Entre Vistas

Haddad: ‘Trabalhamos para que o eleitor aperte o 13 na urna e veja a foto do Lula’

Haddad reafirma batalha 'para que a lei seja respeitada'. Fala em desnudar quem quer bloquear a soberania popular, vê PT amadurecido e diz que mídia brasileira pratica censura ao temer regulação

Reprodução/TVT

Fernando Haddad, coordenador do programa de governo do PT foi sabatinado por Juca Kfouri, Mônica Bergamo e Laura Carvalho no ‘Entre Vistas’, da TVT: ‘No Brasil, sempre que o povo pôs a cabeça para fora houve carnificina’

São Paulo – O coordenador do programa de governo do PT, Fernando Haddad, afirma que o partido vai persistir na estratégia da legitimidade e da legalidade que assegura o direito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ser candidato. “Vamos antecipar uma decisão ilegal? Uma decisão que conflita com a jurisprudência dos tribunais, com o texto da lei? Por que antecipar isso? Tem um caráter pedagógico que está claro nas pesquisas de opinião”, rebate, ao ser questionado sobre por que insistir numa candidatura que, na interpretação da jornalista Mônica Bergamo, o Judiciário tende a barrar.

Mônica, ao lado da economista Laura Carvalho, que trabalha no plano de governo do candidato Guilherme Boulos, do Psol, “apertaram” Haddad durante o programa Entre Vistas, da TVT, levado ao ar na noite desta terça-feira (31) e comandado por Juca Kfouri. O ex-ministro da Educação de Lula e Dilma e ex-prefeito de São Paulo foi questionado também por Juca sobre a viabilidade da candidatura de Lula. Em nenhum momento hesitou. “Com sinceridade, não é questão de fé. É questão de se perguntar o porquê de antecipar uma decisão ilegal. Li as mais de 400 páginas da sentença condenatória e não encontrei um parágrafo que justificasse a condenação.”

Questionado sobre as decisões desfavoráveis a Lula, em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro, e em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), Haddad argumentou: “Quando 122 juristas escrevem um livro sem um centavo de honorário, denunciando o casuísmo da sentença… Poxa vida, são professores de direito das melhores escolas do país. Não se faz um Celso Bandeira de Melo assinar uma coisa dessas. Um Dalmo Dalari, um Fábio Comparato. Estamos falando de gente graúda, de quem tem nome, consagrada”, diz.

Ele se refere ao livro Comentários a uma sentença anunciada, que reúne dezenas de juristas que se desdobraram para analisar e desconstruir a sentença proferida por Sérgio Moro que condenou Lula. Baixe o livro clicando aqui. Juca ironizou, ao dizer que se não há provas, “há convicções”. 

Laura, docente de Economia da Universidade de São Paulo (USP), levantou o problema de que, mesmo com uma candidatura viável, as forças que hoje atacam o PT não deixariam o partido governar e reiterou a tentativa de bloqueio judicializado de uma candidatura. “É disso que se trata. Impedir que o PT ganhe de novo as eleições.” Haddad respondeu: “Mais uma razão para querermos saber a razão. O que está por trás disso tudo. Qual o problema com a soberania popular que esse povo tem?”

Mônica Bergamo reforçou o tema. Observou que o PT disputou, ganhou e governou por três vezes “Então, não é que o PT é antissistema e o sistema não vai deixar nunca o PT governar. Depois, ganhando pela quarta vez, ocorreu o que ocorreu e passaram a falar que o sistema não aceita o PT. Quando virou a chave?”

Golpe eterno?

Para Haddad, a esquerda progressista passa por um novo momento no mundo. “O pressuposto da Laura (o impedimento das esquerdas por parte do poder econômico) é de que isso terminou. O meu é que não sei se terminou. É uma pergunta genuína e legítima. Não sabemos exatamente o que está por trás desse movimento todo e até aonde pretendem chegar. Ou seja, a mera suposição de que um candidato anti-establishment ganhe e não tome posse já é algo”. 

Laura ponderou que a crise política pela qual o Brasil perpassa pode ser parte de um todo. “Existe uma crise democrática global, uma percepção de que a globalização tem gerado desigualdade nos países, de que os ajustes fiscais tem gerado desigualdade. E houve uma radicalização interna nos partidos do centro do capitalismo financeiro mundial, como o Jeremy Corbin no Reino Unido, o Bernie Sanders nos Estados Unidos, por uma percepção de que a centro-esquerda foi capturada pelo interesse dos mais ricos e não tem sido capaz de entregar resultados.”

Para Haddad, Bernie Sanders não é produto de um novo partido. “Ele é fruto da revolução do partido Democrata. O Corbin não é revolução de um outro partido, ele é fruto do amadurecimento do trabalhismo inglês. Significa dizer que o PT também pode (amadurecer).”

Segundo ele, o atual programa de governo de Lula reflete esse movimento. “O que estamos propondo nestas eleições é fruto desse processo histórico de amadurecimento. E acho que o PT tem toda essa capacidade de se reciclar à luz do que aconteceu e do que aprendeu. À luz de problemas atávicos que imaginávamos superados e não estavam. Voltaram até com mais força, com mais clareza e transparência.”

