Negacionismo

Veto de Bolsonaro: ‘Brigar com a história é tipico de governos autoritários’

Presidente vetou integralmente projeto de lei aprovado pelo Congresso que regulamenta a profissão de historiador

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR
"O apego que os militares têm a esse governo é muito forte e é evidente que o fracasso desse governo – e eles sabem disso – vai afetar a sua imagem. Se é que já não afetou"

São Paulo – O presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente na segunda-feira (27) o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional que regulamenta a profissão de historiador. Segundo o historiador da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Luiz Estevam Fernandes, a decisão causa indignação, mas já era esperada, dado o caráter autoritário e anticientífico do governo.

“Todo governo autoritário tem medo da história”, afirmou Fernandes a Marilu Cabañas e Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quarta-feira (29). O que está por trás dessa decisão de Bolsonaro é o chamado “negacionismo histórico”, acrescentou.

“Temos um presidente da República que nega a ditadura. Que tem uma versão alternativa, por assim dizer. Para quem não é da área, o revisionismo histórico é dizer que certas coisas do passado não foram como demonstram os fatos. Criam uma versão mais doce e edulcorada, que serve para a manutenção de certos privilégios hoje em dia.”

A Associação Nacional de História (Anpuh) repudiou a decisão. “O presidente vetou o projeto por medo e por má fé. Mas a evidência histórica está aí para todo mundo ver. Enquanto milhares de pessoas morrem, o presidente está preocupado em vetar a profissão de historiador, essencial para explicar a história e o emaranhado de tragédias que enfrentamos”, afirma a entidade, em nota.

Currículo

A regulamentação da profissão de historiador, que tramita no Congresso Nacional há mais de uma década, serviria para garantir maior “acuidade” na produção historiográfica brasileira, mas não serviria para evitar em definitivo o movimento revisionista, de acordo com Fernandes.

Ele chama a atenção para decreto do governo Bolsonaro que permite ao Ministério da Educação editar livros didáticos para o ensino infantil e a primeira fase do ensino médio. A burla ao Programa Nacional do Livro Didático, que prevê uma série de critérios para a compra de material didático a ser distribuído nas escolas, permite que as versões “alternativas” defendidas pelo governo adentrem avancem nas estruturas de ensino.

Negacionismo

O revisionismo histórico é uma “indústria” de dimensões mundiais. A mais importante vertente, surgida ainda na década de 1960, negava a existência do Holocausto. As mortes de mais de 6 milhões de judeus pelo regime nazista da Alemanha, antes e durante a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), teriam sido inventadas por uma conspiração sionista, para justificar a criação do estado de Israel.

Por aqui, surgem versões de que o ápice do desenvolvimento social e político no Brasil ocorreu durante o Império (1822-1889). Também dizem que a escravidão teria sido benéfica para os negros. Ou, ainda, que a ditadura não foi assim tão violenta, e teria preservado a democracia diante da ameaça comunista. São formas, segundo o historiador, de desvalorizar a democracia e as lutas republicanas pela conquista de direitos movidas por negros, mulheres e indígenas.

Segundo Fernandes, o revisionismo histórico também se relaciona com discursos anticientíficos em outras áreas. Ele cita o movimento terraplanista, relacionado com uma visão de mundo criacionista. Outro exemplo é o movimento antivacina, que também acredita que as vacinas causam doenças, em vez de salvar vidas.


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