Seca em SP

São Paulo e União admitem que não sabem se ‘volume morto’ do Cantareira é insalubre

Ofícios enviados por agências ao Ministério Público oferecem respostas evasivas sobre temas delicados, como racionamento, plano de contingência e qualidade da água do fundo das represas do Cantareira

Danilo Verpa/Folhapress

Agência nacional poderia decretar racionamento que governo estadual evita assumir, mas não o faz

São Paulo – A Agência Nacional de Águas (ANA), do governo federal, e o Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE), do governo de São Paulo, encaminharam nesta semana ao Ministério Público respostas aos questionamentos sobre as medidas adotadas para garantir o abastecimento de água das 14 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo e de municípios do interior que dependem dos reservatórios do Sistema Cantareira.

Os ofícios enviados aos promotores do Grupo de Atuação Especial para o Meio Ambiente (Gaema), no entanto, provocam mais dúvidas do que esclarecimentos: de acordo com as agências reguladoras, não há informação técnica sobre a qualidade da água que será retirada do “volume morto” do Sistema Cantareira, reserva abaixo do nível das bombas de sucção da Sabesp que começa a ser captada neste mês para compensar a queda histórica dos reservatórios. Da mesma forma, não há estudo técnico sobre a duração dos reservatórios e nem previsão de recomposição dos níveis normais do Sistema, que está com apenas 9,4% de seu volume útil disponível.

“A resposta dos dois órgãos foi: ‘não sabemos, não é conosco, delegamos à Sabesp'”, resume o promotor Ivan Carneiro Castanheiro, do Gaema de Piracicaba, um dos autores do inquérito que investiga possíveis omissões do poder público na gestão da água no estado. “O risco à saúde pública é alto. Sabemos que pode haver contaminação por metais pesados, como chumbo e cádmio, nos sedimentos do fundo da represa. Especialistas avisam sobre risco de contaminações que podem causar problemas de tireoide e nos rins, além de diarreias. É fundamental que exista estudo sobre isso. Ainda que a Sabesp consiga tratar a água para São Paulo, a água que vai para os pequenos municípios também é afetada, e eles não têm estações de tratamento preparadas para isso”, afirma Castanheiro.

O Ministério Público ainda aguarda informações da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental de São Paulo (Cetesb), mas, segundo o documento do DAEE, “esse assunto será conduzido pela Sabesp, com fiscalização da Vigilância Sanitária”. Já a ANA destaca que, em 1º de abril, a Sabesp foi orientada a realizar todos os estudos técnicos solicitados, embora esse material ainda não tenha sido concluído. “Não recebemos informação oficial da entrega desses materiais, e também não recebemos nada”, lamenta Castanheiro.

Na comunicação ao MP, ANA e DAEE também esquivaram da responsabilidade por convocar o racionamento de água, conforme sugerido pelo Gaema. O texto indica que quem teria responsabilidade de instituir o rodízio de água seria da Agência Reguladora de Água e Energia de São Paulo (Arsesp). A ANA, no entanto, tem entre suas atribuições a convocação do racionamento preventivo de água. O artigo 2º do decreto 3692, de 2000, que regulamenta a atividade da agência, diz que ela pode “declarar corpos de água em regime de racionamento preventivo e aplicar as medidas necessárias para assegurar seus usos prioritários em consonância com os critérios estabelecidos em decreto ouvidos os respectivos comitês de bacia hidrográfica, se houver”.

“É, mais uma vez, o jogo de ‘empurra'”, critica o promotor.

Entre as respostas evasivas de ambas as agências, consta ainda a admissão, por parte do DAEE, de que a Sabesp não cumpriu o previsto na outorga concedida em 2004 para exploração dos reservatórios do Cantareira nunca apresentou um plano de contingência para a situação atual, e está agindo de improviso para lidar com a escassez. De acordo com Castanheiro, desde o princípio do ano a Sabesp tem ressaltado que tinha plano de contingência para lidar com uma situação de excesso de águas, mas não de estiagem. A outorga para a Sabesp tem validade apenas até agosto deste ano, mas, por conta da situação de emergência, o DAEE admite que a renovação por um período de mais 10 anos não deve ocorrer. Assim, o uso da água do Sistema Cantareira a partir dessa data terá de ser discutida periodicamente por Sabesp, ANA e DAEE, de acordo com o volume do reservatório até o próximo ano.

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