Assista à íntegra do Entre Vistas:

Ou leia a transcrição:

Juca Kfouri – Ministro Fernando Haddad, minha primeira pergunta é muito simples. O que é mais difícil quando se faz um programa de governo para o PT? A discussão interna do PT ou o que o mundo externo já bombardeia o programa do PT antes dele ser lançado.
Fernando Haddad: Olha, o PT tem uma vantagem muito grande porque é um partido com uma capilaridade no país, nas universidades, no movimento social, nos movimentos de base, nos sindicatos, que é muito impressionante. Todo mundo quer se ver representado no programa. Não adianta você achar que vai para um gabinete, iluminado, começar a redigir um Brasil diferente, sem ouvir o que as pessoas de fato querem para o próximo período. Então, você aprende demais. É um processo de aprendizado, para quem está formulando, muito grande. E é um exercício de humildade. Você vai com suas ideias, suas concepções, e vai sofrendo as pressões da base, de quem vive o dia a dia do país. Sobre perspectivas completamente diferentes, ai você vai aprendendo que o Brasil não é o que você imaginava. Os problemas são aqueles, mas são outros também. Há outras prioridades, outras hierarquias. Aí o programa vai se moldando.

Como é um processo participativo, não é de gabinete, vaza muita coisa. Vazam ideias e não tem como controlar isso. Aí, vezes ou outra, o mundo externo reage sobre aquilo que está sendo debatido.

Juca – Por exemplo, ontem, na Folha de S.Paulo e no Globo, o colunista Elio Gaspari, que está longe de ser um homem de direita, critica o fato de o PT falar em propor um plebiscito para avaliar as reformas do governo Temer. Diz ele: “Após uma eleição majoritária, chamar um plebiscito, para decidir sobre qualquer coisa, é golpe”. Como reagir a esse argumento?

Haddad: Eu muitas vezes tenho dificuldade de entender os artigos do Gaspari. Não sou um leitor propriamente frequente, nem li esse artigo. Mas vou dar um exemplo. O pré-sal tem uma disputa em relação a ele sobre uma concepção. Entendemos que aquela riqueza deve ser usada de uma maneira, deve ser explorada de uma maneira, usada de uma maneira e o PSDB, que assumiu o comando do país por meio do impeachment, e teve o projeto do Serra aprovado no Congresso, reformulou completamente a forma de explorar e de usar aquela riqueza. Ora, não seria o caso de consultar a população de uma vez por todas e perguntar para o povo quem é o dono da riqueza? Como ele quer que seja a exploração e uso daquela reserva?

Isso é golpe? Se a cada governo formos discutir como vai ser feito, se é por partilha ou concessão, em vez, podemos discutir com a sociedade. Em uma campanha eleitoral você não terá o tempo necessário de explorar todas as especificidades. Então, em uma campanha plebiscitária, tendo um único tema, e com tempo regulamentar para os dois lados, ou três se houver, podemos explicar o que é o pré-sal, como chegamos a ele, o quanto de pesquisa foi feita, como a Petrobras investiu, o quanto os engenheiros se dedicaram. O que é em termos de riqueza, a escala, o quanto podemos atingir de reservas, o quanto isso pode ser explorado, como funciona a partilha, como funciona a concessão. Seria belíssimo se pudéssemos fazer isso.

Mônica Bergamo – Mas isso não é relativo? Foi aprovado um certo modelo e ele é adotado, não. Você precisa ainda passar pelo Congresso. Como seria isso?

Haddad – Você pode fazer por plebiscito ou referendo. Pode aprovar no Congresso e legitimar com um referendo, o que daria para o país um horizonte de longo prazo. Olha, nos próximos anos, não vamos convocar um plebiscito a cada quatro anos. Então, você daria uma estabilidade para o regime. Qualquer seja, de exploração e distribuição da riqueza, consolidado. No que isso é golpe? Consultar a população?

Mônica – É plebiscito a proposta então? Não é referendo? Uma vez consultada a população, como será no Congresso? Eles vão reagir a isso. 

Haddad – O mesmo Congresso que aprovou a convocação de um plebiscito, o que é feito pelo Congresso, com provocação ou não do Executivo, o Congresso chama o plebiscito e não respeita?

Mônica – Pode ser que nem chame. O fato de um presidente querer, ou de um partido querer não significa isso.

Haddad – Eu sei, mas por que o próprio PSDB rejeitaria consultar a população sobre um assunto tão candente? Por que não esclarecer a opinião pública? Já fizemos plebiscitos. Sobre o regime de governo, deu o presidencialismo. Sobre desarmamento. Você ganha ou perde, mas inaugura um processo de democracia participativa.

Não estamos falando de garantias individuais. Aí sim, existe um risco. Você não pode plebiscitar a questão de garantias individuais. Mas não é disso que se trata. Podemos estar falando de R$ 100 bilhões de barris de reserva. Não é o caso de consultar o dono sobre como usar? O que tem isso de golpe? Não consigo nem entender.

