Fato consumado

Cassação de Delcídio é aprovada por 74 votos, em sessão sem surpresas

Parlamentar não foi e nem apresentou defesa. Agora, está inelegível por oito anos

Agência Senado

Defesa escrita do senador argumentou que denúncias padeciam de falta de materialidade. Delcídio não foi

Brasília – Foram 74 votos favoráveis, uma abstenção, cinco ausências e nenhuma surpresa. Com esse resultado, às 19h55 desta terça-feira (10), os senadores cassaram o mandato de Delcídio do Amaral (sem partido-MS). O parlamentar já esperava esse desfecho, tanto que resolveu não comparecer e nem mandar advogado para fazer sua defesa. E os senadores, embora em meio a um plenário acompanhado de perto por deputados federais, jornalistas e assessores, deixaram nítida a impressão de que queriam dar ritmo célere aos trabalhos. Foi a forma que encontraram de se poupar para enfrentar mais de dez horas de votação amanhã (11), na sessão da admissibilidade do impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

Surpresa, mesmo, foi o tom de alguns embates entre representantes da oposição e da base aliada, que aproveitaram a fala de ontem de Delcídio, quando ele disse que os atos que o levaram à prisão e ao consequente processo de cassação foram feitos “a mando” do governo, como líder que era na época. José Medeiros (PSD-MT) subiu ao plenário e disse que, enquanto em novembro Delcídio passou de senador querido por todos a “escroque desta Casa”, hoje é preciso avaliar quais as circunstâncias que o levaram a ser preso e flagrado em ilegalidades.

Agora, além de deixar de ser senador, Delcídio está inelegível por um prazo de oito anos e não tem direito mais a ser julgado por foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal (STF). O cargo passará a ser ocupado pelo suplente, o empresário Pedro Chaves (PSC-MS).

Na prática, o ex-líder do governo no Senado foi pego numa gravação, na qual negociava uma rota de fuga para o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, para fora do país. Além disso, também ofereceu uma mesada a Cerveró, para que ele se recusasse a fazer delação premiada e, assim, deixasse de denunciar vários políticos e empresários. A conversa foi gravada por Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor.

O senador José Medeiros afirmou ainda que depois que foram revistas gravações e declarações posteriores, ficou constatado, no entendimento dele, que “crimes semelhantes foram cometidos por representantes do Executivo”. Tratou-se de uma referência à gravação interceptada pela Polícia Federal de um telefonema entre a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na véspera da posse de Lula como ministro-chefe da Casa Civil. Foi o suficiente para irritar os representantes da base aliada.

“Não podemos admitir este tipo de comparação aqui, nem ilações contra a presidenta Dilma”, rebateu de pronto o senador Donizeti Nogueira (PT-TO). “Quero chamar a atenção para a gravação da fita na qual o senador foi flagrado e a grande preocupação dele (Delcídio) constatada nesse material, com as sondas compradas pela empresa Alstom numa negociação que teve o seu intermédio, em governos anteriores aos do PT”, acentuou – mencionando, de forma implícita, o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB. Nogueira disse ainda que considerava “uma imprudência reforçar a tese errônea de que o senador agiu a mando da presidenta”.

‘Falta de decência’

Como não apareceu ninguém da defesa de Delcídio, a peça apresentada pelos seus advogados foi lida no plenário pelo diretor da consultoria legislativa do Senado, Danilo Augusto Barbosa de Aguiar. Os argumentos apresentados pelos advogados do senador, anteriormente, durante a tramitação do processo, foram de que a denúncia de falta de decoro contra ele padece de irregularidades e inépcia da acusação, além de falta de materialidade. Uma vez que a gravação que o flagrou teria sido, segundo destacaram, “armada de propósito com o intuito de incriminá-lo”.

Ninguém se convenceu. Pesou muito mais, em vez das colocações da defesa, a frase do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), autor da representação que pediu a cassação de Delcídio. Rodrigues lembrou palavras proferidas pelo ex-senador paraense Jeferson Peres, já falecido, durante o processo de cassação de Luiz Estevão: “A falta de decoro parlamentar é a falta de decência no caráter pessoal, de um modo que envergonha a Casa”.

