Jogos Olímpicos

‘Eu sempre vejo uma luz no fim do túnel’, diz Juca Kfouri sobre o Brasil

Para jornalista, elite sabota o sistema educacional do país, vaias a atletas na Olimpíada são algo 'indesculpável' e ataques a Joanna Maranhão caracterizam 'o homem dessa elite no Brasil'

Pedro França/Agência Senado

Juca: ‘Nosso sistema educacional é o que é porque é uma maneira que a elite encontra para subjugar a população’

São Paulo – Como não poderia deixar de ser, o jornalista Juca Kfouri está no Rio de Janeiro, onde ocorrem os Jogos Olímpicos, evento cuja realização ele considera prematura no Brasil de 2016. “Vejo como uma Olimpíada que não estava ainda na hora de o Brasil fazer, porque uma Olimpíada deve coroar uma política de esportes e o Brasil não tem uma política de esportes até hoje, aos 516 anos”, disse em entrevista à RBA.

O jornalista afirma que encara os Jogos com uma “sensação ambígua”. A ambiguidade, segundo ele, tem a ver com os contrastes: “No caminho para a Cidade Olímpica, você se depara com um Brasil que é a cara do Brasil, muito diferente da zona sul do Rio de Janeiro”.

Ex-diretor de redação da lendária revista Placar, Juca diz que o comportamento dos jogadores e atletas brasileiros, muitos dos quais professam seitas neopentecostais e demonstram total despreparo intelectual, é um reflexo da educação no país. “Não é uma questão que se resuma, infelizmente, ao esporte, aos nossos atletas. É fruto de um sistema educacional abafado pela elite brasileira. Não é à toa que nosso sistema educacional é o que é, porque é uma maneira que a elite encontra para subjugar a maioria da população”, afirma.

Em outro sentido, a falta de educação é um grave problema da própria elite que tem dinheiro para ir a arenas e estádios, diz Juca, como demonstrou ao vaiar o atleta francês Renaud Lavillenie, enquanto este disputava a medalha de ouro com o brasileiro Thiago Braz, na terça-feira (16). Segundo ele, tal comportamento se relaciona diretamente com as ofensas dirigidas a Dilma Rousseff na abertura da Copa do Mundo, em 2014. “Na abertura da Copa, diante de sei lá quantos chefes de Estado, uma presidente eleita, legítima, mandaram ela tomar no cu. Você quer mais o quê?”

No contexto olímpico, as agressões à nadadora Joanna Maranhão, incluindo a “torcida” para que fosse estuprada, são “o sintoma mais claro da intolerância a que nós chegamos”, diz. “Sintoma desta coisa machista, homofóbica, misógina, que caracteriza o homem de elite no Brasil”, afirma Juca, um dos únicos do chamado jornalismo esportivo que poderia citar em uma rápida entrevista o filósofo Antonio Gramsci (1891-1937), membro-fundador e secretário-geral do Partido Comunista da Itália.

Como você contextualiza a Olimpíada no Brasil de hoje?

Com uma sensação ambígua. É uma festa que, tenho certeza, o Rio de Janeiro jamais esquecerá, com os problemas brasileiros que não adianta a gente querer esconder, porque eles existem e são visíveis. No caminho para a Cidade Olímpica, você se depara com um Brasil que é a cara do Brasil, muito diferente da zona sul do Rio de Janeiro. Mas, enfim, na minha maneira de ver as coisas, vejo como uma Olimpíada que não estava ainda na hora de o Brasil fazer, porque uma Olimpíada deve coroar uma política de esportes e o Brasil não tem uma política de esportes até hoje, aos 516 anos. Não é nem sequer capaz de tratar o esporte como um fator de saúde pública. Mas é indiscutível, inegável que é uma festa. O carioca não vai esquecer nunca mais.

Nesse sentido de o Brasil não ter uma política de esportes, como você compara, por exemplo no futebol, os jogadores brasileiros, muitos dos quais neopentecostais e sem preparo intelectual algum, com os alemães e os uruguaios da seleção de Óscar Tabárez, que são preparados em todos os sentidos?