Laura – O PT tem uma visão sobre como deveria ser essa utilização? Tem o lado de que nesse debate, qual é a proposta. Às vezes sinto que nesse debate a proposta de plebiscito substitui, muitas vezes, a declaração mais precisa do que será o programa mesmo.

Haddad – Nosso programa é até detalhado demais. Estamos tentando até tirar um pouco do detalhamento para ficar uma coisa mais compreensível para todo mundo. Mas, neste caso, todos sabem qual o pensamento do PT sobre o pré-sal. Vai continuar sendo o mesmo. Mas é o seguinte, ganhamos a eleição, aí muda a lei. Dali quatro anos perdemos. Vamos rever sobre algo tão importante? Não seria o caso de consolidar um entendimento sobre esse patrimônio?

Petrobras, será que não é o caso de consolidar? Todos sabem que o PT defende essa estatal, como a Petrobras, a Eletrobras, como estratégicas. Banco do Brasil e Caixa. Não é o caso de consolidar o entendimento sobre essa questão? Será que a cada quatro anos vamos discutir sempre as mesmas coisas? Vamos tentar avançar a agenda. Então, acho que tem assuntos que o plebiscito ajuda demais. Primeiro, mobiliza, segundo, esclarece, terceiro, consolida uma visão. E não estou fazendo de plebiscito e referendo uma panaceia para todos os problemas do país. Mas acho que sobre muitos aspectos, sobretudo em economia, vale apena testar esse instrumento. 

Juca – Como é estar em um papel que o senhor está? Como coordenador do programa de governo do PT? Pessoa que mais contato tem hoje com o presidente Lula? E, ao mesmo tempo, ser objeto do chamado plano B? Seria o seu nome o nome que o ex-presidente indicaria caso ele não pudesse ser candidato. E ligo com a minha pergunta, porque o ex-secretário da prefeitura Nabil Bonduki, escreveu um artigo para a Folha de S.Paulo defendendo que o PT lançasse imediatamente um candidato. Ele foi alvo de um artigo virulento do cientista político Antônio Lassance, dizendo que ele estava servindo. Como é isso?

Haddad – Tenho a minha visão que, não vou dizer que é consenso no PT, mas é amplamente majoritária. Diante de um impeachment sem crime de responsabilidade, diante de uma prisão inconstitucional, de uma condenação sem provas, abrir mão da candidatura Lula, na minha opinião, é uma postura que não é só politicamente equivocada diante do eleitorado. É eticamente equivocada. Estamos prestando contas para a história. Seria um equívoco a toda prova.

Se houve uma disputa no PT, seria sobre a chapa. De ter ou não uma chapa, mas nunca ninguém discordou de que Lula fosse registrado no dia 15 de agosto e de que nós esgotássemos todos os recursos para garantir sua candidatura. Tanto no TSE, e aí evocando o artigo 16-a do Código Eleitoral, que garante o registro do Lula. Sub judice ou não, não importa, ele tem o direito. E em caso de negativa no TSE, o que contrariaria sua própria jurisprudência, buscar uma liminar no STF.

Sou advogado do Lula. Não sou só amigo, coordenador do programa de governo. Sou advogado do Lula e estou trabalhando no registro da campanha. Vou lutar até o último minuto e espero com êxito, junto do Fernando Neisser, do Pereira (Neisser e Luiz Fernando Casagrande Pereira são advogados especializados em legislação eleitoral), para garantir que Lula esteja na urna em outubro. E quando a pessoa apertar 13, veja ele e a foto dele. Vou lutar porque acredito nisso.

Acho que o Brasil teria uma grande oportunidade de revê-lo na presidência da República. Ele conhece o Brasil como ninguém. O brasileiro que mais conhece o mundo, a geopolítica mundial. Conhece a questão da América Latina, do Cone Sul, a América do Sul, os Brics, a Europa. Veja o prestígio internacional do Lula, a quantidade de apoios que ele vem recebendo. Semana passada, Bernie Sanders, com outros 28 parlamentares norte-americanos. Você não pode abrir mão do Lula.

Mônica – Ministro, o fato de o PT lutar para ter o Lula na urna e você achar tudo isso não significa que o Lula vai estar na urna, correto? Você terá um julgamento no TSE e no Supremo e, qualquer pessoa que tenha informações boas dessas duas cortes sabe que será muito difícil que o TSE deixará ele ser candidato e mesmo que o Supremo dê a ele uma liminar para que ele esteja na urna. Mesmo os ministros que deram habeas corpus para que ele não fosse preso, como o Gilmar Mendes, já se manifestam dizendo que a candidatura é algo, pela Lei da Ficha Suja, inviável. Então ok, vocês vão levar até aonde der e, dia 31 de agosto, começa o programa eleitoral de televisão e aí, se tiver qualquer possibilidade do lula não ir para a televisão, apesar de ter um artigo que garante, mas a caneta não está com vocês, está com os ministros, imaginando que é muito possível que ele não vá para a TV, vai o vice. Ou, então, substitui imediatamente e se nomeie outro candidato. O que o senhor acha que o Lula vai fazer? Vai ter um vice para valer que, na ausência dele na TV fale, com a possibilidade de ser o candidato? Ou ele vai escolher um candidato nesta data, ou vai aparecer um vice que não é muito vice, qual vai ser a opção?

