América Latina

Haia decide hoje se julgará pedido que Chile ceda à Bolívia uma saída para o mar

Tema é discutido desde 2013, a partir de um pedido entregue ao tribunal internacional pelo presidente boliviano. ‘A questão logística impactou muito no desenvolvimento do país’, diz especialista

CC / Administração de Serviços Portuários / Governo da Bolívia

Porto de Antofagasta, no Chile, também usado pela Bolívia, a taxas que o país de Evo Morales quer deixar de pagar

São Paulo – O Tribunal Internacional de Justiça da ONU (TIJ) decidirá hoje (8) se vai acatar o pedido da Bolívia e julgar se o Chile tem ou não “a obrigação de negociar de boa fé um acordo rápido e efetivo” para que o país obtenha um acesso soberano ao oceano Pacífico. A sentença final será anunciada até dezembro deste ano. Os dois países disputam a questão em Haia, na Holanda, desde de abril de 2013, a partir de um pedido entregue pessoalmente pelo presidente boliviano, Evo Morales.

Representantes legais de Santiago, no Chile, contestaram a competência do Tribunal de intervir nesta questão, já que continua em vigor o Tratado de Paz de 1904, assinado ao fim da Guerra do Pacífico (1879-1883) quando, em uma situação política enfraquecida, a Bolívia teve que ceder seu litoral ao Chile. Em troca, teria garantida a possibilidade de o país utilizar um porto em território chileno para trânsito de pessoas e produtos.

Hoje a Bolívia utiliza principalmente os portos chilenos de Arica e Antofagasta para exportar seu gás natural e outros produtos, como níquel, prata e estanho. “A Bolívia, no entanto, não tem soberania sobre esses portos e precisa pagar taxas para usá-lo. Eles perderam esse território que era deles. É um tema extremamente importante para os bolivianos e sempre foi pauta principal de todos os governos”, afirma o coordenador de pós-graduação na Universidade Federal da Integração Latinoamericana (Unila), Fábio Borges. “Vale lembrar que mesmo com uma sentença contra Chile, o país pode optar por não devolver o território, apesar de isso soar muito negativamente no cenário internacional.”

Devido à falta de uma saída soberana para o mar, a Bolívia – ainda um dos países mais pobres da América do Sul – tem os custos com transporte em média 31% mais caros que os outros países do continente. Só em comparação com o Peru, o transporte é 60% mais caro e com o Chile 55,7%, segundo informações da Telesur. Os portos chilenos cobram da Bolívia entre US$ 125 e US$ 800 por container examinado. Entre 50% e 60% das exportações de cobre do Chile são feitas em portos localizados em territórios conquistados do país vizinho.

Além disso, a possibilidade de uma saída para o Pacífico permitiria à Bolívia ampliar para a Ásia, a Europa e dos Estados Unidos seu mercado de gás natural, hoje centrado no Brasil e na Argentina. “Não é por acaso que os indicadores sociais mais frágeis da América do Sul estão na Bolívia e no Paraguai, dois países que não têm acesso ao mar. A questão logística impactou muito no desenvolvimento deles”, avalia Fábio.

Julgamento

O prosseguimento do caso depende da decisão a ser dada hoje em Haia. Se o aceno for favorável, o governo boliviano se empenhará em dar corpo legal à sua reivindicação. “Todo acordo é passível de ser revisto, exatamente porque alguns são feitos em momentos muito delicados”, afirma Borges. “Do ponto de vista legal, o Chile está mais respaldado que a Bolívia, mas no ponto de vista de justiça histórica, a Bolívia tem mais propriedade sobre o território”, avalia.

A Constituição da Bolívia, de 2009, estabelece “o direito irrenunciável e imprescritível do povo boliviano sobre o território que lhe dê acesso ao oceano Pacífico e sua área marítima”. Durante uma coletiva de imprensa, concedida na última quarta-feira (6), Morales afirmou que espera “uma sábia decisão do tribunal internacional” e que ele perceba que se trata de uma solução pacífica por “história, justiça, direito e razão.”

Em sua apresentação, o agente de Estado da Bolívia, Eduardo Rodríguez Veltzé afirmou que espera que o “Chile cumpra sua obrigação, respeite suas promessas e acordos de negociar um acesso com soberania ao mar em um acordo em um acordo independente do Tratado de 1904.”

Pelo chamado Tratado de Paz e Amizade de 1904 entre Chile e Bolívia, assinado em outubro de 1904 foi delimitada a fronteira entre os dois países, 20 anos após o fim da Guerra do Pacífico. O conflito foi deflagrado em fevereiro de 1879, quando tropas chilenas desembarcaram no porto boliviano de Antofagasta. Cinco anos depois, em 1884, Chile e a Bolívia assinaram um acordo para dar fim às batalhas armadas, enquanto era negociado um tratado de paz final.

O governo boliviano não contesta o Tratado de 1904, mas afirma que ele foi assinado em um contexto de muita fragilidade, diferente do atual. Para pressionar, o país ameaça dispensar a utilização dos portos de Arica e Antofagasta e dar preferência aos portos uruguaios e brasileiros, o que resultaria em prejuízos econômicos para o Chile.

Já o Chile, alega que recorrer a um tribunal internacional para debater a questão não é o ideal e que é preciso lidar com a questão diplomaticamente – apesar de as relações entre os dois países ter sido rompida em 1978. O Chile alega que a atitude da Bolívia pode esfriar ainda mais as relações bilaterais entre os países.

“Dois fatores principais influenciaram a decisão da Bolívia de recorrer a Haia. Uma delas é o fato de, no ano passado, o tribunal internacional ter concedido ao Peru parte do mar que estava sob controle do Chile, que também foi consequência da Guerra do Pacífico. Isso motivou a Bolívia”, afirma Fábio. “Outro ponto é a mudança de governo do Chile. A presidenta Michelle Bachelet é mais aberta ao diálogo e à proposta de integração regional, que poderia melhorar a relação entre os dois países, com uma governança mais flexível. Ainda assim nenhum governo vai admitir perder parte do seu território, por mais que dialogue.”