Crise na Segurança

Após ataque às UPPs de Copa e Ipanema, Beltrame deixa Segurança no RJ

Imagem de suposto traficante despencando de um penhasco após ser atingido por tiros vindos de um helicóptero da Polícia Militar simboliza fim de uma era na cidade

Fernando Frazão/ABR e Isaac Amorim/MJC | Fotos Públicas

Operação em Copacabana. Beltrame havia se comprometido a ficar até o segundo turno das eleições municipais

Rio de Janeiro – Ao longo dos muitos anos em que fez parte do cotidiano carioca, a guerra do tráfico de drogas produziu algumas imagens impressionantes que, depois de difundidas na mídia, marcaram o imaginário coletivo do Rio de Janeiro. Até ontem (10), a mais recente destas imagens marcantes era a debandada coletiva de traficantes após a ocupação das favelas do Complexo do Alemão por forças da Marinha e do Exército em novembro de 2010. A célebre cena que mostrava dezenas de bandidos armados correndo morro abaixo tinha como subtexto a chegada na cidade de uma nova ordem, simbolizada pela instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e por seu principal coordenador, o secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame.

Mesmo antes da ocupação do Complexo Alemão, as imagens da guerra do tráfico no Rio já haviam se tornado um tanto raras, sinal de uma bem sucedida política de segurança pública que desde 2008 diminuiu consideravelmente os índices de violência em dezenas de comunidades que viviam sob o jugo das facções de traficantes. Os sinais de desgaste do programa de UPPs, no entanto, vinham se acumulando nos últimos três anos, com o aumento de ataques a policiais e de confrontos entre traficantes. Desde ontem, uma nova imagem impressionante que circula na internet parece simbolizar o que muitos cariocas já percebiam: a aparente volta do Rio aos tempos de insegurança pública que marcaram os anos oitenta e noventa na cidade.

O vídeo mostra um traficante despencando do penhasco conhecido como Vietnã, no alto do morro Pavão-Pavãozinho, após ser atingido por tiros vindos de um helicóptero da Polícia Militar. O indigesto “cinema” pôde ser assistido de suas janelas por moradores de Ipanema e Copacabana em plena hora do almoço, e o episódio acabou precipitando o já aguardado pedido de demissão de Beltrame, que vinha em rota de colisão com o governo estadual desde que a crise financeira atingiu os projetos de sua secretaria e sepultou qualquer chance de novo impulso no programa de UPPs. A demissão de Beltrame foi comunicada pessoalmente hoje (11) ao governador em exercício, Francisco Dornelles, e também ao governador Luiz Fernando Pezão (afastado para tratamento de um câncer).

Após comunicar a Dornelles em agosto sua intenção de deixar a Secretaria assim que possível, Beltrame, atendendo a um pedido do governador, se comprometeu a permanecer no cargo até a realização do segundo turno das eleições municipais. Os ataques de ontem às sedes das UPPs nos morros do Cantagalo e do Pavão-Pavãozinho e o intenso tiroteio nas ruas da rica zona sul da cidade, no entanto, aceleraram o processo de saída do agora ex-secretário. O lugar de Beltrame será ocupado a partir de segunda-feira (17) por Roberto Sá, atualmente subsecretário de Planejamento e Integração Operacional. Amigo do gaúcho Beltrame, de quem é considerado o braço-direito, o fluminense Sá é oriundo da Polícia Federal, assim como o antecessor.

Ainda não se sabe qual será o futuro imediato de Beltrame que, no auge do sucesso das UPPs, chegou a ser lembrado como “nome natural” à sucessão de Sérgio Cabral no Governo do Rio. O ex-secretário estava há nove anos e meio no cargo e não se sabe até que ponto a atual crise na segurança pública do Rio afetará o julgamento futuro sobre o seu trabalho. A amigos, Beltrame diz que por ora só pensa em descansar e passar algum tempo ao lado da família.

Após o anúncio da saída de Beltrame, o chefe da Polícia Civil do estado, Fernando da Silva Veloso, também anunciou que vai pedir exoneração.

Tiros à luz do sol

Além do homem que despencou do ponto de observação do tráfico após ser alvejado pelos policiais que estavam no helicóptero, os confrontos nos morros de Copacabana e Ipanema resultaram em outras duas mortes de supostos traficantes e em cinco feridos, sendo três policiais militares. Oito pessoas foram presas em operações do Batalhão de Choque e do Batalhão de Operações Especiais da PM (Bope). Os tiros entre policiais e traficantes puderam ser ouvidos, de foram intermitente, de nove da manhã às quatro da tarde nos dois bairros.

Antes de chegar aos coração da zona sul carioca, a crise nas UPPs já havia ficado evidenciada em ataques às bases da Polícia Militar ocorridos em comunidades com maior histórico de violência, como os complexos do Alemão e da Maré, e as favelas da Rocinha e do Lins. O estado de falência financeira do Estado fez com que ao longo de 2016 as verbas para o setor de segurança pública tenham escasseado a ponto de faltar gasolina para os veículos da polícia. O problema foi sanado com a chegada de parte dos R$ 2,9 bilhões destinados ao setor após Dornelles decretar estado de calamidade pública no Rio. Mas, a falta de perspectivas em relação à retomada das principais políticas públicas de segurança no futuro, sobretudo o programa de expansão das UPPs, foi decisiva para que Beltrame deixasse a Secretaria de Segurança Pública.