Haddad – Olha, não sei te responder qual será a decisão do Lula sobre esse assunto. O que acho é que o artigo 16-a diz que, enquanto a candidatura dele estiver sub judice, ele tem direito, inclusive, de exercer suas prerrogativas de candidato em relação ao tempo de rádio e TV. Então, a lei é pra valer ou não? Vale para todos menos para ele? Como funciona? 

Testar o sistema jurídico brasileiro de um lado da lei não é provocação. É uma obrigação. Se é expresso na lei eleitoral que, enquanto a candidatura estiver discutida ele tem o direito de estar na televisão e nas rádios, nós vamos abrir mao desse direito? Em nome do que faríamos isso?

Mônica – Em nome de fazer propaganda de um candidato que seria um candidato de verdade.

Haddad – Se o Lula, dia 15, que registra a candidatura, sendo que tem que ter um vice. Até porque acho que depende dos outros partidos. Se aliarem a ele no primeiro turno ou não. Não depende só de uma decisão do PT. Depende de qual o arco de forças que vai se reunir em torno dele. Agora, a decisão vai ser tomada em torno disso. Vamos saber, nos próximos dez dias o que vai acontecer.

Laura –A sociedade vai entender esse vice como um plano B? Ou o PT vai ser capaz de explicar que o vice não seja o plano B e que pode haver substituição de chapa. É um tema complexo para transmitir para os eleitores.

Juca – A Laura fez uma pergunta que vale cinco milhões de dólares. Gostaria que o senhor respondesse.

Haddad – Olha, é uma estratégia arriscada? Acho que ninguém acha o contrário. Ninguém pensa. Mas nos perguntamos o seguinte: tem outra que seja justificável, do ponto de vista moral, do ponto de vista político? Diante do eleitorado, garanto a você que não tem. Perante o cidadão que quer votar no Lula, que o elegeria talvez no primeiro turno, não fosse esse imbróglio todo, não tem outra. Temos que defender a candidatura dele. Temos que estressar, no bom sentido da palavra, porque é o contrário da chicana. Estamos pedindo o cumprimento da lei. Não estamos tentando adiar nada. Veja que, curiosamente, temos seis dos 11 ministros do Supremo que consideram a prisão do Lula inconstitucional. Como isso é possível? 

Mônica – Na verdade são cinco. No habeas corpus foi seis a cinco. Seis considera a tese da prisão em segunda instância ilegal, mas não concederam o habeas corpus.

Haddad – Veja a sutileza do que você está falando. Como foi fruto de uma manobra jurídica. A sutileza é que, em tese, seis ministros do Supremo consideram a prisão apenas com julgamento em segunda instância inconstitucional. E, no caso concreto, disseram que não. Ou seja, em tese é inconstitucional mas, no caso do Lula é constitucional? Como é isso? Eu sou advogado e não consigo entender.

Juca – Eu também não consigo. Estamos de acordo. Mas a questão está posta e está na essência da pergunta. O que está na cabeça de todo mundo, como diria Chico e Caetano, é como acreditar que, na hora H será permitido que Lula seja candidato, com a possibilidade obvia, as pesquisas revelam, de ganhar no primeiro turno, se fizeram tudo que fizeram para encarcerá-lo? Do impeachment da Dilma até a prisão dele. O que faz alguém, por mais crédulo que seja, pensar que é possível ele estar na urna em outubro?

Haddad – Com muita sinceridade, não é questão de fé. É questão de se perguntar por que vamos antecipar uma decisão ilegal? Uma decisão que conflita com a jurisprudência dos tribunais, com o texto da lei. Por que vamos antecipar isso? Tem um caráter pedagógico que está claro nas pesquisas de opinião. Que acertamos na estratégia, não por termos sido teimosos em insistir no Lula, mas, ao fazê-lo, todo esse conjunto de fatos foi explicitando que há algo por trás disso que deve ser analisado pelo eleitor. Não estamos falando de um processo comum, de uma ponderação comum. Tive a paciência de ler as 400 páginas da sentença condenatória e não consegui encontrar um parágrafo que justificasse a condenação. 

Mônica – Mas os três desembargadores do TRF4 encontraram. É complexo, por que parece que não têm mais instituições, acabaram. Não vai dar para mudar isso.

Haddad – Mas é que o acórdão não dialoga com a sentença. É como se fosse um acórdão de outro processo. Não dialoga com a sentença, tamanha fragilidade da sentença. Tem algumas sutilezas desse processo, por exemplo, o crime de lavagem de dinheiro. Criaram a figura do corruptor laranja. O corruptor que mantém a propina consigo. Como lava dinheiro em um contexto disso? Geralmente, a lavagem de dinheiro, o corruptor pagou, você usou um terceiro para dar aparência de legitimidade. Agora, manter a propina consigo, aonde está a lavagem? Por que a lavagem era importante? Para aumentar a pena? Por que aumentar a pena era importante? Para não deixar prescrever. Bom, isso parece uma engenharia reversa. Qual é meu objetivo? Não deixar prescrever, aí eu reinterpreto todo o direito penal, à luz dos meus objetivos finais. 

