Na Comissão de Agricultura da Câmara, dois terços têm ligação com agronegócio

Deputados rejeitam possibilidade de que doações de empresas e propriedade de fazendas configurem conflito de interesses

Indústria agrícola tem forte representação no Congresso e coloca parlamentares sob suspeita (Foto: ABr/Arquivo)

São Paulo – Ao menos dois terços dos integrantes da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara têm ligações diretas ou indiretas com o agronegócio brasileiro. Levantamento feito pela Rede Brasil Atual indica que apenas onze em 35 deputados não são donos de terras ou receptores de doações de empresas do setor – 31% do total.

“Não é diferente das outras vezes. Sempre foi assim”, constata, sem esboçar qualquer surpresa, Júlio Cesar (DEM-PI). O parlamentar é presidente da comissão, cuja composição para a atual legislatura foi fechada esta semana. O fato de ser corriqueiro não torna menos estranho que empresários do agronegócio cheguem ao Congresso e se coloquem na comissão que vai avaliar exatamente os interesses do setor em que atuam enquanto cidadãos – e de onde saem seus lucros. 

“A comissão não trata de assunto específico de uma empresa. São interesses nacionais. O que pode haver é eventualmente alguma empresa se enquadrar dentro de algum interesse nacional”, declara o deputado quando questionado se as doações de campanha podem criar laços indesejáveis entre o Congresso e o setor privado.

A Comissão de Agricultura, instituída em 1823 sob o nome de Minas e Bosques, define temas como perdão a dívidas de agricultores, flexibilização da legislação ambiental, estímulos fiscais e tributários, uso de agrotóxicos, regularização fundiária e concessão de terras públicas. Caso o projeto tramite em caráter conclusivo, a comissão tem papel ainda mais relevante, podendo selar a sorte de uma proposta sem que ela seja submetida ao plenário (clique aqui para saber mais sobre o assunto).

Em entrevista concedida antes da definição dos integrantes das comissões, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) já previa que representantes dos grandes produtores rurais integrariam a Agricultura. “O parlamentar que tem interesse em determinados projetos que tramitam particularmente em algumas comissões deveria se considerar impedido moralmente de atuar  no que lhe beneficia. A legislação deveria contemplar esse impedimento”, opina Valente, que está em seu sexto mandato.

Por partidos, DEM, PMDB e PT têm as representações mais numerosas, com sete parlamentares cada um, mas não há na bancada petista deputados ligados ao agronegócio. Enquanto o DEM controla a presidência, o PMDB tem alguns dos parlamentares de maior peso no setor, como Moacir Micheletto e o ex-ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, ambos paranaenses. Também peemedebista, Paulo Piau (MG) considera normal que a Comissão de Agricultura tenha predomínio de produtores. “Se a gente pegar os parlamentos inglês, francês, canadense, americano, vai ver que todas as categorias são representadas. A evolução da democracia vai fazer com que todos os pontos de interesse do país estejam no congresso.”

O PP, com cinco integrantes, também tem alguns dos mais notórios defensores dos interesses dos grandes produtores. Luiz Carlos Heinze (RS), Zonta (SC) e Dilceu Sperafico (PR) levantam a bandeira das sementes geneticamente modificadas e da alteração do Código Florestal. O PSDB vem a seguir com quatro parlamentares e, também, o de maior fortuna dentro da comissão. Reinaldo Azambuja (MS) é dono de um patrimônio declarado de R$ 31 milhões, formado por fazendas, gado e maquinário agrícola. Há ainda representantes de PR, PDT, PPS, PTB, PCdoB e PSC. 

Bohn Gass (PT-RS), que chega pela primeira vez à Câmara, conseguiu um lugar na Comissão de Agricultura, na qual espera defender os produtores familiares, embora admita as dificuldades de ser minoria dentro do colegiado. “Temos de fazer o debate internamente, mas precisa ser consubstanciado com o debate na sociedade, a articulação do movimento sindical, dos movimentos populares, das pesquisas técnicas, da soberania alimentar. Tem de combinar democracia participativa com democracia representativa.”

Área demarcada

Além do comando dos trabalhos, o DEM tem duas das três vice-presidências, todas ocupadas por deputados que são, ao mesmo tempo, proprietários e receptores de generosas doações de corporações de diversos ramos da agroindústria. As listas entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que Bunge, produtora de soja; JBS e Marfrig, de carne; Klabin, Suzano e Fibria, de papel e celulose; Cosan, de açúcar; e Camil, de arroz, são algumas das que abriram os cofres durante a votação de outubro de 2010. Algumas delas já foram multadas por desmatamento e outras chegaram a figurar na “Lista Suja” do trabalho escravo, elaborada pelo Ministério do Trabalho.

José Nunes (DEM-BA), um dos vice-presidentes da Comissão de Agricultura, minimiza a possibilidade de se configurar conflito de interesse por conta das doações. Sócio de uma rádio, o que é proibido pelo artigo 54 da Constituição, Nunes tem um patrimônio de R$ 4,8 milhões no qual figuram alguns lotes na cidade de Euclides da Cunha. Questionado sobre a possibilidade de algum parlamentar atuar a favor de uma doadora, ele desafia: “Pra mim seria novidade se me apontasse um deputado que estivesse a serviço de uma empresa do setor agrícola. Não conheço.” 

Percentualmente, um dos grandes beneficiários é Moreira Mendes (PPS-RO). Em outubro passado, ele angariou R$ 1,1 milhão em doações, dos quais R$ 445 mil provêm diretamente da agroindústria. Em quantia, chama atenção o caso de Paulo Piau, que teve receita de R$ 2,3 milhões nas eleições passadas. Mais da metade do total, R$ 1,25 mi, veio de corporações agrárias. Ele é defensor do financiamento público de campanha, mas não exatamente pela possibilidade de haver conflito de interesses. “Hoje, é uma coisa humilhante ter que rebaixar para uma empresa e pedir dinheiro”, constata, e acrescenta:  “Se as doações foram legais, não tem problema. No Brasil a regra do jogo é essa.”

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