Aí não é uma questão que se resuma, infelizmente, ao esporte, aos nossos atletas. É fruto de um sistema educacional abafado pela elite brasileira. Não é à toa que nosso sistema educacional é o que é, porque é uma maneira que a elite encontra para subjugar a maioria da população. Não interessa à elite que os excluídos se eduquem. E todos os esforços feitos nos últimos anos nesse sentido acabam sabotados. Estamos vendo o tamanho da sabotagem.

Os ataques a Joanna Maranhão são sintoma do ódio disseminado nos últimos tempos no país, na sua opinião?

É o sintoma mais claro da intolerância a que nós chegamos, infelizmente. Desta coisa machista, homofóbica, misógina, que caracteriza o homem dessa elite no Brasil. O cara que tem acesso às redes sociais e se aproveita do anonimato para fazer esses ataques covardes a uma mulher como ela.

E as vaias a atletas estrangeiros, como no caso do francês, podem ser vistas como uma coisa simplesmente de torcedor?

Não. É outro fruto da falta de educação. O que se fez com o francês que concorreu no salto com vara é absolutamente indesculpável. Você vaiar um atleta na hora em que ele está concentrado para competir, ou no pódio, não há o que justifique. Uma coisa é você torcer para o seu, outra coisa é você tentar desequilibrar o adversário. Num campo de futebol, isso faz parte. No atletismo, na natação, na ginástica, não faz. Mas, de novo: quem está assistindo a Olimpíada (nos estádios)? É quem tem dinheiro para pagar. Que é intolerante e mal educado. É grosseiro. E cometeu-se uma grosseria com o francês, não tenho dúvida nenhuma.

Dá para relacionar esse comportamento com o que foi dirigido a Dilma Rousseff na Copa do Mundo?

É claro. Na abertura da Copa do Mundo, diante de sei lá quantos chefes de Estado, uma presidente eleita, legítima, mandaram ela tomar no cu. Você quer mais o quê? Nesse particular, aliás, o povo carioca foi mais educado do que o povo paulista. No Maracanã, na abertura, limitou-se a um “fora ,Temer”, mas não mandou tomar no cu.

No contexto atual, com tudo que a gente está vendo no país, você vê alguma luz no fim do túnel?

Eu sempre vejo uma luz no fim do túnel. É a coisa gramsciana: pessimista na análise, otimista na ação. Se eu não acreditasse que o Brasil pode mudar para melhor e ser um país mais justo, eu já tinha desistido de ser jornalista e ia fazer coisas que dão mais dinheiro. Mas eu acredito que são etapas. Nós temos ainda muito a fazer. Temos que fazer um sistema educacional que esteja à altura das necessidades do Brasil. E temos que ter uma política de esportes que, antes de mais nada, pense em saúde pública, não em fazer campeões.

Raramente um jornalista esportivo citaria Gramsci. Na sua opinião, Gramsci continua atual?

Não tenho a menor dúvida. Eu acho que dos autores marxistas ele é dos mais atuais.

Por quê?

Porque ele foi um cara capaz de compreender as mudanças que aconteceram em função da prevalência do sistema capitalista, foi capaz de entender o papel das religiões, embora eu seja absolutamente descrente, e entendeu a sociedade moderna capaz de dar um passo adiante na teoria marxista, no sentido de um entendimento do que seja uma sociedade moderna. Não é à toa que o PCI foi certamente o partido comunista mais avançado de todos os partidos comunistas do mundo.

Você concorda com quem torce contra o Brasil ou a seleção brasileira?

Não. Não porque eu não acredito no quanto pior, melhor. Eu acho que quanto pior, pior. Uma coisa é a disputa esportiva. Outra é a questão política. Eu não acho que o fato de o Brasil ir mal em qualquer competição necessariamente mudará o sistema político. Não é por aí.

Mas é difícil torcer para a CBF, não?

Eu não torço para a CBF. Eu torço por Neymar, por Luan, por Gabriel Jesus. Eu torço por nossos jogadores. Eu esqueço a CBF.

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