É isso que as pessoas estão vendo. Quando 122 juristas escrevem um livro sem um centavo de honorário, denunciando o casuísmo da sentença. Poxa vida, são professores de direito das melhores escolas do país. Não se faz um Celso Bandeira de Melo assinar uma coisa dessas. Um Dalmo Dalari, um Fábio Comparato. Estamos falando de gente graúda, de quente quem tem nome, consagrada.

Juca – Mas há convicções.

Haddad – Há convicções, há power point.

Laura – Diante disso, precisa ter uma compreensão da sociedade de que há uma perseguição política, de que a Justiça não é simétrica para os dois lados no sentido eleitoral. Será que, no caso de que o Lula não possa estar com o nome dele nas urnas e que venha uma outra candidatura do PT. Será que essas eleições elas continuaram valendo? Tipo, e se o PT vence as eleições no segundo turno? O que esperamos? As instituições que já tiveram rupturas democráticas em 2016? Elas fazem o que neste cenário? Está valendo o processo eleitoral?  Vai sair um vencedor e o sistema aceitará?

Juca – Na origem dessa questão, em última análise, se amanhã Lula indicar alguém como candidato, não haverá, imediatamente, um processo judicial para impedir que esse cidadão seja candidato? Porque é disso que se trata. Impedir que o PT ganhe de novo as eleições.

Haddad – A pergunta pode ser reformulada da seguinte maneira: da mesma forma como vocês estão levando até as últimas consequências a candidatura Lula, eles podem levar até as últimas consequências não deixar o PT ser candidato. Um golpe eterno. Não é um golpe na Dilma, nem no Lula. É na democracia.

Bom, se esse for o caso, mais uma razão para querermos saber a razão. O que está por trás disso tudo. Qual o problema com a soberania popular que esse povo tem? 

Mônica – Se é que o que ela está falando pode acontecer, qual foi a chave que virou? No fundo, o PT disputou e ganhou. Disputou de novo, ganhou e governou. Com Lula, com a Dilma. Então, não é que o PT é antissistema e o sistema não vai deixar nunca o PT governar. Depois, ganhando pela quarta vez, ocorreu o que ocorreu e passaram a falar que o sistema não aceita o PT. Mas o PT governou por anos. Quando virou a chave?

Haddad – O pressuposto da Laura é de que isso terminou. O meu é que não sei se terminou. É uma pergunta genuína e legítima. Não sabemos exatamente o que está por trás desse movimento todo e até aonde pretendem chegar. Ou seja, a mera suposição de que um candidato anti-establishment ganhe e não tome posse já é algo. Só essa inquietação, vindo de uma professora da qualidade da Laura preocupa. 

Laura – Não é anti-establishment. Tem um lado de que a Mônica colocou.

Haddad – Então, mais grave ainda. Se não é, mais grave ainda.

Juca – Teria sido porque, enfim, no segundo governo Dilma e no quarto do PT houve uma crise econômica no Brasil e aqueles que ganharam muito durante 13 anos de PT deixaram de ganhar e aí não interessa mais? Pergunto isso para perguntar em seguida a inquietação da Febraban. Li que haverá um encontro da Febraban com a coordenação da campanha do PT. A crise é a mudança da chavinha?

Haddad – Fico feliz que os bancos estejam preocupados. Porque, efetivamente, não vamos modernizar a economia brasileira com o sistema de crédito atual. Não há crédito no Brasil. As pessoas vão ao banco arrastadas porque não têm outra opção. Em geral, no mundo desenvolvido, você vai ao banco quando tem uma grande ideia, quando quer empreender, quando quer mudar o tempo de pagamento da casa própria ou de uma mobília nova para casa. Aqui, você só vai em último caso. Quando está enforcado. Isso tem que mudar. Nossa proposta é obvia, que é introduzir a progressividade da tributação.

Significa dizer o seguinte: “Vocês vão tributar mais e os bancos vão cobrar mais spread? Não é verdade. Se você manter o nível de tributação, favorecendo quem cobra menos e desfavorecendo quem cobra mais juros, você força o spread para baixo. É obvio, o banco é maximizador de lucro. Você dá um incentivo para abaixar o spread e penaliza o aumento.

Juca – O que é spread?

Haddad – É a diferença entre o custo de captar dinheiro e o custo de emprestar. O banco faz a intermediação financeira. Ele compra crédito e vende crédito. Ele vende a diferença, que chama spread. No Brasil, essa diferença é uma coisa absurda, assombrosa, o segundo maior do mundo. Vamos intervir no mercado. São só cinco bancos que detêm 80% dos empréstimos. Vamos intervir no mercado. 

Intervir, as pessoas falam: “É intervencionista estatal”. Não, o Estado existe para regular mercados concentrados. O Estado existe para isso. Inclusive, a doutrina liberal recomenda a intervenção estatal quando há oligopólio ou monopólio. Então, vamos introduzir a progressividade para forçar os bancos a abaixar o spread.

Juca – Isso não é uma revanche porque hoje é sabido que o capital financeiro tem tudo a ver com o impeachment da Dilma?

