Boric x Kast

Polarizado, Chile escolhe presidente neste domingo entre o socialismo e a extrema direita

Disputa entre José Antonio Kast, o “Bolsonaro Chileno”, e Gabriel Boric, que ascendeu após protestos de 2019, é apertada e resultado, imprevisível

Reprodução/Youtibe
Reprodução/Youtibe
Socialista Gabriel Boric (à esq.) e ultradireitista José Antonio Kast se enfrentam nas urnas neste domingo

São Paulo –“O comunismo está avançando.” O alerta parece uma frase das eleições brasileiras que levaram ao Palácio do Planalto Jair Bolsonaro, o defensor da tortura e da ditadura que construiu sua vitória sob os métodos de Steve Bannon, estrategista de Donald Trump nos Estados Unidos. Mas o mote anticomunista com cara de anos 60 é de José Antonio Kast, ultradireitista admirador de Trump e Bolsonaro que pode ser eleito presidente do Chile neste domingo (19). Após os protestos de 2019 e 2020 e a instalação da Constituinte, a ascensão da direita e extrema-direita no Chile surpreende.

Kast disputa “cabeça a cabeça” o governo do país andino com o esquerdista Gabriel Boric, que tem repetido: “A esperança prevalecerá sobre o medo”. A frase é “uma cópia em carbono da promessa que o brasileiro Fernando Haddad fez antes de perder para Bolsonaro em outubro de 2018”, observa o jornal britânico The Guardian.

Embora Boric fosse considerado favorito até semanas atrás, a disputa se tornou apertada e Kast parece diminuir a distância para o adversário e ex-líder estudantil. Segundo pesquisa da consultoria Cadem citada pela Reuters durante a semana,, Kast teria 36% das intenções de voto, contra 39% de Boric, o que representa cerca da metade da diferença logo após o primeiro turno, em 21 de novembro. Em votos válidos, Boric venceria por 52% a 48%. A diferença era maior no final de novembro (54% a 46%).

Segundo outra pesquisa desta semana, da consultoria AtlasIntel, Kast teria 48,5% das intenções de voto, contra  48,4% de Boric. Ou seja, empate.

Voto facultativo

O resultado não é imprevisível apenas pelo fato de a diferença estar diminuindo e ser pequena – ou mesmo não existir, dependendo da fonte –, mas também porque o voto no Chile não é obrigatório e depende da configuração do eleitorado que vai e não vai comparecer às urnas.

Kast, do Partido Republicano, o “Bolsonaro chileno”, é apoiado pela população de mais idade. Já o socialista Boric ascendeu após as manifestações entre outubro de 2019 e março de 2020, que tiveram como estopim um aumento no preço da passagem de metrô.

Mas foi muito mais que isso. Como herança da brutal ditadura de Augusto Pinochet, o Chile foi objeto de feroz privatização. O país tem quase 100% de sua água privatizada, pelo chamado Código de Águas, que transforma um bem universal e público em mera mercadoria. Foi contra esse estado de coisas que os protestos explodiram em outubro de 2019, dando origem a um movimento que culminou com a Constituinte. A nova Carta está sendo elaborada para substituir o ordenamento legal fruto ainda da era Pinochet.

Nazista a força…

Durante a campanha, a agência Associated Press chegou a mostrar documento de um certo Michael Kast, nascido na Alemanha, pai do candidato, que foi registrado no partido nazista. Além do nome, a data e o local de nascimento também coincidiam. Porém, Kast afirmou que o documento, do Arquivo Federal alemão, era apenas “um pedaço de papel”. Antes, havia admitido que o pai tinha sido das Forças Armadas alemãs na Segunda Guerra, mas que foi recrutado “a força”.

Além do crescimento surpreendente de Kast, o direitista mais moderado Franco Parisi também foi elemento de uma eleição “fora da curva”. Com 12,8% dos votos válidos, ele chegou em terceiro lugar no primeiro turno sem sequer pisar o solo do país, já que mora nos Estados Unidos, porque deve pensão alimentícia no Chile. Seus eleitores são pouco ideológicos e seriam mais propensos a votar em Kast, mas algumas sondagens apontam que seus votos podem estar indo para Boric.

A ex-presidente Michelle Bachelet, atual Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, declarou apoio a Boric em vídeo, o que já era esperado, mas não deixa de ser importante por isso. A candidata mais próxima da ex-presidente, Yasna Provoste, que foi ministra de Bachelet, obteve 11,61% dos votos e chegou em quinto no primeiro turno.

Já Sebastián Sichel, o candidato do impopular presidente Sebastián Piñera, chegou em quarto, com 12,79%, e declarou que apoia o ultradireitista Kast. Segundo ele, para “derrotar a ameaça do populismo de esquerda”.