Rodrigues afirmou que não se considera em situação confortável durante a votação de processo de cassação de um colega, mas os graves fatos impõem tal votação. De acordo com ele, a Constituição Federal diz que perderá o mandato o deputado ou senador “que não tiver um ato compatível ao decoro parlamentar e for observado em prática de abuso de prerrogativas no uso de suas atribuições”. E, conforme sua interpretação, foi o que aconteceu com Delcídio do Amaral.

“O processo em questão não está relacionado ao crime cometido propriamente, diz muito mais respeito ao ‘dever ser’, ao comportamento e à conduta que um parlamentar deve ter”, afirmou o senador.

Também Telmário Mota (PDT-RR), relator do processo no Conselho de Ética, ressaltou que rejeitou todas as preliminares apresentadas pela defesa do senador porque entendeu que houve, sim, quebra de decoro por parte de Delcídio.

Ele lembrou que não acha que o termo aditivo que alguns senadores pretendiam incluir ao processo ontem, iria ajudar no processo, porque o Senado não está avaliando a questão relacionada aos problemas do parlamentar com a Justiça propriamente. E sim, o que está relacionado à quebra de decoro em si. O termo aditivo proposto era para acrescentar novo parecer concedido pela Procuradoria-Geral da República sobre o caso, no início da semana.

Na mesma linha, o presidente do processo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Ricardo Ferraço (PSDB-ES), disse que a avaliação do caso pelo Senado é diferente da avaliação judicial. “Meu relatório está circunscrito à análise da ilegalidade, constitucionalidade e juridicidade do documento elaborado pelo Conselho de Ética e posso dizer que todo o rito do processo foi realizado dentro da normalidade, sem que o senador Delcídio do Amaral possa argumentar que teve qualquer tipo de cerceamento de sua defesa”, afirmou.

Sem referências

Diante desses pronunciamentos, ninguém fez mais questão de apresentar qualquer outra referência ao senador sul-matogrossense, que até 25 de novembro, quando foi preso pela Polícia Federal na Operação Lava Jato, era considerado um dos parlamentares mais prestigiados do Congresso Nacional. Ele desfrutava, na época, do privilégio de ser líder do governo no Senado e era tido como um dos mais queridos e sociáveis entre os colegas, presente a todas as reuniões, jantares e festas mais íntimas.

Ontem, ainda com um fio de esperança de conseguir protelar a votação – a exemplo das manobras feitas na Câmara dos Deputados pelo então presidente daquela Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no processo de que também é alvo no Conselho de Ética –, Delcídio chegou a ameaçar que, se continuasse senador, faria questão de comparecer amanhã ao plenário do Senado “para votar pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff”.

Hoje, o agora ex-senador evitou os holofotes e os olhares destes mesmos colegas. Preferiu assistir de casa, pela TV, ao lado da mulher e das filhas, os últimos atos da sua atividade legislativa. Delcídio divulgou, por meio dos seus advogados, uma nota na qual diz que foi vítima de “manobra traiçoeira”, que precipitou a sessão do seu processo, com atropelo de ritos e supressão de garantias.

Segundo o documento, assinado pelo advogado Antonio Augusto Figueiredo Basto, a votação “reflete uma retaliação vil à sua condição (de Delcídio) de colaborador da Justiça”. As principais acusações feitas na nota são contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que disse ontem que se sentiria desconfortável se fosse votado o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff no plenário da Casa antes da cassação do parlamentar, uma vez que o processo sobre ele foi protocolado bem antes.

Em resposta, logo após o resultado, o senador cassado disse, por meio do advogado, que Calheiros agiu com uma atitude “típica do gangsterismo que intimida pessoas e ameaça instituições”. E afirmou que o presidente da Casa adotou “o espírito revanchista de quem se julga acima da lei e do Direito”. Ele destacou, ainda, que não compareceu à votação para não compactuar com o que chamou de “arbitrariedades dessa comédia de fantoches, protagonizada pelo autoritarismo de quem se encastela no poder de ameaça e intimidação”.

 

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