Haddad – A equipe de economistas que formulou essa proposta não estava com nenhum espírito revanchista, apenas queria reverter essa distorção. Achamos a fórmula. Hoje, conversei com o Ilan Goldfarb, presidente do Bacen, sobre cenários. Discutimos, inclusive, essa ideia. Vamos ter uma agenda pesada no governo de mobilizar as forças do país em torno da geração de emprego por meio do crédito. É o que se faz no mundo desenvolvido. Com esse sistema bancário não dá. Então, vamos introduzir estímulos econômicos, por lei, que vão fazer o spread cair e o crédito ser democratizado.  

Mônica – O senhor fala dessa coisa do banco e vem a pergunta: por que não fizeram antes? Se ficaram vários anos no governo? Aí eu queria introduzir um segundo assunto que é muito célebre já, que é a regulação econômica da mídia e etc. O senhor coloca, ao menos nas entrevistas, como ponto importante do governo. O PT não apareceu hoje, não é nada novo para os brasileiros, e ele vem falando há bastante tempo disso, da democratização da mídia. É uma proposta antiga. Mas no entanto, quando o Lula se elegeu, me recordo disso, a primeira coisa que ele fez, que não foi algo trivial, foi ir na bancada do Jornal Nacional dar entrevista. Foi o primeiro veículo de imprensa que ele foi. Sabemos que quando falamos em regulação da mídia falamos em TV Globo, que é o grande grupo e grande conglomerado de mídia brasileiro, embora não só. Me recordo que estava em um restaurante de Brasília que todos os políticos iam e fui cobrir a posse. Vi o José Dirceu conversando com um diretor da Globo e falando que ele estaria com o Palocci para conversar. Na minha cabeça pensei que esse negócio de regulamentação da mídia não ia vingar. Como acreditar que vão fazer isso agora se, no primeiro dia de governo eleito deram esses sinais e, passados vários anos, inclusive, a presidente Dilma tinha a famosa frase que a regulação da mídia era no controle remoto. Simplificou bem essa questão. Dá para acreditar que vocês vão fazer isso, ainda mais em condições adversas?

Haddad – 
Eu acredito justamente que as condições adversas vão ajudar. Quando está tudo muito bom, você não mexe em alguns vespeiros. Por que você vai mexer com mídia, sistema político? Está todo mundo ganhando dinheiro, 4% de crescimento ao ano, salário mínimo crescendo 70% acima da inflação.

Se você olhar para a história dos países mais desenvolvidos, sou professor de Ciência Política e sei dos tropeços dos países que são, hoje, admirados. Quem conhece a história da França do século 19, sabe que aquilo era uma barafunda. Mas, precisa voltar 200 anos para entender o que aconteceu ali. A França não nasceu desenvolvida. Eles estão na quinta república. Teve ocupação nazista, império, restauração monárquica. Teve muito tropeço para a França ser o que é. Teve muito tropeço para os Estados Unidos serem o que são. Não nasceram da independência das 13 colônias. Nasceram de uma guerra civil no caminho que quase acabou com o país, tendo como tema central, um dos, a escravidão. 

Então, a história não é linear, não é retilínea. Ela é cheia de surpresas. Acho que essa crise, do jeito que ela se estabeleceu, abre oportunidade de debater profundamente as raízes da nossa desigualdade, do nosso atraso. Então, por que não usar a crise para dar um salto qualitativo? Sabemos que temos problemas estruturais que não mexemos há muito tempo. Mas ué. Você está governando com 70%, 80% de aprovação, você vai tocando. 

Laura – Se você tem uma alta popularidade e tem um objetivo que é fazer uma transformação social profunda no Brasil, será que não era a hora de fazer uma reforma tributária progressiva e enfrentar esses interesses? E não em um momento em que você sabe que as questões eleitorais estão adversas?

Juca – Você acredita que faltou uma ruptura, de que uma guerra civil, talvez fizesse o Brasil ser um país mais justo do que é hoje? De novo, uma pergunta que merece uma explicação profunda.

Haddad – Quando você está no governo, você vai pensando o seguinte: o time que estou representando, assim, você governa para o país, mas sabe que Lula chegou lá para governar para os de baixo, para os trabalhadores, para os desempregados, do pau de arara. Esse time está ascendendo? Quem está mais embaixo está ascendendo? Está conseguindo ter acesso a energia elétrica? À universidade, ao crédito consignado, às cisternas, à terra, à casa própria? Você faz uma conta dos enfrentamentos que você vai tendo e vai vendo se está dando resultado.

Então, tem uma análise de custo-benefício no seguinte sentido: você tem que colocar pressão para obter o maior ganho para aqueles que estão mais fragilizados. A conta das brigas que você compra segue esse cálculo. Você faz essa conta. Você não vai conseguir comprar todas as brigas então, escolhe as brigas a comprar. 

O Lula encontrou uma situação em que o espaço orçamentário para o pobre era tão pequeno, que bastou abrir o orçamento para que eles entrassem, como ele diz, que a vida começou a melhorar muito significativamente. 

