Crise brasileira

No Oficina, ex-ministro, filósofa e ‘hippie’ analisam debate político

Em comum entre Ciro Gomes, Djamila Ribeiro e Cláudio Prado, a aversão ao 'golpe' e seus efeitos. 'A gente sabe onde o chicote bate', diz ela. Zé Celso lê carta a Dilma: 'Ela não vai renunciar, nem nós'

Facebook/Reprodução

Ciro (à direita, com Claudio Prado e Djamila Ribeiro) vê uma ‘tragédia’ a caminho, mas acredita em “reversão histórica” em 2018

São Paulo – “Bondades de Dilma”, projeto de desenvolvimento, política de gênero, limites da esquerda, possibilidades da mídia fizeram parte do diversificado pacote de temas discutidos na noite de ontem (5) no Teatro Oficina, em São Paulo, onde o principal consenso pareceu ser contra o “golpe” em curso e suas consequências para o país. “A gente precisa lutar pela ampliação de direitos. A gente sabe onde o chicote vai bater”, diz, por exemplo, a filósofa e feminista Djamila Ribeiro. “Estamos falando de direitos que serão barrados, de políticas sociais que serão barradas.”

Ao público majoritariamente jovem que lotou o Oficina – algumas pessoas ficaram do lado de fora, acompanhando por um telão –, Djamila admitiu avanços nos últimos anos, mas lembrou que o país ainda tem muito a melhorar na inserção social, afirmando que o Brasil tem baixa representação feminina no seu Parlamento, onde direitos das mulheres podem ser “rifados”. Também pediu que a esquerda abrace causas das mulheres e dos negros “de maneira efetiva e compromissada”. Fez uma sugestão à plateia: “Marx é legal, importante, mas tem de ler Angela Davis”, referência à ativista norte-americana.

Promovida pela rede Mídia Ninja, com apoio da Central Única das Favelas (Cufa), a conversa, que reuniu ainda o ex-ministro Ciro Gomes e o produtor cultural Cláudio Prado, começou por volta das 19h. Mas uma hora antes uma fila já saía da Rua Jaceguai, onde se localiza o teatro, e dobrava a Rua Santo Amaro. Enquanto isso, antes do debate, Ciro conversava com um grupo, alfinetando tucanos (“Eles mandam aqui em São Paulo há 20 anos, mas aqui não tem coronel”), lamentando o nível dos interlocutores no campo conservador (“Roberto Campos faz falta”), elogiando o Psol, que teve “nobreza e dignidade de ficar contra o golpe” e ironizando o “moralismo difuso” de Marina Silva.

Na política, Ciro vê uma “tragédia” a caminho, mas acredita em uma “reversão histórica” a partir de 2018. Hoje, diz, “não temos força hegemônica de esquerda”. Antes de ir ao palco, ele é abordado por um rapaz de sandálias, Julio, que traz um exemplar de Um Desafio chamado Brasil, escrito pelo ex-ministro. “O Brasil precisa dramaticamente que a juventude saia da frente do computador e vá para a rua.”

Momento difícil

“É legal ver que o pessoal está interessado em discutir política, sobretudo num momento tão difícil”, diz o “mediador” do debate, o produtor e ativista Warley Alves, que irá apresentar Djamila como “a maior pensadora do século”. Filha de estivador e militante comunista, ela diz ter sentido falta de um “debate de gênero” mesmo entre a esquerda. “A população negra é maioria da população, as mulheres são maioria, e as negras maioria entre as mulheres… Como não vai discutir esse assunto?”

Para Cláudio Prado, apresentado como “hippie”, um dos criadores da Mídia Ninja e ativista da cultura digital – trabalhou no setor no Ministério da Cultura, durante a gestão de Gilberto Gil –, o momento é pedagógico. “Desde dezembro nunca vi tanta gente falar de política”, afirmou, contando ter dois netos participando de ocupações em São Paulo, um deles no Centro Paula Souza, de onde estudantes foram retirados hoje pela Polícia Militar. “A oportunidade é sempre do tamanho da crise. É só a gente não ter medo.”

Com oito filhos, 15 netos e um bisneto – que descobre ter o mesmo nome do filho mais novo de Ciro, Gael –, ele critica o modelo educacional. “A escola está completamente despreparada, e a rua está muito mais interessante.” Vindo de uma período de “ativismo sem informação”, como ele se refere à geração dos anos 1960, ele enfatiza o papel dos movimentos sociais e observa que “a rede digital precede a possibilidade de ir à rua”.

Questão nacional

Hoje executivo da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o ex-ministro e ex-governador do Ceará Ciro Gomes disse que pensava em se afastar da política, “mas a coisa degringolou geral no Brasil e eu me senti compelido à minha verdadeira vocação”. Criticou o projeto de desenvolvimento vinculado a um padrão de consumo, defendendo um “Estado empoderado, parceiro estratégico de empreendedores e da universidade”. “A questão nacional precisa ser reposta.”

Pouco depois das 20h, chega o “dono da casa”, o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa. “Cheguei a tempo, né? Estava escrevendo um negócio para mandar para a Dilma”, diz Zé Celso, que minutos depois lerá o texto, no qual pede à presidenta que “libere o Teatro Oficina de 36 anos de especulação imobiliária”. Fala em um governo “excepcionalmente reiniciado em 1º de maio”, quando Dilma anunciou medidas como aumento do Bolsa Família e da tabela do Imposto de Renda.

“As tais bondades são as coisas que ela foi eleita para fazer. Ou não?”, afirma o diretor, para quem a presidenta “foi impedida” de governar desde o começo. “Ela tentou se proteger, pondo (Joaquim) Levy, mas não adiantou nada”, diz Zé Celso, perguntando o que é o aumento no Bolsa Família diante do reajuste aprovado para os ministros do Supremo Tribunal Federal. “Ela (Dilma) não vai renunciar. Assim como nós”, emenda o diretor, pensando em uma “teocracia plutocrática” a caminho, com Michel Temer e Marco Feliciano.

“Nós só temos 27 aninhos de democracia eleitoral”, diz Ciro, remetendo à primeira eleição presidencial realizada após a ditadura, em 1989, e apontando fatores como distorções “de mídia e econômicas” nesse processo. “Democracia não é regime de concessão, é regime de conquista. Não haverá um anjo vingador. Fora das instituições, é muito pior.”

Leia também

Últimas notícias