América do Sul

‘Receita que usaram no Brasil, de rasgar a democracia, tentam usar no Mercosul’

Para deputado Paulo Pimenta, atuação do ministro das Relações Exteriores, José Serra, no Uruguai, tem como 'pano de fundo o fato de a Venezuela possuir uma das maiores reservas de petróleo do mundo'

Lula Marques/Agência PT/Fotos Públicas

“Petroleiras norte-americanas não têm interesse em ter a Venezuela no Mercosul”, diz Paulo Pimenta

São Paulo – “O impasse no Mercosul está sendo causado pelo Brasil. Também por Paraguai e Argentina, mas coordenado pelo Brasil.” O comentário é do deputado Paulo Pimenta (PT-RS), sobre nota divulgada ontem (16) pelo Itamaraty, na qual o ministério respondeu a informação sobre a suposta proposta do ministro das Relações Exteriores brasileiro, José Serra, de trocar apoio comercial ao Uruguai pelo “voto” do país contra a Venezuela no Mercosul. Segundo o comunicado oficial, “o governo brasileiro tem buscado, de maneira construtiva, uma solução para o impasse em torno da presidência pro tempore do Mercosul”.

Em requerimento protocolado também ontem, o deputado Afonso Florence (PT-BA) pede a convocação de Serra para prestar “pessoalmente”, na Câmara dos Deputados, explicações sobre a suposta proposta brasileira ao governo uruguaio, noticiada pelo jornal El País, de Montevidéu.

“A receita que usaram no Brasil, de rasgar a Constituição e a democracia para tentar colocar um projeto golpista no poder, é a mesma que agora tentam utilizar no Mercosul”, diz Pimenta.

Ele diz que considera “extremamente grave” não apenas a informação do diário uruguaio como a própria gestão de Serra, que, em 5 de julho, acompanhado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foi a Montevidéu, onde se reuniram com o presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez, e o chanceler Rodolfo Nin Novoa. O objetivo foi tentar postergar a passagem da presidência do Mercosul ao governo venezuelano de Nicolás Maduro.

“É incomum que um ministro, Serra, tenha pego um avião da FAB, acompanhado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e se deslocado ao Uruguai para uma agenda bilateral, não prevista, no sentido de solicitar ao Uruguai que não passasse a presidência do Mercosul para a Venezuela. Esse fato por si só não é normal em relações exteriores. O que Fernando Henrique estava fazendo lá?”, questiona.

“Há uma forte compreensão de nossa parte que o pano de fundo dessa história é o fato de que a Venezuela é um país que possui uma das maiores reservas de petróleo do mundo, que são estatais, como a grande maioria dos países, num momento em que o Brasil está abrindo as suas reservas através do projeto do Serra, do pré-sal, para exploração das empresas multinacionais”, diz Pimenta.

Segundo o petista, as petroleiras norte-americanas “não têm nenhum interesse em ter a Venezuela no Mercosul”. “Vieram a público, através de denúncia do WikiLeaks, trocas de mensagens do Serra com a Embaixada dos EUA e representantes das petroleiras norte-americanas revelando uma total intimidade do Serra tratando questões estratégicas do petróleo”.

Em 2009, segundo o WikiLeaks, o atual ministro brasileiro teria prometido a uma representante da petroleira Chevron que, se vencesse as eleições em 2010, mudaria a legislação que rege as regras do pré-sal.

Para Pimenta, “tudo isso é parte de um contexto mais amplo, em que o Serra age como representante das petroleiras norte-americanas e tenta fazer no Mercosul o que estão fazendo no Brasil, que é um golpe para vender nossas riquezas e enfraquecer o Mercosul”.

Nota

Na nota de ontem, o Itamaraty afirma que a visita de Serra ao Uruguai, em 5 de julho, teve o objetivo de superar o impasse no bloco. “Ao Brasil interessa um Mercosul fortalecido e atuante.” E diz que, durante a visita ao Uruguai, Serra “também tratou” com Tabaré Vázquez e com o Chanceler Nin Novoa do potencial de aprofundamento das relações entre o Brasil e o Uruguai e de oportunidades que os dois países podem e devem explorar conjuntamente em terceiros mercados”.

Acrescenta que “o governo brasileiro recebeu com profundo descontentamento e surpresa as declarações” de Nin Novoa sobre a visita (de que o Brasil teria tentado “comprar” a posição uruguaia sobre a Venezuela).

“A nota não desmente em nenhum momento o que foi divulgado. Ela revela um desconforto, uma certo incômodo, porque é um assunto que deveria ser tratado de maneira mais discreta, mas não desmente que, de fato, ocorreu essa gestão e essa agenda. O presidente Tabaré Vásquez não esconde de ninguém a intromissão indevida do Brasil, tentando influenciar uma questão soberana do país nas suas relações no Mercosul”, comenta Paulo Pimenta.