Senso comum

Pacote anticrime de Moro não combate milícias e deve fortalecer facções, diz Freixo

Deputado afirmou que aumento de penas deve levar ao fortalecimento das facções que atuam nos presídios e defendeu o enfrentamento dos poderes econômicos e políticos das milícias

Reprodução/Câmara dos Deputados
Reprodução/Câmara dos Deputados
"Ninguém defende a impunidade. Todos queremos combater o crime organizado, a questão é como", criticou Freixo

São Paulo – O deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) criticou as alterações legislativas previstas no chamado Pacote “anticrime” proposto pelo juiz Sergio Moro. Segundo ele, as mudanças não foram baseadas em estudos e estão repletas de concepções presentes no senso “senso comum”. Com o agravamento das penas para diversos crimes, a consequência direta será o aumento da população carcerária. É justamente onde as facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas arregimentam seus integrantes. Outro “pecado gravíssimo” é equiparar na legislação a atuação dessas facções a das milícias.

“Está errado. Todas essas facções do tráfico se organizam a partir do caos carcerário, da ausência de políticas públicas. A milícia, não. A milícia se organiza no poder. A milícia transforma o domínio territorial em domínio eleitoral. Se não enfrentar a capacidade eleitoral, política e econômica da milícia, não se enfrenta a milícia. Não é com medida penal que vamos enfrentar esses grupos”, afirmou o parlamentar durante audiência pública promovida pelo grupo de trabalho que analisa o pacote de Moro realizada nesta terça-feira (21) na Câmara dos Deputados, em Brasília.

“Não podemos aqui reproduzir o senso comum”, disse Freixo. Ele destacou que a população carcerária brasileira registrou o maior crescimento mundial durante a última década. “E isso diminuiu qual crime?”, questionou. “Essas medidas vão aumentar o crime organizado dentro das prisões. E vão deixar quem não tem a visibilidade armada do crime organizado (as milícias) muito à vontade para continuar crescendo.

Como uma medida efetiva no combate ao crescimento caótico da população carcerária, Freixo sugeriu mudanças na legislação antidrogas. “Porque não se define a quantidade de droga para estabelecer quem é ou não traficante? Para poder, através da subjetividade, dizer que com a mesma quantidade de droga, se for preto, pobre e da favela, é traficante. Se for a mesma quantidade, nas áreas nobres, é usuário.”

Armas

Ele também criticou o decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que flexibilizou o porte e a posse de armas para categorias específicas. Com o aumento de até quatro vezes do poder de fogo de armas permitidas nesses casos, colecionadores, atiradores esportivos e caçadores, além de caminhoneiros e até jornalistas, poderão adquirir fuzis. “É muito grave um decreto de tamanha irresponsabilidade no momento em que se debate o enfrentamento ao crime organizado. Como é que pode, em sã consciência, permitir que um fuzil seja utilizado como instrumento de defesa pessoal? Quem tem a coragem de dizer que isso é medida saudável para a segurança pública?”

Ele afirmou que o decreto de Bolsonaro, além de agradar fatias dos seus eleitores, atende também aos interesses de “financiadores” da campanha do presidente. A fabricante de armas Taurus divulgou inclusive que está pronta para atender tal demanda. A coordenadora do grupo de trabalho que discute o pacote “anticrime”, deputada Margarete Coelho (PP-PI), também criticou. “Fiquei extremamente preocupada quando a Taurus noticiou que já tem 2 mil fuzis disponíveis para entregar aos solicitantes no prazo de três dias. Quem é mãe não dorme depois de uma dessa.”

Especialistas

O pacote de Moro também recebeu críticas de especialistas da área jurídica. Para o doutor em ciência política e mestre em direito penal Fernando Augusto Fernandes, “a legislação proposta não é anticrime”, pois não propõe medidas que aumentem a capacidade de investigação das polícias, concentrando a atenção apenas no aumento de penas. Ele criticou, por exemplo, a inclusão de mais tipos penais a serem tratados como crime hediondo. Lembrou que o estupro não deixou de ser praticado apenas por ser classificado como crime hediondo. Só em 2017, foram mais de 60 mil estupros cometidos, mas apenas 1% dos presos cometeram esse tipo de crime.

Fernandes também afirmou que a proposta de criação de varas coletivas para julgamento de crimes cometidos por organizações criminosas não serve para democratizar o acesso à Justiça, mas como “malandragem” para permitir a execução imediata de sentenças condenatórias ainda na primeira instância, conforme prevê outra alteração prevista no projeto.

Outro a criticar as propostas de Moro foi o advogado especialista em direito constitucional Benedicto Arthur de Figueiredo Neto. Ele afirmou que as propostas apresentadas enfraquecem o direito de defesa, já que essas varas coletivas que atuariam contra organizações criminosas poderiam realizar julgamentos secretos e sigilosos.

Outra proposta do pacote que desloca a competência para a Polícia Federal do combate ao crime de posse ilegal de armas também foi criticada.  Eles não reclamaram do teor da medida, mas apontaram falha técnica no projeto. Segundo os especialistas, essas competências atribuídas hoje às polícias militares estaduais constam na Constituição. Logo, não poderiam sofrer alterações por meio de legislação infraconstitucional, como pretende o ministro.