Compra de votos

Bolsonaro deixou rombo histórico na Caixa para se reeleger. ‘Criminoso’, avalia Lenio Streck

Banco público de 162 anos foi usado por Bolsonaro para favorecê-lo na campanha presidencial de 2022 junto ao eleitorado mais pobre. Manobras inéditas e sem transparência expuseram a instituição a um nível de risco inédito na história recente

Antônio Cruz/Agência Brasil
Antônio Cruz/Agência Brasil
O rombo foi criado a partir de duas Medidas Provisórias, em 17 de março de 2022, assinadas por Bolsonaro e o então presidente da Caixa, Pedro Guimarães

São Paulo – Para o jurista Lenio Streck, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) deve responder também criminalmente pelo calote bilionário nas contas da Caixa Econômica Federal. Em entrevista ao ICL Notícias, transmitido pela TVT, nesta segunda-feira (29), o especialista destacou que tanto Bolsonaro, como seu ministro da Economia, Paulo Guedes, podem responder por improbidade administrativa, com o agravante de terem cometido um “crime eleitoral”. O que também pode torná-los inelegíveis.

O rombo no banco público foi denunciado hoje em reportagem do UOL. De acordo com a publicação, as medidas eleitoreiras do ex-presidente, em meio a sua campanha à reeleição, no ano passado, provocaram um calote bilionário. Isso porque o banco estatal de 162 anos foi usado como “arma da campanha de Bolsonaro”, que se valeu de “manobras inéditas e sem transparência”. Como consequência, a instituição financeiro foi exposta que “a um nível de risco inédito na história recente”.

As manobras foram apoiadas em duas Medidas Provisórias (MPs), assinadas em 17 de março de 2022, por Bolsonaro e o então presidente da Caixa, Pedro Guimarães. A primeira delas criava o programa SIM Digital. Uma linha de microcrédito para pessoas com restrição, ou seja, nome sujo. De acordo com a reportagem, com base em dados da instituição financeira, até as eleições, R$ 3 bilhões foram emprestados. No entanto, o dinheiro ainda não retornou aos cofres públicos.

A presidenta da Caixa, Rita Serrano, confirmou que a inadimplência chegou a 80% neste ano. Pelas regras estabelecidas por Guimarães – que deixou o banco três meses depois, após casos de assédio moral e sexual serem denunciados em todo o país contra ele –, parte do rombo deverá ser coberto com verbas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

O papel dos empréstimos

As reservas do banco também foram queimadas com a liberação de empréstimos consignados ao programa Auxílio Brasil.

A medida liberou o beneficiário do Auxílio Brasil a comprometer até 40% de sua renda mensal com os empréstimos, a serem pagos em parcelas descontadas dos auxílios seguintes. O crédito foi aprovado no Congresso, a partir da MP de Bolsonaro, em julho. Mas os consignados só começaram a ser liberados em 10 de outubro, oito dias depois do primeiro turno, quando o então presidente obteve seis milhões de votos a menos que o atual, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ao todo, segundo a Caixa, foram liberados R$ 7,6 bilhões. Porém mais de 100 mil devedores não se enquadraram nos critérios do Bolsa Família deste ano – que substituiu o programa. E o pagamento das parcelas do crédito é incerto, indica a reportagem.

Em fevereiro, um levantamento do mesmo veículo mostrou que o banco havia liberado 99% de todos os empréstimos consignados do programa antes do segundo turno das eleições de 2022. Em média, R$ 447 milhões foram depositados pela Caixa por dia útil. E o pico foi em 20 de outubro: R$ 731 milhões, em pleno segundo turno.

Após a derrota de Bolsonaro, no período de 2 a 13 de novembro, a oferta de consignado foi interrompida pela Caixa completamente. Só em 14 de novembro os empréstimos foram retomados, mas em um volume muito abaixo do registrado no período eleitoral. Foram liberados R$ 67 milhões para 53 mil pessoas. O que equivale a 1% do total. Na média do período pós-eleições, o montante de liberação por dia útil foi de R$ 1,7 milhão.

Agiotagem

Com juros anuais de até 50%, o empréstimo consignado de Bolsonaro também criou uma “bomba armada” que pode explodir no colo dos 2,9 milhões de pessoas que tiveram acesso ao recurso e podem não ter condições de quitá-los, conforme adverte o jornalista Leonardo Sakamoto. Para ele, as consequências das ações eleitorais do ex-presidente provam que esse era um programa de “agiotagem de pobres e miseráveis” e que tirou dinheiro dos assalariados para “dar” à população de baixa renda.

“Ou seja, ao invés de entregar aos assalariados um retorno justo para o dinheiro do fundo, o governo Bolsonaro pegou a aplicação para comprar votos em um projeto de caráter eleitoreiro e com uma estrutura que qualquer semovente saberia que daria chabu. Não pelo microcrédito, uma ideia genial que muda a vida de milhões ao redor do mundo. Mas, basicamente, ele distribuiu dinheiro e deixou a conta a ser paga pela força de trabalho brasileira”, escreveu em sua coluna.

‘Bolsonaro cometeu crime’

E a questão, de acordo com o jurista Lenio Streck, não é apenas “os efeitos colaterais dentro da Caixa e sua relação com o sistema bancário”. “Esse foi um crime eleitoral. Isso deve ser posto imediatamente no sistema eleitoral para ter mais um motivo de inelegibilidade no futuro de Bolsonaro e de Guedes, se ele se candidatar no futuro. (…) Chutaram o balde na Caixa”, criticou, em sua participação no ICL Notícias. O jurista também cobrou empenho da instituição financeira na investigação do caso.

De acordo o UOL, inicialmente a Caixa se negou a compartilhar os dados levantados e afirmou que os valores do SIM Digital estavam errados. Procurada novamente, a Caixa mudou de posição e afirmou em nota que “o banco divulga suas informações em linha com as melhores práticas do mercado”. Em nova nota, contudo, o banco confirmou que os dados do programa estão corretos. “A Caixa mudou de governo e tem que franquear tudo isso, passar todos os documentos. Isso não pode ser uma descoberta externa, tem que ser de dentro para fora, tem que jorrar”, destacou Lenio Streck.

Saiba mais na entrevista completa: