Sob exceção

‘Temos um aparelhamento da Polícia Federal para fins políticos e partidários’, diz Pedro Serrano

Especialista em Direito Constitucional afirma ser cada vez mais evidente desvio de função da PF para perseguição. "Estão criando um imenso problema para a democracia"

Marcelo Camargo/EBC
Marcelo Camargo/EBC
Tentativa de transferência de Lula e divulgação de operação da PF com diálogo que cita ligação do PCC com o PT elucidam "perseguição" da instituição contra o ex-presidente e seu partido, avalia o jurista

São Paulo – As supostas interceptações da Polícia Federal (PF) de conversas de lideranças do PCC que falam em diálogos com o PT, e a tentativa de transferência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o sistema penitenciário comum foram movimentos “abusivos”. Na avaliação do jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em entrevista à Rádio Brasil Atual, o especialista afirma que a instituição age sob efeito político. “Parece-me que a PF está agindo partidariamente”, afirma aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria.

Na sexta-feira (9), o jornal O Estado de S. Paulo e um telejornal da TV Record revelaram parte de uma conversa, vazada pela Polícia Federal, entre líderes do PCC, em que um deles afirma que mantinha “linha de diálogo cabulosa” com o PT.

A matéria chegou a ser reproduzida pelo presidente Jair Bolsonaro para atacar o partido, a despeito das análises de diversos pesquisadores que estudam a facção e desmentiram envolvimento político com a sigla, como o próprio promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) Lincoln Gakiya, que, ao portal UOL, além de negar que o autor da fala seja integrante da cúpula da organização, disse ainda que “não há nenhum indicativo de negociação do governo PT com o PCC”.

Gakiya é o responsável por pedir, no fim do ano passado, as transferências de chefes da facção para o sistema penitenciário federal, ordem atacada pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. “É bom que se diga que os presos não foram transferidos em décadas de governo PSDB em São Paulo”, completou o promotor.

No domingo (11), o PT adiantou que entrará com ações na Justiça contra a divulgação que, para Serrano, tem um caráter de “armação”. “Parece uma tentativa de criar uma novela para encobrir ou reagir ao impacto do que está causando no ambiente nacional os vazamentos da Lava Jato”, explica o jurista com relação às conversas reveladas pelo The Intercept Brasil envolvendo o atual chefe da PF, o ministro Moro, em atuação irregular enquanto era juiz.

Com relação pedido de transferência da prisão de Lula na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba para um presídio comum em São Paulo, o professor diz que o episódio se conecta por indicar uma espécie de “circuito vingativo contra Lula”.

A prisão de Lula

De acordo com Serrano, enquanto a justiça parece cercar o ex-presidente e seu partido, não há qualquer avanço sobre as investigações contra o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), Fabrício Queiroz, por desvio de dinheiro público, ou ainda em relação aos crimes cometidos por autoridades no âmbito da Lava Jato, como indicam as conversas da Vaza Jato.

“Em relação a esse governo nós vivemos uma PF aquietada, ainda agindo com relação aos governos anteriores, mas absolutamente quieta nesse governo”, afirma o jurista acrescentando que a Polícia Federal não pode ser “politicamente partidária, porque qualquer força política que contraria os interesses partidários daquela instituição sofrerá uma perseguição do aparelhamento estatal”.

Dez pontos para entender a gravidade das conversas entre Moro e Dallagnol

A transferência de Lula só foi impedida porque o Supremo Tribunal Federal (STF) acatou a ação da defesa do ex-presidente para que a mudança de carceragem fosse avaliada após o julgamento do pedido de suspeição de Moro sobre o processo da Lava Jato, o que pode absolver Lula das acusações. A expectativa é que a Corte faça o julgamento até o próximo mês.

No domingo, dezenas de juristas estrangeiros lançaram um manifesto pedindo a liberdade do ex-presidente por considerarem que as condenações de Lula não respeitaram o devido processo legal. Para Serrano, as conversas do Intercept reforçam que a prerrogativa de um juízo imparcial foi desrespeitada envolvendo ainda procuradores. “O que os vazamentos trazem é apenas a comprovação, vamos dizer, de que houve ali um mecanismo fraudulento, uma comprovação clara, taxativa, de diálogos, vamos dizer ilícitos, que havia entre Ministério Público e juiz.”

O jurista ressalta que as conversas não podem servir para condenar, mas podem beneficiar os réus da operação. Ainda assim, Serrano destaca que alinhamento político não é exclusivo da PF e lança dúvidas quanto a imparcialidade do sistema judicial brasileiro, como um todo, em relação a Lula. Isso porque, segundo ele, não só a Justiça, mas a própria mídia, foram decisivas para o que considera como “populismo da extrema-direita”, que evoca pela prisão de Lula e faz pressão sobre o Judiciário ainda que se passe por cima da Constituição ou do ordenamento jurídico, “tiranicamente”. “Há um circuito político vingativo e acho que tem uma parte do Supremo influenciada por esse tipo de circuito”.

Confira a entrevista completa de Pedro Serrano