Laura – Quando o cenário passou a ser desfavorável, quando deixamos de ter o crescimento que tinha…

Haddad – Concordamos nisso. Quando a coisa começou a apertar. No pós 2008, não começou muito bem. Em 2011 tivemos um freio que já não começamos bem. Mas tudo bem, primeiro ano de governo Dilma, vamos dizer que todos fazem isso no primeiro no de governo e ninguém entendeu muito os sinais. Mas, eu leio os textos da Laura, e entendo que o governo comprou uma agenda que não era propriamente dele.

Comprou uma agenda que vou citar exemplos. A agenda da energia elétrica do Skaff. A agenda do Simples do Afiff. Essas agendas sobrecarregaram o orçamento federal com uma pauta que não era a que estávamos carregando até ali. Começamos a sinalizar para o outro lado com medidas e, o mais curioso, é que, apesar da Dilma ter feito enorme esforço para atender o pleito da micro e pequena empresa, do Afif, do Skaff, foram esses mesmos que ajudaram a desestabilizar o governo. 

Então, olha o que aconteceu de louco nesse país. A presidenta fez um gesto, na minha opinião, além do que poderia, porque estressou o orçamento, além da rigidez, do resultado e…

Juca – Mas, desculpa interromper, tenho ouvido há um tempo que quem inventou a luta de classes foi o PT. Agora, estou entendendo que o próprio PT não sabia que existia?

Haddad – Esse aceno que foi feito, o que a equipe econômica tinha em mente? Tinha a ideia de que as desonerações iam compensar a apreciação cambial. Uma ideia que se provou equivocada. Ninguém contratou um trabalhador a mais no setor de serviço, calçado, moveleiro. Nada disso.

Mônica – Mas a microempresa e as MEIs sustentaram o emprego até o finzinho. Quando começou o desemprego, elas que sustentaram. Não foram decisões totalmente erradas. 

Haddad – A Dilma foi reeleita porque ela realmente manteve o emprego. Ela terminou 2014 com a menor taxa de desemprego da série histórica. Então, não estou dizendo que não teve efeitos. Mas o fato é que o orçamento começou a ser vulnerável com uma agenda que veio de fora. No caso das MEIs, o PT sempre defendeu. Mas vamos combinar que o sarrafo do Simples é cinco vezes maior que o Simples inglês, por exemplo. Lá, o Simples tem uma linha de corte muito menor do que aqui. Então, começamos a colocar no nosso sistema tributário um conjunto de benefícios que não era mais da pequena e média empresa geradora de empregos, ou no micro empreendedor individual, do trabalhador autônomo. 

Juca – A Inglaterra serve de exemplo também para pensar a lei de mídia?

Haddad – Sim, tenho dito isso. A imprensa tem feito esse carnaval mas, primeiro, quem entrou no STF para tirar sites mantidos por agências internacionais no ar, foi um grupo controlado por jornais locais. Existe uma ADI pedindo para que o El País, BBC e The Intercept, que são publicados em português, para que vendam 70% do capital ou saiam do ar, invocando a lei da propriedade nacional. Esses são censores. Os nossos barões da comunicação são os verdadeiros censores e acho que o cidadão comum não sabe disso. Eles buscam censurar.

Eu sento com qualquer um para discutir. Se a situação for sentar com o Murilo Portugal da Febraban, eu vou. É um brasileiro, eu também. Podemos divergir, mas temos que baixar a taxa de juros para o consumidor final e para o empresário. Agora, por que a legislação (da mídia) da França, da Inglaterra, de Portugal, dos Estados Unidos, não podem servir de referência no Brasil? Que mal vai fazer evitar que políticos controle meios de comunicação? Evitar a verticalização que impede diversidade? 

A legislação da França vai causar mal ao país? Eles não são o berço da democracia? A Inglaterra também? Os Estados Unidos? Falamos das três revoluções burguesas mais avançadas do mundo. Não podemos levar em consideração essa legislação para dialogar com os barões da imprensa do Brasil? Por que somo bolivarianos, intervencionistas, se queremos uma regularização pela pluralidade, pela vertente mais liberalizante das vozes, da dissonância, do contraditório? Qual o problema disso? Até quando vamos mentir para a população? Ninguém pode falar desse aparato que está violando.

Mônica – Lembrando sempre que sua presidente Dilma abortou esse debate. Entrevistei o Lula em 2006 e ele disse que não podia ir para o Maranhão falar sobre isso. Mas não estava falando sobre o Maranhão. Estamos falando também, mas não só. Ele limitava a questão.

Haddad – É isso, as rádios comunitárias estão pedindo migalhas para a gente e não damos. 

Laura – Voltando para a luta de classes, falamos de Reino Unido, foi citado o Bernie Sanders. Existe uma crise democrática global, uma percepção de que a globalização tem gerado desigualdade nos países, de que os ajustes fiscais têm gerado desigualdade. E houve uma radicalização interna nos partidos do centro do capitalismo financeiro mundial, omo o Jeremy Corbin no Reino Unido, o Bernie Sanders nos Estados Unidos, por uma percepção de que a centro-esquerda foi capturada pelo interesse dos mais ricos e não tem sido capaz de entregar resultados. Claro que a América Latina tem uma história diferente, aonde em um boom de commodities foi possível fazer essa distribuição na base da pirâmide, sem enfrentar o topo, mas você enxerga, dentro do PT, uma possibilidade de mudança dentro do programa, que parece ser se colocar como anti-establishment. Me parece que o PT ainda acredita em um certo pragmatismo de que a conciliação deu certo, apesar do tanto que discutimos até aqui.

