Quem está por trás

Aliados de Lula crêem que empresários bolsonaristas financiaram terror em Brasília

Depredação, ônibus e carros incendiados, barricadas e botijões de gás teriam sido bancados por empresários investigados no inquérito das milícias digitais, avaliam. Até o momento, ninguém foi preso, o que causa espanto na Polícia Civil e no Ministério Público do DF

TV Globo/Reprodução
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Líderes xavantes afirmam que indígena bolsonarista preso – prisão seria o pivô dos atos terroristas – não os representa e que ele foi financiado por fazendeiros e empresários de MT. Padre é flagrado incitando atos antidemocráticos

São Paulo – Aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estão convencidos de que empresários bolsonaristas financiaram os atos de vandalismo que colocaram terror em Brasília na noite desta segunda-feira (12). De acordo com informações da colunista Vera Rosa, do jornal O Estado de S. Paulo, interlocutores do futuro governo federal avaliam que alguns deles são os mesmos investigados no inquérito das milícias digitais, conduzido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A sindicância investiga indícios de atuação de um grupo organizado para atentar contra a democracia e o Estado Democrático de Direito. 

Dessa vez, a organização empresarial estaria por trás dos criminosos que incendiaram ônibus e carros, formaram barricadas na capital federal, espalhando botijões de gás pelas ruas, além de tentarem invadir o prédio da Polícia Federal e ameaçar a segurança dos cidadãos da zona central de Brasília. Em setembro, a RBA já havia reportado que empresários estavam por trás, por exemplo, da organização dos atos no 7 de setembro. Convocadas pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), as manifestações sequestraram as comemorações pelo bicentenário da independência e se tornaram atos de campanha do então candidato à reeleição. 

Ele acabou, contudo, derrotado nas urnas em outubro. Mas, desde então, seus apoiadores passaram a bloquear ilegalmente estradas federais e a ocupar a frente de quartéis pelo Brasil num ato antidemocrático, que pede intervenção militar. A suspeita é que toda a estrutura também esteja sendo financiada por empresários bolsonaristas. O presidente eleito também acusou Bolsonaro, nesta quarta, de estar por trás das ações de vandalismo que não foram coibidas com rigor pela Polícia Militar do Distrito Federal.

MP questiona a PM  

De acordo com Lula e seus aliados, a corporação poderia ter atuado de maneira mais rígida contra os bolsonaristas diante da violência, horas após a diplomação do petista pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).  Mais de 24 horas dos crimes, até o momento, ninguém foi preso. Também não houve prisões em flagrante. Uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostra que a falta de detenções causou surpresa até na Polícia Civil do DF. Um delegado destacado para acompanhar o caso disse que, por conta dos atos, a corporação se preparou emergencialmente para reforçar as equipes. 

Houve um aumento de agentes nas delegacias. Escrivães também dobraram o horário de expediente para dar conta da demanda que seria provocada pelas prisões realizadas pela PM diante da violência bolsonarista. O que acabou não ocorrendo. A ausência de rigidez também chamou atenção do promotor de Justiça Flávio Augusto Milhomem, da 3ª Promotoria de Justiça Militar do DF. Na tarde desta terça (13), o Ministério Público deu prazo de cinco dias para que o comando da Polícia Militar responda por suas ações. 

A promotoria quer saber quantas pessoas foram presas em flagrante. Assim como o número de policiais que atuaram e o tempo de reação para conter os ataques a partir do conhecimento dos fatos. Ainda segundo a reportagem da Folha, representantes da PF, PM, Civil e bombeiros da capital federal realizaram uma reunião sobre o caso durante a tarde. Na pauta, foram decididos que os danos causados ao prédio da Polícia Federal serão investigados pela própria superintendência da corporação. Já os ataques aos ônibus, veículos e prédios públicos serão apurados pela Polícia Civil. 

Situação dos acampamentos golpistas

Ontem (13), em entrevista à RBA, o advogado criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, alertou que “se não tiver uma providência urgente, com prisões em massa, contra esses fascistas, a situação vai só se agravar”. 

Para aliados de Lula, o terrorismo bolsonarista na segunda não pode ser classificado como de grande potencial. Mas os interlocutores consideram que o sistema de segurança público do Distrito Federal não conseguiu responder à altura. O futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, que acompanha o caso, vem destacando à imprensa que a posse de Lula está garantida. Mas não desconsidera que há uma “situação anômala” no país, em que as instalações militares estão “sitiadas” por um acampamento de golpistas. “Não me recordo que isso tenha sido tolerado no passado pelas Forças Armadas”, observou. 

Os comandantes de unidades militares já se preparam, segundo o jornalista Igor Gielow, para dispersar os atos bolsonaristas em frente a quartéis assim que Lula assumir o cargo, em 1º de janeiro. A desmobilização já é sinalizada por superiores em contato com o futuro ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Apoiadores de Bolsonaro estariam, porém, deixando o QG do Exército para acampar diante do Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República. 

Padre golpista e indígena bancado por fazendeiros

No local, também foi flagrado o padre Genésio Lamunier Ramos, conhecido bolsonarista ligado à Diocese de Anápolis, em Goiás. Vídeos compartilhados em grupos de apoiadores do presidente derrotado mostram o pároco, horas depois dos atos de vandalismo, incitando novos atos golpistas para “parar o Brasil”.

“Todos aqueles, não só caminhoneiros, empresários, todo mundo que puder parar o Brasil e vir para as manifestações, agora é a hora”, diz ele. “Nos grupos, peçam que venham para Brasília, que venham para o QG. Padre, e se for muita gente? Se for muita gente que o QG derrame. Ocupemos todas as ruas de Brasília, o recado está dado. Fomos lá, motivamos o presidente, demos a ele alegria e ele nos deu também”, completa o padre bolsonarista. 

Outro pastor evangélico é também apontado, além de responder como “pivô” das explosões na capital da República. Ele seria o indígena José Acácio Serere Xavante, preso a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) na segunda, após convocar “pessoas armadas” para impedir a diplomação e a posse de Lula. Ainda nesta terça, líderes do povo xavante divulgaram que José Acácio não representa os indígenas da etnia e tão pouco as reivindicações dos povos originários. Ao contrário, o bolsonarista teria sido patrocinado por fazendeiros e empresários de Mato Grosso e tratado equivocadamente como cacique por bolsonaristas “em evidente má-fé no uso da imagem dos xavantes”, destacaram. 

Conivência de Bolsonaro

Uma outra suspeita é o que o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chefiado pelo general da reserva Augusto Heleno, esteja por trás dos atos terroristas. A denúncia, do site da Revista Fórum, leva em conta o depoimento de um servidor da PF lotado na Presidência da República. Se confirmada, o caso poderá ser enquadrado como “terrorismo de estado”, de acordo com o cientista político Cláudio Gonçalves Couto em entrevista à edição desta quarta (14) do Jornal Brasil Atual. De toda forma, conforme pondera o especialista, a situação é uma “gravidade imensa”. 

“E envolvendo o governo deliberadamente nisso é ainda mais grave. Mas mesmo que não envolva, que isso (relator do agente da PF) não se comprove, a gente ainda tem um outro problema que é a omissão e a convivência do atual governo com esses atos. Ou seja, um governo que continua apostando no golpismo, na desestabilização da política nacional para permanecer no poder ainda que às custas da própria democracia. É esse o cenário que estamos vivendo. O governo Bolsonaro está entregando exatamente o que se poderia esperar dele: essa balbúrdia, caos e ataque e desrespeito ao Estado Democrático de Direito”, resume Couto. 

Saiba mais na entrevista 

Redação: Clara Assunção