ajuste fiscal

Para oposição, medidas de Temer são ‘elitistas, irresponsáveis e retrógradas’

Deputados e senadores julgam “absurdas” medidas propostas pelo presidente interino. Os apoiadores dizem que são necessárias para conter a crise, mas não apresentaram argumentos técnicos

Jane de Araújo/Agência Senado

Vanessa: ‘É isso que esse presidente interino, que não teve um único voto, está fazendo: trabalhando contra as famílias brasileiras”

Brasília – Senadores e deputados repercutiram durante toda a tarde as medidas econômicas anunciadas hoje (24) pelo governo interino de Michel Temer e seu provável impacto. Opositores fizeram críticas isoladas a cada uma das sete medidas, que consideraram, em sua maioria, um retrocesso para o país. E foram rebatidos com poucos argumentos técnicos e justificativas de que “é preciso melhorar a economia”. “Melhorar o país como um todo é uma coisa, mas nossa obrigação é fazer isso com responsabilidade”, disse a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

Uma das mais enfáticas na crítica às medidas, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) afirmou ser mais grave dentre as sete iniciativas anunciadas (a maior parte ainda dependente de apreciação pelo Congresso), a que limita os gastos públicos até o limite da inflação.

“Significa dizer que não haverá mais aumento salarial para os servidores públicos, não haverá mais contratações, não haverá mais aumento de beneficiários do Bolsa Família e não haverá reajuste do Bolsa Família. É isso que esse presidente interino, que não teve um único voto, está fazendo: trabalhando contra as famílias brasileiras”, disse a parlamentar.

Segundo Vanessa, o que pretendem fazer na reforma da Previdência (objeto de um grupo de estudo pelos próximos 30 dias) não é apenas alterar as regras sobre idade mínima para aposentadoria, mas “retirar conquistas das mulheres trabalhadoras, que historicamente se aposentam antes dos homens, porque todos sabem que realizam uma tripla jornada”.

O deputado Jorge Solla (PT-BA) comentou possíveis resultados negativos a serem observados no Sistema Único de Saúde (SUS) com o anúncio de que o Executivo encaminhará Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para limitar ao índice da inflação o crescimento dos gastos em Saúde e Educação. Para o deputado, a medida representará, “inevitavelmente”, mais unidades de saúde fechando as portas. “É a materialização da redução do SUS que o ministro da Saúde propôs na semana passada e, depois, envergonhado, fez de conta que recuaria”, disse.

Sufoco para a Saúde

Solla afirmou que a inflação dos custos da saúde tem sido há mais de uma década superior ao índice de inflação geral da economia (IPCA foi de 10,6%), principalmente em razão de o setor necessitar de incorporação tecnológica constante, nos equipamentos, fármacos e especialização da mão de obra – o que se reflete nos custos. “Temos uma tabela do SUS que precisa ser reajustada, mas essa PEC segue no caminho contrário, de sufocar completamente o SUS”, disse, acrescentando que, se a PEC passar no Congresso, “quem mais sofrerá será a fatia mais pobre da população”.

Gleisi Hoffmann avaliou as medidas como “uma catástrofe para sociedade”. “Menos para a elite rentista, preguiçosa e escravagista que ainda há no Brasil”, completou a senadora. Sua maior crítica é relativa à decisão do Executivo de acabar com o Fundo Soberano (fundo criado para receber recursos da exploração do pré-sal, cujo saldo atual é de R$ 2 bilhões, e que tinha como objetivo destinar recursos para a Educação).

“Esse dinheiro veio do pré-sal e ficaria no fundo para mais adiante seguir para investimento em Educação. Não vai mais. Pior, esses R$ 2 bilhões que estão aplicados em sua maior parte, em ações de Banco do Brasil, serão colocados no prego, ou seja, as ações serão vendidas. Na prática, não é o pobre e ninguém da classe média que vai comprar as ações do BB referentes ao Fundo Soberano. Serão os especuladores, os rentistas”, afirmou.

Ela considerou acabar com o fundo soberano como “um golpe de mão” porque leva em conta que o Banco do Brasil teve um primeiro trimestre ruim, por conta da crise econômica. “A tendência é fazer, com essa medida, com que o discurso do governo ilegítimo seja reforçado pelas vozes ‘do mercado’ de que o BB tem de ser vendido, privatizado”, destacou.

Outra medida que Gleisi avaliou ser prejudicial aos trabalhadores e pequenos empreendedores será o que chamou de seletividade, que passará a ser observada daqui por diante nos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), atendendo somente a grandes grupos empresariais.

“O ministro Meirelles anunciou que R$ 100 bilhões que estão no banco serão revertidos para o Tesouro Nacional. Esse dinheiro está no banco e gira na forma de empréstimo, inclusive nos cartões do BNDES e em outras linhas de crédito como a de modernização de frotas. Na prática, sem linha de crédito para os pequenos empreendedores que possuem o cartão BNDES, os investimentos serão travados”, disse.

Para Carlos Zarattini (PT-SP), a medida que pretende agilizar a abertura da exploração do pré-sal para companhias petrolíferas estrangeiras é, para ele, uma das mais drásticas. Na prática, consiste no apoio oficial, por parte do governo Temer, ao Projeto de Lei (PL 4.567/16), em tramitação na Câmara, que retira da Petrobras a obrigatoriedade de participar da extração de petróleo da camada pré-sal.

“Eles estão colocando em prática mais um objetivo do golpe que afastou a presidenta Dilma Rousseff da presidência. Querem quebrar a participação da Petrobras no pré-sal e entregar tudo para as multinacionais, que sempre desejaram colocar as mãos em uma das maiores reservas de petróleo do mundo”, disse.

Estratégias de combate

Por conta dessa avaliação e da agenda tida como “extremamente retrógrada e negativa”, deputados e senadores que integram o chamado Comitê Pró-Democracia, juntamente com a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia (que se posicionam contrários ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff) vão se reunir amanhã (25), no final da tarde. O intuito, mais do que acompanhar e discutir o rito da comissão do impeachment, é discutir também todas as medidas anunciadas. E avaliar formas de enfrentamento durante a tramitação das matérias que as sugerem, no âmbito do Legislativo.

A oposição foi rebatida por uma espécie de “tropa de choque do governo”, formado por líderes como os senadores Ronaldo Caiado (DEM-GO), Romero Jucá (PMDB-RR) – que retornou hoje, após desastrosa passagem pelo Ministério do Planejamento – e Ana Amélia (PP-RS). Mas não convenceram.

Caiado repetiu que as propostas pretendem consertar programas que, segundo ele, “tudo o que fizeram foi dividir o país nos últimos anos e maquiar as contas públicas”. E considerou as medidas “salutares para ajudar a melhorar a economia nacional”. Jucá reiterou que vai trabalhar para ver todas as propostas aprovadas e, num tom mais agressivo, chegou a afirmar: “Quem quebrou o país não fomos nós, mas o PT”.

Ana Amélia ressaltou que a discussão mais acirrada não levará a nada entre os parlamentares. Disse que é preciso, mesmo em meio a divergências, trabalhar por um debate mais ético e construtivo no Congresso, porque é isso o que a população brasileira deseja.

A sessão de hoje, que seria iniciada às 16h, foi antecipada para as 11h, mas até agora, os parlamentares só votaram os vetos presidenciais que faziam parte da pauta. Não começaram ainda a apreciação da proposta que altera a meta fiscal do governo – tudo por conta do grande número de pronunciamentos e embates entre os representantes de partidos da base aliada e da oposição.

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