Haddad – Você deu bons exemplos. O Bernie Sanders não é produto de um novo partido. Ele é fruto da revolução do partido Democrata. O Corbin não é revolução de um outro partido, ele é fruto do amadurecimento do trabalhismo inglês. Significa dizer que o PT também pode. 

Laura – Pode, mas não vejo acontecer.

Haddad – Está aí um plano de governo dessa reflexão mais madura. O que estamos propondo nestas eleições é fruto desse processo histórico de amadurecimento. E acho que o PT tem toda essa capacidade de se reciclar à luz do que aconteceu e do que aprendeu. À luz de problemas atávicos que imaginávamos superados e não estavam. Voltaram até com mais força, com mais clareza e transparência. As pessoas acham que Bolsonaro é algo novo, mas não. É a expressão nova de algo do Brasil colônia. Talvez tenhamos nos iludido com 16 anos de aparente normalidade de FHC e Lula do ponto de vista democrático.  

Mônica – Pensaram estar superado. O Juca falou de luta de classes e revolução mas, o André Singer, nosso colega, em seus livros estudando o lulismo, diz que o PT esbarrou no povo, que a população brasileira mais vulnerável quer um governo que a beneficie mas não quer um Estado que vá para a porrada pois sabe que será a primeira a ser prejudicada. Então, a base social do Lula não quer ir para a briga, quer ir para a conciliação. Como vê isso?

Haddad – Temos um histórico que dá razão ao André. Nossa independência foi de cima para baixo, a abolição da escravidão foi também, a República foi de cima para baixo. Os momentos em que, em outros países, foram de ruptura, guerras civis, conflitos armados, aqui, sempre foram decisões de cúpula. Passamos por uma monarquia para chegar à República. O filho do rei assumiu o protagonismo da independência. A escravidão foi abolida por uma princesa que estava à frente do Império em uma viagem do imperador. A República foi um golpe militar.

Então, do que estamos falando? O Brasil não é para principiantes. A violência é muito grande. Não é que o povo não tentou se insurgir. Mas toda vez que tentou, não é que levou a pior, ele desapareceu. Foram genocídios. Canudos, Contestado. Para onde olhar, o que o Floriano fez em Florianopolis com os gaúchos. É carnificina. Toda vez que o povo colocou a cabeça para fora foram carnificinas. É um país muito violento, muito mais do que imaginamos. 

Quando vemos as estatísticas de homicídios, 63 mil mortos, naturalizamos como algo ruim. Mas é uma média cidade brasileira que sumiu.

Laura – Mas e aí? Não tem jeito?

Haddad: Jeito tem. O grande mérito do Lula é que ele vinha de uma tradição sindical não pelega. Negociava duro. Sabia a hora de sair de uma greve, de entrar em uma greve. Uma pessoa que sempre teve um grande instinto político. Talvez o maior do Brasil. E, naquelas oportunidades, soube negociar ganhos para aqueles que ele representou. 

Estamos em um momento em que essa negociação vai ser mais dura, em virtude das circunstâncias. O que o governo Temer representa? Um ajuste em cima dos de baixo. Tem que fazer ajuste e quem vai pagar a conta são os de baixo. Não pensa nada que afete o andar de cima. Acho que uma vitória do Lula vai implicar uma reformulação disso. Tem uma crise, tem que reformular… Espera aí. Tem gente aqui. 

Não acredito em ruptura institucional, se aproveitarmos o ensejo da eleição para tentar trazer as instituições para uma normalidade que não existe mais. Temos que ter uma agenda de Estado. Mas, do ponto de vista de governo, teremos um governo que vai saber negociar os termos para a superação da crise. 

Juca O senhor é a pessoa que mais tem estado com Lula. Que Lula o senhor tem visto na cela da PF em Curitiba, onde está injustamente colocado?

Haddad – 
Muito francamente, acho que Lula é uma pessoa machucada hoje pelo que estão fazendo. Não tem como negar que ele sente os pesos das decisões que estão sendo tomadas contra ele. Sente na carne. A família está afetada, ele está afetado, a esposa faleceu. Tudo se desarranjou. 

Mas é uma pessoa que reage a tudo isso de uma forma que nunca vi. Por uma fração do que ele está passando, qualquer cidadão estaria muito deprimido. Lula não demonstra nenhuma depressão. Ele demonstra indignação, inconformismo, diz que às vezes acorda e olha para as paredes e não entende o que está fazendo lá. Ele diz isso. Mas é uma pessoa que tem consciência histórica. Isso ajuda demais. 

Um, a consciência histórica, do momento que ele está vivendo. Dois, sem dúvida nenhuma, a solidariedade. O que ele recebe ali de energia positiva ele multiplica.

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