CPI da Covid

Liberdade de expressão não dá salvo-conduto para crimes, alerta senadora

Ao chamarem de “liberdade de expressão” ataques à ciência e à saúde pública, empresário e senadores bolsonaristas são confrontados por Soraya Thronicke

Roque de Sá/Agência Senado
Roque de Sá/Agência Senado
Senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) confrontou mensagens de Otávio Fakhoury trocadas com Roberto Jefferson sobre “saída plebiscitária” para STJ e STF

São Paulo – A bancada bolsonarista elegeu hoje (30) na CPI da Covid o pretexto da “liberdade de expressão” como justificativa para a disseminação de notícias e informações falsas que dificultaram o combate à pandemia de covid-19. Senadores como Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Melo (PL-SC) ficaram conhecidos por tentar proteger depoentes que participaram de forma sistemática da rede de apoio ao negacionismo do governo de Jair Bolsonaro. E na sessão de hoje reduziram a “questão de opinião” as práticas pela quais é investigado o depoente do dia, o empresário Otávio Fakhoury.

“Não existe meia liberdade. Um ex-presidente da República falou uma asneira. E aí? Vou cercear a liberdade dele? O presidente atual também fala coisas com as quais eu não concordo. Vou cercear a liberdade dele?”, disse Marcos Rogério. Para ele, “excessos” no exercício na liberdade de expressão devem ser punidos na forma da lei, mas a CPI estaria tentando “podar o direito de cidadãos de expressar suas convicções”.

As convicções a que se referiu o senador bolsonarista dizem respeito ao papel do empresário Otávio Fakhoury na disseminação de informação falsas e no financiamento a redes de comunicação pró-Bolsonaro. Práticas que o senador Rogério Carvalho (PT-SE) classificou não como liberdade de expressão, mas como “formação criminosa de opinião contra as normas de saúde”.


Senadores apontam crimes em falas negacionistas de empresário bolsonarista. Fakhoury confirmou à CPI da Covid que fez doações para campanha de Bolsonaro em 2018 e negou envolvimento em venda de vacinas


Crimes de opinião

Jorginho Melo (PL-SC) tentou também reforçar a blindagem aos “crimes de opinião” de Otávio Fakhoury, pois este não deveria, segundo Melo, ser condenado pelas opiniões que emite. “Cada um pode falar absolutamente o que quiser e tem que arcar com sua responsabilidade. A CPI conclui mais um dia de trabalho questionando uma pessoa que tem opinião. Posso não concordar com todas opiniões dele, nem ele com as minhas, mas tem instâncias que vão julgar”, ressaltou.

No entanto, a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS) desmontou a tese da bancada bolsonarista. Soraya exibiu mensagens enviadas por Otávio Fakhoury ao ex-deputado Roberto Jefferson (atualmente preso), em que discutiam uma “saída plebiscitária” para eliminar instituições como Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). “As pessoas não têm ideia da seriedade disso”, alertou a senadora.

Em seguida, Soraya desenhou ainda os limites sociais e legais ao que os aliados do governo chamam de liberdade de expressão. “Em um país democrático, como é o nosso caso, todos temos liberdade de expressão. E parlamentares ainda têm a imunidade parlamentar. Pois bem: isso significa então que eu posso te xingar à vontade? Ou significa que eu posso mentir à vontade sobre você, sobre os senhores, ou sobre qualquer pessoa?”, questionou Soraya. “Isso significa que eu possa assassinar reputação alheia nas redes sociais, ou que eu possa ameaçar a vida de alguém ou sua família? Que eu possa tomar a sua propriedade? Atacar as instituições em nome na liberdade de expressão? Eu tenho a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar, mas eu não tenho um salvo-conduto nas minhas mãos para cometer crime.”


Fabiano Contarato rebate postagem homofóbica: ‘Orientação sexual não define caráter’. Senador pediu à polícia legislativa que apure crime de homofobia praticado pelo empresário bolsonarista Otávio Fakhoury


O empresário da “liberdade de expressão”

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), observou que o relatório final da CPI da Covid está sendo concluído e deve ser apresentado nas próximas semanas. “Mas o Inquérito das Fake News continua, e a CPI das Fake News – que foi interrompida – também será retomada depois”, disse, dirigindo-se ao investigado.

Otávio Oscar Fakhoury tornou-se investigado depois de ser identificado como “maior financiador de disseminação de notícias falsas”, como disse o vice-presidente da CPI da Covid, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Randolfe cita Instituto Força Brasil, Terça Livre e Brasil Paralelo como canais propagadores de tratamento sem eficácia, de aglomeração e de informações mentirosas sobre a pandemia. Os senadores aprovaram a quebra dos sigilos bancário, telefônico, telemático de Fakhoury desde abril de 2020. Com isso, já receberam documentos da Receita Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú Unibanco, Santander e Paypal também encaminharam informações.

Além de alvo na CPI, Oscar Fakhoury é investigado no Inquérito das Fake News, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal (STF). Em junho de 2020, o empresário entrou com um pedido de habeas corpus na Corte para tentar impedir a realização de busca e apreensão no âmbito da investigação. Mas o pedido foi negado pelo relator, ministro Edson Fachin. Em outro pedido de habeas corpus, Fakhoury e outros investigados do Inquérito das Fake News tentaram obter salvo-conduto e declaração da ilicitude das provas produzidas pela investigação. Mas o pedido também foi recusado por Fachin.

O empresário é vice-presidente do Instituto Força Brasil, que aparece nas investigações da CPI como intermediário entre a empresa Davati Medical Supply e o Ministério da Saúde. O presidente do instituto é o tenente-coronel da reserva Helcio Bruno de Almeida, também ouvido pela CPI por ter mantido contato com servidores do ministério.


Leia também


Últimas notícias