Relato da socióloga Marise Egger-Moellwald emociona Comissão da Verdade

Ela conviveu com o dia a dia da favela do Buraco Quente, em São Paulo, onde conheceu a realidade social concreta. Ao ser presa por agentes da ditadura, deixou os filhos aos cuidados de uma moradora da comunidade

Marise Egger-Moellwald mostra em audiência pública na Assembleia Legislativa o livro que escreveu, “Luta, Substantivo Feminino” (Foto: Divulgação/Comissão da Verdade)

São Paulo – A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, da Assembleia Legislativa, ouviu hoje (3) a socióloga Marise Egger-Moellwald, autora do livro Luta, Substantivo Feminino. Ela tem uma história peculiar. Filha de refugiados austríacos vítimas da Segunda Guerra Mundial, filiada ao Partido Comunista Brasileiro em 1975, Marise conviveu intimamente com os moradores da favela do Buraco Quente (zona sul de São Paulo), onde entrou em contato com a realidade social, a ausência do Estado, as carências dos serviços públicos e os dados concretos da vida das pessoas mais pobres que as teorias não mostravam. 

Marise foi presa em 23 de outubro de 1975. Sua relação com a comunidade da favela era tão forte na época que deixou seus filhos sob os cuidados de uma das moradoras do Buraco Quente quando foi presa no DOI-Codi, um dos principais centros de tortura do país. 

“Foi um depoimento muito emocionante, trouxe informações importantes acerca do histórico dela, e Marise reforçou uma posição da comissão, que é apontar para um caminho, no sentido de não se perdoar quem torturou”, diz o deputado João Paulo Rillo (PT), que coordenou a audiência pública em substituição ao titular Adriano Diogo (PT). Segundo Rillo, o depoimento de Marise se destaca por vários motivos. Por exemplo, ela falar de um momento que coincide com o período marcado pela morte de Vladimir Herzog.

“Embora ela estivesse encapuzada nas sessões de tortura, é possível apurar (a partir do depoimento na CPI) qual era a equipe que estava trabalhando, os militares que passaram pelo Dops naquele momento. Agora temos que avançar para isso, para revelar os torturadores”, diz Rillo. No depoimento, Marise procurou não entrar em detalhes sobre as torturas que sofreu. Porém, deixou claro que as mulheres presas sofriam abusos sexuais frequentemente.

Mesmo destacando aspectos do depoimento de Marise Egger-Moellwald, João Paulo Rillo afirma que não se pode dizer que um depoimento seja mais importante do que outros. “O conjunto de coisas é o mais importante, não só um depoimento.” Para ele, a comissão faz “um trabalho histórico e a importância desse trabalho é mais estrutural do que pontual, dos depoimentos em si, por mais importantes que sejam. Todos os depoimentos são reveladores na medida em que os depoentes não tiveram outro foro para fazê-lo”, avalia o petista. 

A Comissão da Verdade estadual realiza amanhã (4), às 9h30, no auditório Teotônio Vilela, uma nova audiência, com o tema “Trabalhadores que resistiram à ditadura”. São esperados representantes de CUT, CSP-Conlutas, CTB, UGT e Associação dos Metalúrgicos Anistiados do ABC, entre outras entidades.

Rillo destaca duas audiências públicas previstas para breve, uma trazendo jovens filhos de torturados e, em alguns casos, o depoimento dos próprios filhos que sofreram os métodos da ditadura. Este evento está previsto para ocupar uma semana na Assembleia, de 6 a 10 de maio próximos. A outra, com militares que resistiram e não aderiram à metodologia de tortura, ainda não tem data confirmada, devido à agenda dos depoentes.