-presidente.

Moraes também determinou a apreensão do passaporte de Bolsonaro. O documento estava no escritório dele na sede do PL, em Brasília, onde os agentes da PF também realizaram busca e apreensão.

O procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, avalizou a operação. Em parecer, frisou que os envolvidos, conforme o relatório da PF, “visavam, na prática, a reversão do resultado das eleições presidenciais de 2022, de modo a impedir a posse do candidato eleito e, assim, manter o ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro no poder”.

Bolsonaro aparece em vídeo tramando o golpe

A PF encontrou ainda um vídeo de uma reunião que Bolsonaro convocou para dar prosseguimento à tentativa de golpe. O encontro ocorreu em 5 de julho de 2022. Participaram da conferência golpista os ministros Heleno, Braga Netto, Paulo Sérgio e Anderson Torres.

Os policiais encontraram a gravação do encontro em um dos computadores do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid. Ele está preso desde maio do ano passado e fechou acordo de delação premiada com a PF. Para Moraes, os registros da reunião “nitidamente” revelam “o arranjo de dinâmica golpista no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os investigados que dela tomaram parte”.

Assim, durante as tratativas golpistas, Bolsonaro prometeu “entrar em campo” com o seu “Exército”. “Hoje me reuni com o pessoal do WhatsApp, e outras também mídias do Brasil. Conversei com eles. Tem acordo ou não tem com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral)? Se tem acordo, que acordo é esse que tá passando por cima da Constituição? Eu vou entrar em campo usando o meu Exército, meus 23 ministros”, declarou o então presidente.

Espalhando a fraude

Ele disse ainda que passaria a cobrar todos os ministros para se manifestassem sobre as supostas fraudes nas urnas, o pretexto para a tentativa de golpe. O então presidente estava exaltado com a possibilidade de derrota nas eleições de 2022, conforme apontavam as principais pesquisas.

“E a gente vê que o DataFolha continua … é … mantendo a posição de 45% e, por vezes, falando que o Lula ganha no primeiro turno. Eu acho que ele ganha, sim. As pesquisas estão exatamente certas. De acordo com os números que estão dentro dos computadores do TSE”, disse Bolsonaro.

“Nós vamos esperar chegar 23, 24 (eleição), para se foder? Depois perguntar: porquê que não tomei providência lá atrás? E não é providência de força não, caralho! Não é dar tiro. Ô Paulo Sérgio, não vou botar a tropa na rua, tacar fogo aí, metralhar. Não é isso, porra!”, continuou.

Para a PF, Bolsonaro deixa claro que exigiria dos ministros, “em total desvio de finalidade das funções do cargo”, que replicassem em suas áreas “todas as desinformações e notícias fraudulentas quanto à lisura do sistema de votação, com uso da estrutura do Estado brasileiro para fins ilícitos e dissociados do interesse público.”

O então presidente ainda anunciou que, na semana seguinte, reuniria embaixadores de todo o mundo para disseminar dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral. Foi esta reunião, ocorrida em 18 de julho, que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) utilizou como prova para decretar a inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos. Ele foi condenado pela prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, já que o encontro com os embaixadores contou com transmissão da TV Brasil.

Virando a mesa

Na reunião, o então ministro do GSI, general Augusto Heleno, sugeriu infiltrar informantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para espionar as campanhas adversárias. Bolsonaro interrompeu a discussão, sugerindo que tratariam do assunto “em particular”.

Além disso, Heleno também insuflou a tentativa de golpe. Para o ministro, a “virada de mesa” não podia esperar. “O que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições. (…) Eu acho que as coisas têm que ser feitas antes das eleições. E vai chegar a um ponto que nós não vamos poder mais falar. Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas. Isso pra mim é muito claro”, revela trecho da gravação transcrito no inquérito da PF.